O Ano Litúrgico

Bizantino

Parte I

Madre Maria Donadeo.

 


Conteúdo: Três ciclos do ano litúrgico bizantino. Domingo da Páscoa. Doze grandes festas. Festas com data fixa. Festas com data móvel.


 

Três ciclos do

ano litúrgico bizantino

A riqueza e variedade das celebrações litúrgicas da tradição constantinopolitana notam-se, também, pela multiplicidade dos livros eclesiásticos próprios de cada tempo. Distinguimos três ciclos litúrgicos:

Ciclo pascal, com data móvel

A Páscoa é a primeira festa cristã por importância e antiguidade. Dela desenvolveu-se, paulatinamente, todo o ano litúrgico. As mesmas discussões, surgidas no segundo século entre o Papa de Roma e as cristandades asiáticas, vêm nos confirmar que a celebração da Páscoa remonta aos tempos apostólicos. Segundo as prescrições emanadas do Concílio de Nicéia no ano 325, o prazo dentro do qual se pode celebrar a Páscoa, conforme os cálculos astronômicos, vai de 22 de março a 25 de abril. Além disso, todas as igrejas ortodoxas," para a celebração da Páscoa, seguem até hoje o calendário juliano, atrasado de 13 dias em relação ao chamado gregoriano, introduzido em 1582 pelo papa de Roma, Gregório XIII. Portanto, se em 1990 a data da Páscoa calculada pelos ortodoxos caiu em 2 de abril e, pelos católicos latinos, em 15 de abril, acrescentando os 13 dias de diferença se obteve a feliz coincidência de celebrar a Páscoa no mesmo dia, isto é, em 15 de abril do calendário civil, já adotado em muitos países com maioria de cristãos bizantinos.

A solenidade da Ressurreição de Cristo possui uma importância única no Oriente cristão e ocupa por si um lugar, acima mesmo das "Doze grandes festas." É precedida por 10 semanas de preparação, cujos ofícios litúrgicos estão contidos no Triódion penitencial, ao passo que as 8 semanas que se seguem à festa da Páscoa - até Pentecostes e ao Domingo de Todos os Santos - estão contidos no Triódion luminoso ou Pentikostárion. Esses dois períodos serão objeto de um exame aprofundado mais adiante."

Ciclo das festas com data fixa

O Ano Litúrgico Bizantino, no que diz respeito às festas de Nosso Senhor, da Mãe de Deus, dos anjos e santos com data fixa, começa no dia 1º de setembro 'início da indicção ou do novo ano', conforme a inscrição que abre o Minéon de setembro, que é justamente o primeiro dos 12 volumes que contêm os textos litúrgicos das festas com data invariável. A indicção, período de 15 anos usado no cômputo cronológico civil e eclesiástico a partir do ano 312 d.C., começava em l º de setembro. Ademais, o I Concílio de Nicéia (†325) fixou o dia 1º de setembro como início do novo ano, relacionando-o ao dia em que Constantino, sob o sinal da Cruz, derrotou Maxêncio, concedendo em seguida a liberdade aos cristãos.

Encontramos o "próprio" de nove das Doze grandes festas e dos santos de cada dia do ano na coleção de livros litúrgicos chamado Minéa: conjunto de doze volumes, um para cada mês do ano.

Ciclo semanal e dos oito tons

As vezes o ciclo semanal é apresentado separadamente do ciclo dos oito tons, levando assim a quatro os ciclos do ano litúrgico bizantino, porém os textos litúrgicos próprios de cada dia da semana estão contidos no Októikos ou livro dos oito tons. De fato há 8 séries semanais, cada qual correspondente a um tom (1º, 2º,3º, etc.), com evidentes alusões aos sete temas de cada dia da semana.

O primeiro dia da semana, o Domingo, a Igreja o consagra à memória e à exaltação da Ressurreição de Cristo. A segunda-feira é dedicada aos anjos ou, conforme a exata denominação bizantina, aos "incorpóreos"; a Terça-feira é dedicada a João Batista, o Precursor; na quarta 21 e na sexta-feira se comemora a Paixão de Cristo, dando ênfase à veneração da Cruz, instrumento de sofrimento e redenção; a quinta-feira é dedicada aos apóstolos e, entre seus sucessores, destaca-se São Nicolau, bispo de Mira; o sábado é dedicado aos defuntos e a todos os santos.

Deixamos a palavra a um escritor ortodoxo que escreve: "A Santíssima Mãe de Deus é lembrada e venerada em cada dia da semana, como aquela que sempre intercede pelos cristãos junto do trono do seu Filho; mas é venerada especialmente no domingo, na quarta e na sexta-feira."

Alguns autores, ortodoxos e/ ou católicos, afirmam que na quarta e na sexta-feira, que são também dias de jejum, celebram-se a Cruz e a Mãe de Deus. Um autor católico assim escreve:

"A Virgem santa, longe de ficar esquecida, é comemorada todos os dias, em cada ofício e particularmente no domingo, na quarta e na sexta-feira, por causa da sua participação no mistério da redenção."

Um capítulo deste livro apresentará alguns exemplos de orações e outras informações sobre esses assuntos.

Combinações dos diversos ciclos

As maneiras de combinar os diversos ciclos do ano litúrgico estão indicadas teoricamente no Typikón e em outros livros específicos; praticamente, por meio de sinais característicos colocados na frente do nome inicial que indicam o grau da festa e também por meio de algurnas rubricas nos livros usados e nas indicações dadas pelos calendários litúrgicos publicados anualmente pelas diversas igrejas ortodoxas. Estas nunca chegaram a publicar nem missais, nem breviários, como, por outro lado, sucedeu na Igreja romana no primeiro milênio. Mas a viva tradição litúrgica vivida e a possibilidade de abreviar e variar a juízo do superior da igreja ou comunidade facilitam o desenvolvimento das celebrações litúrgicas bizantinas. Por serem de origem monástica, sem dúvida, estas são bem mais longas que as celebrações da Igreja latina. De fato, hoje somente em alguns mosteiros são celebradas na íntegra, porém, mesmo abreviadas, proporcionam um alimento abundante para os fiéis que delas participam. Graças à liturgia é que comunidades cristãs do Oriente, vivendo em situações anormais, sob o jugo turco ou sob a doutrinação ateu-marxista, muitas vezes despojadas dos edifícios de culto, impedidos de receber uma instrução cristã orgânica e adequada, desprovidas de livros religiosos e catequéticos, conseguiram manter viva a própria fé e a vida de oração.

Depois de aludir aos vários ciclos do ano litúrgico bizantino e ao que poderíamos chamar de "próprio" das celebrações, é bom lembrar que existe também um elemento fixo, dentro de cada Ofício celebrado, constituído sobretudo por salmos, hinos, orações, preces litânicas, de modo que o ideal seria participar de uma celebração para ter uma idéia mais completa.

Uma última observação: os fiéis orientais gostam de conservar suas antigas tradições. Por vezes esse fato lhes é imputado como uma incapacidade de se adequar às necessidades dos tempos atuais. Porém, que patrimônio litúrgico esplendoroso eles souberam conservar também para nós! Modificações ocorridas no rito romano após o Vaticano II, que para muitos pareciam novidades, não eram outra coisa senão uma volta àquilo que o Oriente nunca havia perdido: como por exemplo a concelebração na missa por vários sacerdotes, as litanias, ou oração dos fiéis com a introdução de intenções apropriadas às necessidades atuais da assembléia.

"O ano litúrgico bizantirio - observa um perito no assunto - é particularmente denso e complexo. Ele encerra os frutos de uma meditação secular da Igreja do Oriente e o depósito da espiritualidade de uma multidão de santos, muitos dos quais são considerados Padres da Igreja universal."

 

Domingo da Páscoa,

Ressurreição de Senhor Jesus Cristo

"Dia da ressurreição, rejubilemo-nos, o povos!

Páscoa do Senhor, é a Páscoa!

Da morte à vida, da terra ao céu,

Cristo nos fez passar, cantando o hino da vitória!

Purifiquemos os sentidos e veremos,

à luz inacessível da ressurreição,

o Cristo resplandecente que diz: Alegrai-vos!

Nós o ouviremos claramente, cantando o hino da vitória!

Gozem os céus, exulte a terra!

Rejubile o cosmo inteiro, visível e invisível:

Cristo, eterna alegria, ressuscitou!"

Nesses primeiros versos do Cânon Pascal, esplêndida criação de São João Damasceno († 749), vislumbramos desde já alguns elementos característicos da celebração pascal: a alegria, a luz, a vitória sobre a morte, a passagem para a verdadeira vida, a participação cósmica.

A Páscoa é o apogeu do ano litúrgico bizantino: é a "festa das festas," a "rainha das festividades," o "primeiro e oitavo dia"; só para repetir algumas expressões da celebração litúrgica. É essa a razão pela qual ela não está na lista das Grandes festas, pois tudo converge para ela. As semanas do tempo quaresmal começam pela segunda-feira e terminam no domingo, dia da Páscoa. A partir desse dia, as semanas sucessivas começam pelo domingo e terminam no sábado. Não somente o ciclo das festas com data móvel, como também o dos Oito tons e a ordem das leituras bíblicas da liturgia eucarística começam a ser contadas a partir da Páscoa.

Só quem presenciou uma celebração pascal, numa igreja repleta de fiéis exultantes, poderá entender o significado da Páscoa no Oriente bizantino.

"Cristo ressuscitou dos mortos, com a morte destruiu a morte e aos mortos, nos túmulos, devolveu-lhes a vida!"

Esse tropário pascal, verdadeiro grito de vitória, é repetido centenas de vezes pelos cristãos bizantinos na noite da Páscoa e nos dias seguintes; a liturgia eucarística e todos os demais ofícios litúrgicos começam e se concluem com as palavras desse tropário, que ficam gravadas na mente dos fiéis também pela contemplação do ícone da Ressurreição, exposto no meio da igreja durante 40 dias, para a veneração.

No ícone, de fato, aparece o Cristo vestido de branco, muitas vezes segurando com a mão a cruz, instrumento da sua vitória. Ele está pisando em cima dos destroços do império do mal; as portas estão arrancadas, os ferrolhos espalhados no fundo preto. O Ressuscitado segura a mão de Adão significando a sua reintegração na primitiva felicidade, enquanto Eva, do lado oposto, oculta respeitosamente as mãos debaixo da túnica, aguardando a hora de ser chamada. Por detrás dessa cena aparecem, em dois grupos, os justos do Antigo Testamento. Entre eles distinguem-se, à esquerda, os reis Davi e Salomão, coroados, Daniel e João Batista. Do lado oposto, Moisés e outros profetas. Nota-se também um círculo dourado, símbolo da divindade, no qual se inscreve a figura do Ressuscitado e no alto enxergam-se rochedos nus que nos lembram a aridez da nossa terra.

Comparados aos da Grande Semana Santa, os textos litúrgicos das celebrações pascais, sempre cantados, são relativamente breves, mas repetidos inúmeras vezes como para penetrar mais profundamente no íntimo de quem os canta ou de quem os escuta.

"Os anjos no céu, ó Cristo Salvador, exaltam a tua ressurreição; faze-nos dignos, a nós que estamos na terra, de glorificar-te com coração puro."

Esse é o refrão que se canta repetidamente, enquanto a procissão, à meia noite, faz a volta externa da Igreja, cada fiel segurando uma vela acesa. Entretanto, no interior da igreja, com as portas fechadas, um encarregado acende todas as luzes e faz queimar incenso em profusão preparando um proskinetárion pronto para receber o ícone da Ressurreição. Antes de entrar no edifício sagrado, o celebrante convida a assembléia a dar "Glória à santa, consubstancial, vivificante e indivisível Trindade." Em seguida alterna com o povo o tropário pascal com alguns versículos do salmo 67 que começa com as palavras "Levante-se Deus; eis que se dispersam seus inímigos..."

Em contraposição à sofrida e longa preparação quaresmal, agora é toda uma explosão de júbilo que acompanha a celebração da vigília pascal. "Cristo ressuscitou!" "Verdadeiramente ressuscitou!": em todas as línguas do Oriente bizantino, inúmeras vezes, prorrompe da boca dos fiéis essa saudação pascal que não se limita ao recinto da igreja, mas em qualquer lugar, substituindo o "bom-dia"e o "boa-tarde." Isso até a Ascensão.

O kontákion da Páscoa é atribuído ao poeta São Romanós, o Melode. Esse hino, bem conhecido, remonta ao século sexto:

"Desceste ao túmulo, ó imortal, e destruíste o poder do hades; ressurgiste como um vencedor, ó Cristo Deus, anunciando às mirróforas: Regozijai-vos! e dando a paz a seus Apóstolos, tu que ofereces aos caídos a ressurreição."

A Ode nona de qualquer cânon quase sempre faz referência à Mãe de Deus. Também no Cânon pascal encontramos estes versos: "Ó puríssima Mãe de Deus, rejubila-te na ressurreição do teu Filho!"

Cristo é a Páscoa, por isso na mesma Ode se canta:

"Ó grande e santíssima Páscoa, ó Cristo! ó Sabedoria e Verbo e Potência de Deus, concede-nos comungar mais claramente contigo no dia sem ocaso do teu reino!"

Nas Laudes encontramos o texto seguinte:

"Elevamos hinos, ó Cristo, à tua paixão salvífica e glorificamos a tua ressurreição! Ó Senhor, que padeceste na cruz e destruíste a morte, ressurgido dos mortos, pacifica também nossa vida, ó único Onipotente! Tu que despojaste o Hades e pela tua ressurreição fizeste o homem ressurgir, ó Cristo, faz-nos dignos de louvar-te e de glorificar-te com coração puro!"

De beleza particular se revestem os Stiquirás da Páscoa. Constituem um texto poético-litúrgico que, na sua composição definitiva, remontam aos séculos VI-VII. Nele o jubiloso anúncio da ressurreição do Senhor é dado com expressões bem próximas às das homilias pascais de São João Crisóstomo, São Basílio Magno e São Gregório de Nazianzo. Eis as duas últimas estrofes:

"Páscoa esplendorosa, Páscoa do Senhor, Páscoa!

Uma Páscoa puríssima sobre nós brilhou! Páscoa!

Com alegria abracemo-nos uns aos outros!

Ó Páscoa, que destrói a tristeza!

Pois hoje o Cristo, resplandecendo do sepulcro

como do tálamo,

encheu as mulheres" de alegria, dizendo:

levai o anúncio aos apóstolos!

Dia da ressurreição!

Resplandeçamos de alegria por esta festa,

abracemo-nos uns aos outros,

chamemos "irmãos" também aos inimigos,

perdoemos tudo e todos pela ressurreição,

e assim cantemos:

Cristo ressuscitou dos mortos,

com a morte destruiu a morte

e aos mortos, nos túmulos,

devolveu-lhes a vida!"

A ressurreição de Jesus Cristo está na base da nossa fé e é o sustentáculo da nossa esperança: nela se desvela o mistério de Deus e do homem, o significado último da criação. A Igreja, com exultação insólita, repete o anúncio da ressurreição e aprofunda a contemplação dela.

"Contemplando a ressurreição de Cristo, adoramos o santo Senhor Jesus, o único sem pecado..."

Convida o Sticirón que, além de ser cantado três vezes no Órthros da Páscoa, é repetido em todas as Horas menores da semana sucessiva, e a cada domingo do ano, após o evangelho da ressurreição das Matinas; e o texto prossegue:

"Porque tu és o nosso Deus. Não reconhecemos outro deus senão a ti, e com o teu nome somos chamados... Eis que, por meio da cruz, veio a alegria no mundo inteiro! Bendizendo sempre ao Senhor, elevamos hinos à sua ressurreição! Por nós, de fato, suportou a cruz e com a sua morte destruiu a morte! Ressurgindo do túmulo, como haviam anunciado, Jesus nos deu a vida eterna e a grande misericórdia!"

Fizemos um aceno ao "Evangelho da ressurreição." É chamada assim a perícope que trata desse tema, tirada de um dos quatro evangelistas, e que é lida pelo sacerdote em cada domingo no ofício do Órthros. Uma é tirada de Mateus, duas de Marcos, três de Lucas e cinco de joão: ao todo uma série de onze evangelhos matutinos da ressurreição que, ciclicamente, se repetem cada domingo do ano, mantendo assim muito viva entre os fiéis do Oriente bizantino a experiência do Dia do Senhor como Páscoa semanal.

Depois das Grandes Matinas pascais a vigília continua com a celebração da divina liturgia (missa) na maneira mais esplendorosa possível. As antífonas são próprias; o evangelho é o "Prólogo de São João" (1:1-17), que é cantado em diversas línguas (quando possível) para ressaltar a universalidade do anúncio.

Existem outras particularidades que evidenciam a alegria pascal, como por exemplo: as três portas da Iconostase - a divisória recoberta de ícones que separa o altar da nave da igreja - permanecem abertas até o sábado seguinte; no tempo pascal os fiéis, para rezar, permanecem sempre de pé sem nunca se ajoelhar. Há inclusive uma catequese especial, de São João Crisóstomo, que o sacerdote lê no final do Órthros; é conhecida pelos fiéis, pois é repetida a cada ano; no entanto é sempre aguardada com alegria, porque resume bem o dom infinito recebido no "dia santo e esplendoroso da gloriosa e salvífica ressurreição de Cristo nosso Deus," para repetir a frase que no livro litúrgico a precede. Para concluir esta seção do nosso livro eis o texto da homilia:

"Quem tiver piedade e amor a Deus rejubile-se nesta gloriosa e brilhante festa; quem for servo bom entre alegre no gozo de seu Senhor; quem suportou a fadiga do jejum receba agora o denário; quem trabalhou desde a primeira hora receba hoje o seu justo salário; quem veio após a terceira hora festeje com gratidão; quem chegou após a sexta hora entre sem hesitar, porque não será castigado; quem se atrasou até a nona hora venha sem receio; quem chegou somente na undécima hora não tenha medo por causa de sua demora, porque o Senhor é generoso, acolhe o último como o primeiro; remunera o operário da undécima hora como o da primeira; cobre um com sua misericórdia e outro com sua graça; a um dá, a outro perdoa; aceita as obras e abençoa a intenção; recompensa o trabalho e louva a boa vontade.

Entrai, pois, todos no gozo de Nosso Senhor; primeiros e últimos, recebei a recompensa; ricos e pobres, alegraivos juntos; justos e pecadores, honrai este dia; vós que jejuastes e vós que não jejuastes regozijai-vos uns com os outros; a mesa é farta, saciai-vos à vontade; o novilho é gordo, que ninguém se retire com fome; tomai todos parte no banquete da fé; participai todos da abundância da graça; que ninguém se queixe de fome, porque o reino universal foi proclamado; que ninguém chore por causa de seus pecados, porque o perdão jorrou do túmulo; que ninguém tema a morte, porque a morte do Salvador nos libertou a todos.

(Salvador) destruiu a morte, quando a ela se submeteu; despojou o inferno, quando nele desceu; o inferno tocou seu corpo e foi aniquilado. Foi isso que profetizou Isaías (14:9), exclamando: "o inferno foi aniquilado e arruinado; aniquilado e menosprezado, aniquilado e executado, aniquilado e espoliado, aniquilado e subjugado. Agarrou um corpo e encontrou um Deus; apossou-se da terra e achou-se diante do céu; pegou o que viu e caiu pelo que não viu.

Onde está a tua vitória, ó Inferno? Onde está o teu aguilhão, ó Morte? Cristo ressuscitou e foste arrasada!

Cristo ressuscitou e os demônios foram vencidos!

Cristo ressuscitou e os anjos rejubilaram-se!

Cristo ressuscitou e a vida foi restituída!

Cristo ressuscitou e nenhum morto ficou no túmulo!

Cristo ressuscitou dos mortos e tornou-se primícias de todos os mortos!

A ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém."

Doze grandes festas

A expressão "Doze festas" é comurn entre os fiéis bizantinos que agrupam assim as principais festas litúrgicas do ano (superadas pela importância somente pela Páscoa), nas quais se recordam e revivem os principais eventos da nossa fé. O adjetivo "grande" foi acrescentado para melhor compreensão por parte dos fiéis ocidentais: com efeito, as "Doze festas" já indicam, com seu título, a categoria mais alta das festas. Nove possuem data fixa e três têm data móvel (relacionadas com a data da Páscoa). Algumas delas são festas "despóticas," conforme dizem os gregos, isto é, do Senhor, e serão assinaladas mais embaixo com um S, as outras são "theomitóricas," isto é, da Mãe de Deus. Como os Minéa começam dia 12 de setembro, elas se sucedem na ordem seguinte:

Festas com data fixa:

8 de setembro - Natividade da Mãe de Deus

14 de setembro - Exaltação da Santa Cruz

21 de novembro - Apresentação da Mãe de Deus ao templo.

25 de dezembro - Natal do Senhor

6 de janeiro - Teofania (Batismo do Senhor)

2 de fevereiro - Festa do Encontro

25 de março - Anunciação

6 de agosto - Transfiguração

15 de agosto - "Dormição" da Mãe de Deus

Festas com data móvel:

Entrada de Jesus em Jerusalém, ou Domingo de Ramos

Ascensão do Senhor

Domingo de Pentecostes

As Grandes festas serão descritas uma por uma, apresentando sempre alguns textos litúrgicos, quase todos em uso há mais de um milênio. Às vezes os livros que contêm tais textos indicam o nome do autor e, em alguns casos, serão assinalados justamente para comprovar sua venerável antiguidade; todavia permanecem sempre atuais, alimentando e sustentando a nossa fé. Revestem-se sempre de importância particular o tropário do dia (ou conclusívo) e o kontákion, repetidos em cada Hora canônica do Ofício divino como também durante a Liturgia eucarística, inclusive nos dias de pós-festa (de dois a oito) até a sua apódosis ou conclusão na qual repete quase por completo todo o Ofício festivo. Durante esse período, o ícone alusivo à festa permanece no meio da igreja, exposto à veneração e ao beijo dos fiéis, que assim assimilam melhor o conteúdo do mistério celebrado. Além disso, nas igrejas em que a Iconostase é mais completa, há sempre uma série de ícones que representam as Doze festas, ficando dessa maneira permanentemente expostas. O "próprio" de cada festa encontra-se no Ofício das Vésperas e no Órthros, habitualmente identificado com as Matinas, mas que na realidade inclui necessariamente também as Laudes, com os salmos fixos 148, 149, 150, os textos do dia e o Hino de glorificação.

A maioria das partes são cantadas, infundindo assim uma particular atmosfera de alegria na celebração, sempre variada no seu desenvolvimento: algumas partes são lidas por uma só pessoa, outras são cantadas pelo coro ou por todos, algumas litanias ou preces são exclusivas do sacerdote, ou do diácono, ou do superior. Outros elementos, como as incensações, acendimentos de lâmpadas e velas em determinados momentos e assim por diante, acrescentam uma nota de beleza que eleva os fiéis presentes em toda a sua realidade psicofísica. Se a festa possui um grande conteúdo catequético, não se reduz a um mero ensinamento: é uma experiência vivida e faz pressentir que de festa em festa se chegará à festa eterna que não tem fim. Na Igreja "lugar em que o mundo que há de vir, vindo até nós na pessoa de Jesus Cristo, atinge o mundo presente para arrastá-lo até o seu destino escatológico," os fiéis "vivem" as realidades cristãs fundamentais através do culto dado a Deus pelo Corpo de Cristo. A liturgia - foi dito - "é a contemplação experimental da teantropia e da deificação" e isso é particularmente verdadeiro pela celebração das Doze grandes festas. Todas elas constam também no calendário católico romano, sinal de uma unidade eclesial vivida ao longo de séculos e que é preciso reencontrar. Algumas delas, porém, revestem-se de maior importância no Oriente bizantino (como por exemplo, as do 6 de agosto e do 21 de novembro).

Passemos a examiná-las separadamente: descobriremos nos textos próprios a referência habitual à Sagrada Escritura, à antiga Tradição e à meditação dos Padres, unida ao elã espiritual e à riqueza de imagens caras aos Orientais.

Festas com data fixa

8 de setembro: Nativídade da Santíssima Mãe de Deus.

No dia 8 de setembro, celebra-se a festa da Natividade da SS. Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, que é a primeira das Doze grandes festas do ano litúrgico bizantino. Para as festas com data fixa, o ano litúrgico começa no dia 1º de setembro; tempos atrás, essa data registrava também o início do ano civil no Oriente. Esse costume tem sua origem numa tradição hebraica que fixava o início do novo ano ao Tishri, período que corresponde ao nosso setembro-outubro. Portanto a primeira grande festa litúrgica é mariana, como também a última do ano, a do 15 de agosto, como a confirmar o grande amor que tem para com a Mãe de Deus o Oriente que a viu nascer e crescer em perfeita conformidade ao plano de Deus. Também os cristãos do Ocidente celebram o nascimento de Maria Santíssima na mesma data, porém com menor solenidade. Essa festa mariana teve sua origem em Jerusalém na metade do século V, onde permanecia viva a tradição da dedicação da igreja construída no lugar onde surgia a casa dos santos Joaquim e Ana.

No século VI a festa foi introduzida em Constantinopla e mais tarde em Roma.

A Igreja bizantina já no dia anterior (7 de setembro) celebra a pré-festa e nas orações mais repetidas (tropário e kontákion) vislumbram-se já os temas que serão desenvolvidos nas celebrações de 8 de setembro. Eis o texto das duas orações:

Tropário (4º tom).

"Da raiz de Jessé e da estirpe de Davi para nós hoje foi gerada Maria, a celeste menina. Por isso, a criação se alegra e se renova, céus e terra juntas tripudiam. Povos todos, louvai-a. Joaquim exulta e Ana se alegra exclamando: A estéril dá à luz a Mãe de Deus, nutriz da nossa vida."

Kontákion (3º tom).

"Hoje, a Virgem e Mãe de Deus, intransponível câmara nupcial do Esposo celeste, é gerada pela estéril, em conformidade com a vontade divina, para ser o coche do Verbo de Deus. Para isso, de fato, foi destinada aquela que é a porta santa e a mãe da verdadeira vida."

Juntamente com a riqueza de imagens, típica da oração oriental, nota-se logo que a liturgia do Oriente bizantino acolhe dados transmitidos pelo Proto-evangelho de São Tiago, baseado provavelmente em textos apócrifos anteriores: o nome dos justos e piedosos pais, a tristeza deles por não ter filhos, os prodigiosos anúncios do céu acerca do inesperado nascimento de uma filha, cujo destino é excepcional.

No ofício das Vésperas, com o qual começa a festa do dia 8 de setembro, assim vem exaltado o evento:

"Hoje o Deus que se assenta em tronos espirituais preparou para si um trono santo sobre a terra; Aquele que em sua sabedoria estabeleceu os céus, no seu amor cria um céu vivente..". "Eis o dia do Senhor, alegrai-vos, ó povos! Com efeito a câmara nupcial deu à luz, e o livro do Verbo da vida saiu de um ventre. A porta do Oriente nasceu e aguarda a entrada do grão-sacerdote, única a introduzir no universo o único Cristo, para a salvação das nossas almas." "Hoje se descerram as portas estéreis e nasce a Pura virginal e divina; hoje a graça começa a dar o seu fruto mostrando ao universo a Mãe de Deus, para a qual a terra é unida aos céus." "É abolida a esterilidade da nossa natureza, pois uma mulher estéril tornou-se mãe daquela que permanecerá virgem após o nascimento do seu Criador. Dela o Deus por natureza apossou-se do que lhe era estranho e encarnado, opera a salvação dos transviados pela carne."

É fácil perceber que o nascimento da pequena Maria é interpretado como o início do plano da redenção. Daí a importância e o tom festivo que caracteriza esta festa. No ícone da Natividade de Maria, exposto no meio da igreja para ser venerado pelos fiéis, vê-se Ana estendida no leito, algumas servas cuidam dela e Joaquim observa a cena ou, em outros ícones, está junto de Ana feliz pelo nascimento da menina. Mais embaixo está a cena do primeiro banho da menina onde se vêem evidentes, ao lado da cabeça, as iniciais gregas que indicam ser ela a 'Mãe de Deus'. Maria, desde o seu nascimento, é considerada tão íntima e indissoluvelmente unida ao Cristo na obra de redenção que alguns hinos litúrgicos a exaltam com expressões que para alguns poderiam parecer exageradas. Vejamos:

"... é ela o soerguimento de Adão e a libertação do pecado; graças a ela fomos divinizados e libertos da morte; aclamemos, pois, com Gabriel: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo e, por teu intermédio, nos concede grande misericórdia."

O tropário conclusívo (4º tom), que será repetido muitas vezes, até mesmo nos quatro dias que se seguem à festa, assim reza:

"O teu nascimento, ó Mãe de Deus, anuncia a alegria ao mundo inteiro; pois de ti nasceu o Sol da justiça, Cristo nosso Deus, o qual, abolindo a maldição, nos deu a bênção e, destruindo a morte, nos presenteou com a vida eterna."

Nas Vésperas das festas marianas mais importantes, entre as quais está a de 8 de setembro, fazem-se três leituras bíblicas a saber: Gn. 28:10-17, que trata da escada celeste vista por Jacó; Ez 43:27-44:4 em que o Senhor indica ao profeta a "porta fechada" através da qual passará somente Deus; e Pr. 9:1-11, descrevendo a Sabedoria que constrói sua casa e convida a "comer o pão e beber o vinho."

O Oficio matutino (que entre os eslavos se une às Vésperas para constituir uma grande vigília muito solene) aprofunda os temas já apresentados e os reforça, pois no Oriente a repetição tem grande importância, mais que a concatenação lógica, à qual estamos acostumados no Ocidente. E novas imagens procuram exprimir o inexprimível. Do Cânon respigamos (Odes 3o, 6 º e 7o) as seguintes composições:

"Ó Imaculada, te tornaste áureo turíbulo do fogo divino, perfuma a podridão do meu coração, o única sempre Virgem!" "Em ti nós possuímos, ó Mãe de Deus, um porto, um baluarte inexpugnável, uma proteção segura..." "A sarça incombusta na montanha e a fornalha refrescante na Caldéia claramente te prefiguram, Esposa de Deus..."

Trata-se de textos litúrgicos muito antigos, pois no século IX os ofícios bizantinos eram já quase todos formados do jeito que se conservaram até hoje. O Ikos, cantado após a Ode sexta, remonta ao século VI, sendo seu autor São Romanós, o Melode. Concluiremos apresentando o texto do kontákíon, também este repetido, como o tropárío, mais vezes até o dia 12 de setembro.

Kontákion (4o tom).

"Joaquim e Ana foram livrados do opróbrio da esterilidade, e Adão e Eva, libertados da corrupção da morte, pela tua santa Natividade, ó Pura. Teu povo, salvo da escravidão do pecado, a celebra" exclamando: a estéril dá à luz a Mãe de Deus que alimenta nossa vida."

14 de setembro: festa da Universal Exaltação da Cruz.

No dia 14 de setembro, os cristãos do Ocidente e do Oriente se encontram para juntos exaltar a santa Cruz, uma festa que deve ligar-se à dedicação da basílica da Ressurreição, erguida sobre o sepulcro de Cristo em Jerusalém († 335), mas que, mais tarde, entre os fiéis de tradição constantinopolitana, teve como objeto a invenção da santa Cruz e a sua primeira apresentação ao povo pela imperatriz Helena, mãe de Constantino, e do bispo local São Macário. Também o ícone da festa evoca tal acontecimento: no meio está a Cruz sustentada pelo bispo de Jerusalém, à esquerda (de quem olha) estão duas figuras coroadas, protagonistas da busca e do achado da preciosa relíquia, à direita aparece a figura do miraculado e do povo. A tradição, com efeito, narra que quando foram descobertas nas escavações três cruzes, para distinguir a de Jesus Cristo das dos ladrões, foi colocado o cadáver de um homem e, ao simples contato com o madeiro que sustentou o Salvador do mundo, ele foi milagrosamente ressuscitado.

Nenhum dos ritos conhecidos pode disputar ao rito bizantino o lugar especialíssimo que ele reserva à Cruz, seja no calendário litúrgico, seja na literatura eclesiástica criada pelos Padres da Igreja e pelos Hinógrafos sacros, através dos séculos, para cantar e louvar as virtudes, as glórias e o inefável papel da cruz redentora.

Todas as quartas e sextas-feiras do ano são dedicadas à santa Cruz. Cantam-se, então, os seguintes tropário e kontákíon:

Tropário (1o tom).

"Salva, Senhor, teu povo e abençoa a tua herança; concede às tuas Igrejas vitória sobre os inimigos e protege, pela tua Cruz, este povo que é teu."

Kontákion (4º tom).

"Cristo Deus, que voluntariamente foste levantado na Cruz, tem compaixão do teu povo que traz o teu nome. Alegra, pelo teu poder, os nossos fiéis governantes, dando-lhes a vitória sobre os inimigos: encontrem na tua aliança uma arma de paz, um troféu invencível."

Essas duas orações são as mais importantes também na celebração do 14 de setembro. No meio da Quaresma temos outra festa dedicada à Cruz . Outras duas comemorações se fazem no dia 12 de agosto e em 7 de maio, porém a festa máxima permanece mesmo a de 14 de setembro, cuja importância é evidenciada pela sua mesma denominação: festa da Universal Exaltação da venerável e vivificante Cruz. Ela é precedida por um dia de vigília e se conclui em 21 de setembro. O próprio das Vésperas começa com estes hinos:

"A Cruz exaltada convida toda a criação a cantar hinos à paixão imaculada daquele que sobre ela foi erguido: sobre a Cruz ele levou à morte quem nos tinha dado a morte, ressuscitou os mortos e, tendo-os purificado, em sua compaixão e infinita bondade os fez dignos de viver nos céus; alegremo-nos, pois, exaltemos seu nome e magnifiquemos a sua extrema condescendência." "Erguendo os braços para o alto e pondo em fuga o tirano Amalek, Moisés te prefigurou, ó Cruz veneranda, glória dos fiéis, sustentáculo dos mártires, ornamento dos apóstolos, defesa dos justos, salvação de todos os santos. Por isso à vista da tua exaltação, a criação se alegra e exulta glorificando a Cristo, cuja extrema bondade reuniu, por teu meio, o que estava dividido."

Em muitos outros hinos da festa encontramos profundidade teológica, exultação de louvores, riqueza de referências bíblicas. No final, enquanto os fiéis vão beijar a Cruz, bem ornamentada, exposta sobre o proskinetáríon no meio da igreja, canta-se o hino que segue, indicado nos livros litúrgicos como obra do "imperador Leão" († 912):

"Vinde, fiéis, adoremos o madeiro vivificante: sobre ele Cristo, Rei da glória, estendeu os braços e nos reergueu para a primitiva bem-aventurança, da qual o inimigo, aliciando-nos, nos havia despojado, afastando-nos da presença de Deus. Vinde, fiéis, adoremos o madeiro graças ao qual somos julgados dignos de esmagar as cabeças dos inimigos invisíveis. Vinde, famílias de todos os povos, veneremos com nossos cânticos a Cruz do Senhor. Salve, ó Cruz, perfeita libertação do Adão decaído; em ti se glorificam os nossos piíssimos reis, pois é pelo teu poder que submetem à força o povo de Ismael. Beijando-te agora com reverência, nós, cristãos, glorificamos ao Deus que sobre ti foi pregado, clamando: Senhor, que foste crucificado sobre ela, tem piedade de nós, tu o Bom e Amigo dos homens."

Segue-se o rito, simples, mas com um significado cósmico evidente' no qual o sacerdote faz a "exaltação" da Cruz: eleva-a ao máximo que puder acima de sua cabeça e depois a abaixa até tocar o chão, em direção dos quatro pontos cardeais, pronunciando intenções de preces as quais o povo responde com insistência: Kyrie, eleíson, ou Góspodí, pomilui (= Senhor, piedade).

Conforme prescrevem os livros litúrgicos, essa invocação repete-se 100 vezes para cada uma das 4 direções.

Mesmo sendo uma festa do Senhor, é praxe, nas orações bizantinas, lembrar vivamente a Mãe de Deus; eis um breve hino da Ode nona do Cânon:

"Tu és, ó Mãe de Deus, o místico jardim que sem ter sido cultivado germinou o Cristo, para o qual foi plantada a árvore vivificante da Cruz. Por isso hoje, ao exaltá-la, adoramos a ele e a ti glorificarnos."

O dia 14 de setembro, mesmo quando cai num domingo, é celebrado pelo Oriente bizantino com jejum e abstinência por causa da alusão direta à paixão do Salvador. No entanto a hinografia se caracteriza pelo tom de triunfo ao apresentar a Cruz como instrumento de salvação e de vitória sobre os inimigos da Igreja e dos cristãos. Alguns elementos textuais talvez firam a nossa sensibilidade moderna, como também a referência a alguma tradição lendária, mas é preciso imergir na realidade cultural dos fiéis e observar a participação numerosa e atenta às celebrações dessa festa para entender seu valor educativo. A salvação vem da Cruz de Cristo; por isso a Igreja quer que ela seja admirada pelo olhar dos fiéis e meditada no íntimo dos que repetidamente aclamam:

"Adoramos a tua Cruz, Senhor, e glorificamos a tua santa ressurreição!"

21 de novembro: Entrada no templo da Mãe de Deus

"Hoje, o universo inteiro, cheio de alegria, na insigne festa da Mãe de Deus, exclama: Eis aqui o celeste tabernáculo!" "Ana hoje nos preanuncia a alegria [ ... ]: cumprindo o seu voto apresenta ao Templo do Senhor aquela que é verdadeiramente o templo do Verbo de Deus e sua Mãe puríssima."

Assim, já no dia 20 de novembro, a Igreja de tradição constantinopolitana exulta na véspera da festa da entrada ao Templo da Santíssima Mãe de Deus, que se concluirá em 25 de novembro. É uma das Doze grandes festas do ano litúrgico bizantino e coincide, como data, com o calendário romano. Mas qual riqueza hinográfica o Oriente nos transmitiu em seus textos litúrgicos! A festa de origem hierosolimitana celebrava a festa da dedicação da igreja de Santa Maria Nova (no tempo do imperador Justiniano, em novembro do ano 543).

Desde as Vésperas iniciais, um dos temas mais freqüentes é o convite a honrar aquela que é "o santo tabernáculo, a arca espiritual que contém o Verbo infinito," "o templo animado da santa glória de Cristo"embora o evento da encarnação esteja cronologicamente ainda longe. Com efeito, repete-se várias vezes que a menina apresentada ao templo tinha três anos. Evidentemente aqui se considera o plano de Deus na sua globalidade, pelo qual já se pode aclamar:

"Tu és o oráculo dos profetas, a glória dos apóstolos, o orgulho dos mártires e a renovação de todos os mortais, ó Virgem Mãe de Deus. Por isso honramos a tua entrada no templo do Senhor e, juntamente com o anjo, te saudamos com os nossos cânticos, nós que fomos salvos pela tua intercessão" (do ofício de Vésperas).

A exuberância oriental é bem diversa da sobriedade e concisão latina; além disso, notamos, com freqüência, no "próprio" bizantino referências ao Proto-evangelho de São Tiago, do qual são lembrados muitos detalhes: as meninas que acompanharam Maria com as lâmpadas acesas, o grão-sacerdote Zacarias que a introduziu no templo e no Santo dos Santos, o alimento que o anjo Gabriel lhe levou até o dia de suas núpcias com José. Os hinos litúrgicos dessa festa estão repletos de elementos lendários, dificilmente aceitos por um fiel ocidental, mas é preciso entender que no Oriente se deu a eles um valor simbólico de verdades mais elevadas, como a total consagração a Deus de Maria Santíssima desde a mais tenra infância e a sua preparação excepcional à missão única de gerar ao mundo o Redentor. Um estudioso de liturgia bizantina observa:

"O temperamento ocidental, apaixonado pela exatidão histórica e que julga com esse critério os próprios dados da sua vida religiosa, só podia desdenhar a lenda piedosa da apresentação de Maria ao templo. Completamente diferente é a atitude do oriental; pode estar perfeitamente a par da inautenticidade histórica de um relato sem por isso rejeitá-lo. Ele busca nos fatos da história sagrada, mesmo nos perfeitamente estabelecidos, não tanto a sua verdade humana quanto o seu conteúdo divino."

O ícone da festa é caracterizado por certa fixidez. Pode-se notar que, em cima de um estrado, o sacerdote Zacarias acolhe a pequena Maria, que tem um olhar maduro e vestes de pessoa adulta; atrás dela está uma menina e, segurando uma vela, símbolo da oferta, estão Joaquim e Ana. Na cena do ângulo superior à direita, o anjo Gabriel leva a comida para a menina, como é lembrado pelo tropário que se segue:

"No Santo dos Santos, a Santa e Imaculada é introduzida pelo Espírito Santo para ali habitar e ser nutrida por um anjo; ela é o templo mais santo do Deus Santo; com o seu ingresso santifica todas as coisas e diviniza a natureza decaída."

Passamos assim à poesia da hinografia litúrgica. Eis o texto das preces mais repetidas no dia 21 de novembro e nos dias de pós-festa:

Tropário (4º tom).

"Hoje é o prelúdio da benevolência de Deus e a proclamação preliminar da salvação dos homens: a Virgem apresenta-se com esplendor no templo de Deus e antecipadamente anuncia Cristo a todos. A ela, nós também clamemos em alta voz: Salve, ó realização dos planos do Criador."

Kontákion (4º tom).

"O puríssimo templo do Salvador, a Virgem, o preciosíssimo tálamo, o sagrado tesouro da glória de Deus, é apresentada hoje à casa do Senhor, introduzindo com ela a graça do Espírito divino. Os anjos de Deus a louvam, clamando: Esta é o tabernáculo celeste."

As três leituras veterotestamentárias que se proclamam nas Vésperas da festa evocam as disposições dadas por Jeova a Moisés para que erigisse "o Tabernáculo, a tenda de reunião" (Ex. 40), a "arca da Aliança" que Salomão colocou no templo (1 Rs. 8) e a "porta fechada" vista por Ezequiel (Ez. 44). São todas figuras bíblicas muitas vezes aplicadas à Virgem. Venerando desde a mais remota antigüidade a santidade sublime de Maria, no Oriente bizantino a reflexão se deteve sobre a misteriosa preparação da Escolhida para a missão que Deus lhe confiou. Por isso, é importante a festa de 21 de novembro, em que nós também, celebrando as primícias da nossa salvação, podemos rezar com as palavras de um tropárío da Ode nona do Cânon matutino que dizem:

"Ó imaculada Mãe de Deus, tu tens na alma a beleza resplandecente da pureza, és cheia de graça celestial; tu iluminas sempre com eterna luz os que com alegria exclamam: Na verdade, tu és a mais excelsa de todas as criaturas, ó Virgem pura!"

25 de dezembro: Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo

"Cristo nasce, glorificai-o; Cristo desce do céu, ide ao seu encontro; Cristo está sobre a terra, sede orgulhosos dele. Canta ao Senhor a terra inteira e vós, ó povos, com hinos celebrai-o na alegria, porque cobriu-se de glória."

Essa estrofe, a primeira do Cânon de Natal, é de São Cosme de Maiúma († 760). Nas igrejas bizantinas que celebram por inteiro todos os ofícios litúrgicos, já, algumas semanas antes do Natal, fazem ecoar essa estrofe, cantada como katavasía, isto é, estrofe que conclui o Cânon. Mas é cantada com particular exultação no dia da festa, quando se celebra o "Nascimento segundo a carne do Senhor, Deus e Salvador nosso Jesus Cristo": solene e longa denominação que indica a festa do Natal. Depois da Páscoa, também no Oriente é a festa mais querida a todos os fiéis, caracterizada por uma alegria espiritual e por uma hinografia excepcionalmente rica e bela. São diversos os "melodes" que contribuíram na criação dessas composições, chegadas até nós desde séculos longínquos.

É de Romanós, o Melode (VI século), o kontákion que segue:

"Hoje a Virgem dá à luz o supersubstancial e a terra oferece uma gruta ao inacessível. Os anjos com os pastores cantam a sua glória, os Magos avançam seguindo a estrela. Para nós nasceu, tenra criatura, o Deus existente antes dos séculos."

Este breve hino faz-nos entender que a liturgia bizantina celebra em 25 de dezembro o evento histórico do nascimento de Jesus da Virgem Maria, no seu complexo, incluindo também a adoração dos Reis Magos. São Germano († 733) é mais explícito ainda afirmando num outro hino das Vésperas:

"Ao nascer de Jesus em Belém de Judá, os Magos, chegados do Oriente, adoraram o Deus encarnado e, abertos diligentemente seus tesouros, lhe ofereceram dons preciosos: ouro puro como ao Rei dos séculos, incenso como ao Deus do universo, e mirra a ele, o Imortal, como a um morto triduano. Povos todos, vinde, adoremos aquele que nasceu para salvar as nossas almas."

Um autor bizantino faz notar, justamente, como na tradição oriental não se encontra

"a mesma ternura da cultura ocidental em relação às figurações típicas da prática devocional, como o Menino Jesus, o presépio realizado por São Francisco de Assis ou em relação ao tema da Sagrada Família. O Oriente gosta mais de considerar o Mistério de Deus, o qual, descendo dos céus, se inclina para a terra, e assume uma natureza a ele estranha para socorrer o homem decaído."

Uma confirmação de quanto foi dito encontramos nos textos litúrgicos do dia de Natal; basta um exemplo.

"Vinde, alegremo-nos no Senhor, considerando o mistério presente: o muro de separação foi abatido, a espada flamejante retrocede, os Querubins se afastam da árvore da vida e eu participo das delícias paradisíacas das quais a desobediência me tinha afastado. A imagem idêntica ao Pai, a marca da sua eternidade toma forma de servo sem sofrer mutação, nascendo de uma mãe que desconhece as núpcias. Deus verdadeiro, o que era permanece, o que não era assume-o, feito homem por amor dos homens. Aclamemo-lo: Deus nascido da Virgem, tem piedade de nós!"

O ícone do Natal será solenemente exposto no meio da igreja, sobre o proskinetárion, durante a celebração vesperal do dia 24 e ali permanece até o dia 31 de dezembro. A representação tradicional remonta à mais remota antiguidade e a encontramos, inclusive, nas chamadas ampolas de Monza, trazidas da Terra Santa entre o V e VI século. No meio da composição iconográfica, numa gruta escura, símbolo do mal, está o recém-nascido Jesus Cristo, verdadeira luz para o mundo inteiro; as faixas que o envolvem relembram as faixas mortuárias das quais sairá o Ressuscitado, sendo idêntica também a palavra que as descreve. Um único raio de luz (único como é Deus), saindo da estrela, torna-se tríplice (evidente alusão a Trindade) e desce sobre a Mãe e o seu Filho. No alto à esquerda, dois anjos estão em adoração; mais embaixo os três Magos, montados em cavalos, dirigem-se rumo ao Salvador. Mais embaixo ainda, está José pensativo, talvez num momento de tentação. Com efeito, os apócrifos narram que o demônio, disfarçado de pastor, insinuava-lhe dúvidas sobre a virgindade de Maria. Por fim, a cena do banho indica que o pequeno Jesus Cristo possui verdadeiramente a natureza humana e contemporaneamente alude ao batismo, pois a bacia tem forma de pia batismal.

No lado oposto, outro anjo dá o anúncio aos pastores e, no meio, junto ao recém-nascido, está a Mãe de Deus deitada sobre panos. São pouquíssimos os ícones em que a Virgem olha para o seu Filho; habitualmente ela está voltada para nós, diríamos "rneditando no seu coraç ão" o conjunto do mistério da salvação em que ela, flor da humanidade, representou a nós todos dando seu consentimento à encarnação e tornando-se a mãe de todos nós, permanecendo virgem. As três estrelas que ornam o seu manto indicam a virgindade de Maria. Observando o ícone da festa, saem espontaneamente dos nossos lábios as palavras das Vésperas tão profundamente poéticas que dizem:

"O que te ofereceremos, ó Cristo, por te haveres mostrado sobre a terra como homem? Cada uma das criaturas por ti criada oferece-te a sua gratidão: os anjos, o cântico; os céus, a estrela; os Magos, os dons; os pastores, a sua admiração; a terra, uma gruta; o deserto, um presépio; mas nós, uma Mãe Virgem! ó Deus, existente antes dos séculos, tem piedade de nós!"

Para concluir, transcrevemos a parte final de um hino composto por Cássia, monja que viveu no século IX. O hino ainda faz parte do ofício de Natal celebrado pelos ortodoxos e pelos católicos gregos:

"Os povos foram recenseados por ordem de César; nós, os crentes, fomos marcados pelo nome da tua divindade, ó nosso Deus encarnado. Tua misericórdia é grande, Senhor, glória a ti!"

6 de janeiro: Santa Teofania do Nosso Senhor Jesus Cristo

Tanto os fiéis de tradição constantinopolitana como os de tradição romana conservaram, para o dia 6 de janeiro, uma festa cristológica muito antiga, a primeira em que se sintetizavam todos os mistérios do Senhor ao manifestar-se ao mundo. Mas quando no século IV, a data do nascimento do Senhor foi colocada no dia 25 de dezembro, por iniciativa romana, e logo em seguida aceita também pelos orientais, o conteúdo da festa do 6 de janeiro se diversificou. Para os católicos latinos o dia 6 de janeiro é o dia da Epifania, a manifestação de Cristo "luz das nações" considerada a partir da vinda dos Reis Magos em Belém. Esse evento, para os cristãos bizantinos, está incluído na comemoração global do dia 25 de dezembro. Ao passo que no dia 6 de janeiro eles celebram a "Santa Teofania" do Deus que se encarnou. É a segunda manifestação do Salvador, no início de sua vida pública, por ocasião do seu batismo no rio Jordão, que se deu num contexto trinitário, em que Deus Pai fez ouvir sua voz e o Espírito Santo apareceu em forma de pomba.

Era um dia em que os catecúmenos recebiam solenemente o batismo, como na Páscoa. Os textos litúrgicos da festa da Teofania resumem bem os mistérios fundamentais da fé cristã: encarnação do Verbo, com muitas alusões ao nascimento, e a unidade de Deus na Trindade. Os textos do "próprio" são abundantes, também porque a pré-festa começa no dia 2 de janeiro e a pós-festa prolonga-se até o dia 14 do mesmo mês. O tropárío principal, por isso o mais repetido, assim reza:

"Em teu batismo no jordão, Senhor, foi manifestada a adoração da Trindade; pois a voz do Pai te testemunhou ao chamar-te Filho bem-amado; e o Espírito, em forma de pomba, confirmou a verdade dessa palavra. ó tu, que manifestaste e iluminaste o mundo, Cristo Deus, glória a ti!"

O kontákion da festa, também ele muito repetido, é de Romanós, o Melode.

"Hoje, Senhor, te manifestaste ao universo, e tua luz brilhou sobre nós; reconhecendo-te, a ti cantamos: vieste, apareceste, o luz inacessível!"

A manifestação, a "teofania," ocorreu nas águas do Jordão na hora em que Cristo foi batizado; é o que confirma também o ícone da festa, no qual vemos Cristo Jesus, despido das vestes habituais, imerso na água. À sua direita vemos João Batista, humildemente curvado, que por obediência lhe dá o batismo. A cena de fundo mostra um deserto estilizado com uma amostra de vegetação.

Do lado oposto estão uns anjos, atônitos, considerando o admirável evento. Suas mãos estão encobertas pelas extremidades dos mantos, sinal de respeito habitual, nesse caso também sinal de disponibilidade em servi-lo quando sair das águas. No alto do ícone, além do nome "Teofania do nosso Salvador Jesus Cristo," escrito em caracteres abreviados, notamos um semicírculo que indica os céus abertos e do qual desce um raio que, após a figura da pomba, torna-se tríplice, clara alusão à Trindade. No nimbo cruciforme do Cristo notam-se as três letras gregas significando "Aquele que é."

Voltemos aos textos litúrgicos nos quais encontramos a explicação da festa. Num dos textos das Vésperas, São João Damasceno (†749) afirma:

"Querendo salvar o homem perdido, Senhor Deus, não desdenhaste assumir a forma de um escravo, pois a ti convinha assumir a nossa natureza em nosso favor. De fato, enquanto eras batizado na carne, ó Libertador, nos tornavas dignos do perdão. A ti clamamos, pois: Benfeitor, Cristo nosso Deus! Glória a ti!"

São Cosme de Maiúma (†760). no Cânon matutino explica:

"O Senhor que tira a impureza dos homens, purificando-se por eles no Jordão, fez-se voluntariamente semelhante a eles, permanecendo contudo o que era; e ilumina os que estão nas trevas, porque recobriu-se de glória."

E evoca o ensinamento profético:

"Isaías proclama: Lavai-vos, purificai-vos, despojai-vos da vossa malícia perante o Senhor; vós que tendes sede aproximai-vos da água viva. Cristo de fato vos asperge com a água renovando os que se aproximam com fé, e batiza no Espírito para a vida eterna."

Por fim, nas Laudes, assim se expressa o Patriarca Germano (†733):

"Luz da luz, Cristo nosso Deus, resplandece ao mundo; Deus se manifesta, povos, adoremo-lo." "Ao ser batizado no jordão, Salvador nosso, santificaste as águas, aceitando a imposição das mãos de um servo, e sanaste as paixões do mundo. Grande é o mistério da tua 'economia'! Senhor, amigo dos homens, glória a ti!" "A verdadeira luz apareceu e a todos ilumina. Cristo, superior a toda pureza, é batizado conosco; infunde a santidade na água que se torna purificação para as nossas almas. Tudo o que vemos é terrestre, tudo o que contemplamos é mais sublime que os céus. Mediante a ablução vem a salvação, mediante a água vem o Espírito, mediante a descida na água vem a nossa subida a Deus. Admiráveis são tuas obras, Senhor! Glória a ti!"

Uma cerimônia muito antiga, a bênção da água, caracteriza a festa do dia 6 de janeiro. Após o ofício das Vésperas, ou depois da Liturgia eucarística, celebrantes e fiéis dirigem-se a um curso de água, uma fonte, ou então a uma bacia de água colocada no meio da igreja, enquanto o coro canta:

"A voz do Senhor ecoa sobre as águas dizendo: Vinde, recebei todos do Cristo que se manifestou: o Espírito de sabedoria, o Espírito de inteligência, o Espírito do temor de Deus"

e acrescenta o tropárío da festa (já apresentado na p. 49). Seguem as leituras bíblicas, entre as quais Mc. 1:9-11, uma longa prece litânica, na qual se pede também para que a água sirva para a "cura da alma e do corpo."

O sacerdote acrescenta uma antiga e longa oração e mergulha por três vezes a cruz na água dizendo:

"Tu mesmo, Senhor, santifica agora esta água com o teu Santo Espírito. Concede a todos aqueles que a usam a santificação, a bênção, a purificação e a salvação."

A água é bebida em parte pelo povo e, com ela, o sacerdote asperge os fiéis e suas casas. Aqui não se trata da bênção da água para o batismo, embora se encontrem referências bíblicas comuns.

O tema do Cristo, luz do mundo, que insistentemente aparece nos textos litúrgicos da festa, explica o porquê da denominação "Festa das luzes" dado às vezes a essa solenidade. Nela vibra também um sentido cósmico: "Hoje resplandece toda a criação..." "as criaturas celestes fazem festa unidas às terrestres..." e o convite se estende até nós, para que possamos "tomar parte na alegria do mundo" redimido e iluminado pelo nosso Senhor Jesus Cristo.

2 defevereiro: Encontro de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na narração que nos deixou a peregrina Etéria sobre a estada dela em Jerusalém (séc. IV), há uma referência também a respeito da festa do dia 2 de fevereiro. Ela não diz o nome, mas nos informa que "no quadragésimo dia" após a manifestação do Senhor sobre a terra "se celebra uma grande solenidade." Fazem "uma grande procissão até ao Anástasis" (que os latinos chamam de Santo Sepulcro) e tudo acontece "numa grande alegria, como na Páscoa." Acrescenta ainda que, em seguida, o bispo faz a leitura e o comentário do Evangelho de Lucas (2:21-39) que ainda hoje é lido nas Igrejas do Oriente e do Ocidente no dia 2 de fevereiro."

Por essa descrição podemos entender quão antiga e solene (significativa a alusão de Etéria à Páscoa) seja a festa que o Missal Romano atual intitula de "Apresentação do Senhor" ao passo que o Oriente bizantino chama de Hypapántê, que significa "Encontro." Com efeito, na adoração dos Reis Magos tudo tinha acontecido na intimidade da Sagrada Família, ao passo que em 2 de fevereiro se festeja o primeiro encontro público, no Templo de Jerusalém, do Verbo de Deus com o seu povo, bem representado pelo justo Simeão e pela profetisa Ana. Encontramos o nome Hypapántê também em antigos calendários romanos e é rico de interpretações, porque há também um encontro entre o Antigo e o Novo Testamento.

Desde a sua origem, a festa é cristológica, mas, no decorrer dos séculos, assumiu um colorido mariano: na Igreja romana a festa era chamada também de "Purificação da Virgem Maria." O tropário principal e alguns outros do Ofício bizantino do dia 2 de fevereiro são dirigidos, de fato, à Mãe de Deus, permanecendo, porém, Jesus ao centro da atenção de todos.

Tropário (1º tom).

"Salve, ó Virgem, Mãe de Deus, cheia de graça, pois de ti nasceu o sol de justiça, Cristo, nosso Deus, iluminando os que estão nas trevas. Alegra-te, ó justo ancião, ao receber em teus braços o libertador das nossas almas, que nos doa a ressurreição."

Nascida em Jerusalém, onde Maria e José, em respeito à lei, subiram ao templo com o pequeno Jesus e um casal de pombinhas, a festa do 2 de fevereiro foi introduzida em Roma, como atesta o Liber pontíficalis, por um papa de origem oriental, Sérgio I (687-701). O mesmo que introduziu as festas do Natal de Jesus, da Anunciação e da Dormição ou Assunção da Mãe de Deus.

Mais de uma vez o Ofício do dia chama atenção para o fato de Jesus ser ainda pequeno; agia através da sua mãe. É o que lemos no tropárío da véspera da festa que diz:

Tropário (1º tom).

"O coro celeste dos Anjos, inclinado para a terra, vê o primogénito de toda a criação, como pequeno menino, ser levado ao Templo pela Virgem Mãe. Cheio de alegria canta então conosco o hino da pré-festa."

A solenidade do Encontro conclui-se ordinariamente no dia 9 de fevereiro, mas se a Páscoa ocorrer pelos fins de março, os dias de pós-festa serão reduzidos. O kontákion, repetido com freqüência em todo aquele período, remonta ao século VI e tem por autor Romanós, o Melode:

Kontákion (1º tom).

"Cristo Deus, que santificaste um seio virginal e abençoaste, como convinha, as mãos de Simeão, vieste e nos salvaste. Nas guerras, concede a paz ao teu povo e fortifica os governantes que tu amas, ó único Amigo dos homens."

Os breves hinos que se intercalam entre os versículos sálmicos no Ofício de vésperas são de autoria do patriarca de Constantinopla, Germano. Entre eles destacamos o seguinte:

"Vamos também nós ao encontro de Cristo, com cânticos inspirados e acolhamos aquele do qual Simeão viu a salvação. É aquele que Davi anunciou, o que falou pelos profetas, o que se encarnou por nós e nos instrui com a lei. Adoremo-lo!-

No Ofício do dia não podia faltar alguma composição do famoso hinógrafo bizantino, João Damasceno:

"Abra-se hoje a porta do céu! O Verbo eterno do Pai, de fato, tendo iniciado a sua existência temporal, sem separar-se da sua divindade, conforme a lei, deixa-se levar ao templo por sua Mãe, como menino de quarenta dias. O velho (Simeão) recebe-o em seus braços dizendo: 'Deixa ir-me em paz - exclama o servo ao Senhor -, pois meus olhos viram tua salvação'. ó tu que vieste ao mundo para salvar o gênero humano: Glória a ti, Senhor!"

O ícone da festa do Encontro nos apresenta todas as personagens de quem fala a liturgia; a reevocação plástica da cena tem sempre um andamento procissional. Simeão está sobre um estrado que evidencia a sua dignidade, mas, quase na mesma linha, vemos José com as duas pombinhas e Maria. Do lado oposto vemos Ana. Às vezes o pequeno Jesus está nos braços de Maria Santíssima num gesto de entregá-lo ao velho Simeão, mas não é incomum o caso em que é o mesmo Simeão que segura o Menino Jesus nos braços e inclina-se para ele numa atitude de profunda adoração, tendo sido iluminado pelo Espírito sobre a misteriosa identidade daquele menino. A tenda, no fundo, indica que a cena se desenvolve num interior, no Templo.

A "procissão" que se fazia em Jerusalém por ocasião dessa festa e da qual a peregrina Etéria, no séc. IV, nos deixou o testemunho, até hoje se conserva no Ocidente onde, um pouco mais tarde, foi acrescentada a bênção das velas. Alguns estudiosos (entre os quais Baumstark) acham que ela se originou de uma procissão lustral praticada na antiga Roma (a "amburbale"), embora se trate apenas de uma conjectura, não é de todo infundada. No Oriente bizantino não se faz a procissão nem se abençoam as velas, mas a riqueza de textos próprios (mais de sessenta), tão cheios de referências bíblicas e de poesia orante, permite aos fiéis penetrar o significado profundo e perene da festa do Encontro. Também para nós deve ser um novo encontro com "Aquele que, após ter dado a Moisés o livro da Lei, se submete à Lei, tendo-se feito semelhante a nós no seu amor para com os homens" (das Vésperas). Um encontro novo com a Mãe de Jesus e nossa, para a qual os hinógrafos têm expressões belíssimas:

"Ó Sião... acolhe Maria, a porta do céu: ela é semelhante ao trono dos Querubins e sustenta o Rei da glória. A Virgem é uma nuvem de luz que traz o Filho feito carne, nascido antes da estrela da marihã...." "Simeão abençoando a Virgem Maria, Mãe de Deus, viu profeticamente nela os sinais da paixão":

na alegria, como no sofrimento, Maria permanece a primeira colaboradora na obra da redenção.

25 de março: Anunciação da Santíssima Virgem Maria

Quem entrar numa igreja ortodoxa ou greco-católica notará sempre nas portas centrais da Iconostase o ícone representando a cena da Anunciação: numa folha da porta está o anjo Gabriel e na outra a Virgem. Às vezes a dimensão da cena pode até estar ieduzida, mas sempre o "início da salvação" é posto iconograficamente em posição de destaque e a mesma porta parece sugerir a idéia do ingresso de Deus na humanidade, ao encarnar-se no seio da Virgem Maria.

Cristãos do Oriente e do Ocideate celebram, habitualmente juntos, a festa da Anunciação do Senhor, no dia 25 de março. Porém, enquanto os católicos romanos, tendo em conta o período litúrgico, por vezes transferem a data da festa, os fiéis de tradição constantinopolitana celebram-na exatamente nesse dia, querendo respeitar os nove meses exatos em relação à data do Natal de Cristo, mesmo que esse dia tivesse de cair na Semana Santa.

Tropário (4º tom).

"Hoje é o começo da nossa salvação e a manifestação do eterno mistério: o Filho de Deus torna-se Filho da Virgem e Gabriel anuncia a graça. Com ele aclamamos, pois, à Mãe de Deus: Ave, ó cheia de graça, o Senhor é contigo!"

Assim o tropário principal da festa resume o evento da encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo e merece deter-se na expressão "cheia de graça" que, no grego, como no eslavo, é formada por uma única palavra, como que um novo nome caracterizando a Virgem de Nazaré que se torna a Mãe de Deus e que inúmeras vezes se faz presente nos textos dos Ofícios do dia. Quase sempre a data cai durante a Quaresma, Por isso há somente um dia de pré-festa e a celebração se conclui à tarde do mesmo dia 25, ao passo que, no dia 26, se lembra, conforme o costume bizantino, de comemorar no dia seguinte, o segundo protagonista da festa, o arcanjo Gabriel. O tropário da véspera convida à exultação:

Tropário (4º tom).

"Hoje é o prelúdio da alegria universal. Com júbilo celebremos a pré-festa, pois Gabriel com espanto e temor se aproxima da Virgem para anunciar-lhe a boa nova: Ave, ó cheia de graça, o Senhor é contigo!"

É sabido que a palavra do original grego habitualmente traduzida por "Salve" ou "Ave," literalmente significa "alegra-te" e essa versão foi conservada no texto eslavo eclesiástico. Toda a celebração é rica de expressões poéticas em que se aprofunda a reflexão teológica sobre o grande mistério da encamação do Verbo: Maria é saudada como "sarça incombusta," "abismo insondável," "ponte que conduz aos céus e escada que ali se eleva, como Jacó a contemplou," "nova Eva que desfez a maldição e chamamento de Adão," receptáculo do ser que nenhum outro pôde conter." Nas Vésperas se fazem cinco leituras bíblicas tiradas do Antigo Testamento: Gênesis (escada de Jacó), Êxodo (sarça ardente), Provérbios ("A Sabedoria construiu para si uma casa" e "O Senhor me possuiu desde o começo") e Ezequiel (a porta pela qual o Eterno passará e que depois permanecerá fechada). Lá pelo fim há uma composição hinográfica de André de Jerusalém († 740) que é uma síntese dos temas e o tom da festa:

"Hoje é o ledo anúncio da alegria, triunfo da Virgem; as coisas aqui debaixo se harmonizam com as de cima; Adão foi renovado e Eva libertada da tristeza primitiva; o tabernáculo da nossa mesma natureza, com a divinização da substância assumida, foi consagrado Templo de Deus. Ó Mistério! Incompreensível é a maneira desse rebaixamento, inefável a maneira desse concebimento. Um anjo se encarrega dessa missão prodigiosa; um regaço virginal acolhe o Filho; o Espírito Santo é enviado do alto; o Pai, nos céus, se compraz e a união acontece por vontade comum. Salvos nele e por ele, unamos as nossas vozes à de Gabriel e gritemos à Virgem: Ave, ó cheia de graça, da qual veio a salvação, Cristo, nosso Deus, que, tendo assumido a nossa natureza, a elevou à altura da sua. Roga-lhe para que salve nossas almas!"

Uma particularidade do Cânon do ofício matinal desse dia é a forma dialogal com o qual foi composto. As estrofes se alternam entre o diálogo da Mãe de Deus e o diálogo em que o anjo fala. As seis primeiras Odes são de autoria de São Teófanes, o "Marcado," bispo de Nicéia († 845) e as outras três têm como autor São João Damasceno. A cada estrofe-tropário repete-se a invocação: "Santíssima Mãe de Deus, salva-nos!"

Também através de perguntas, hesitações, respostas de esclarecimento, o Ofício do dia confirma aquilo que o conhecido teólogo bizantino, leigo, Nicolau Cabásilas, afirmava a respeito da Anunciação: "A encarnaçao, não foi somente obra do Pai, da sua potência e do seu Espírito; mas foi também obra da vontade e da fé da Virgem," a qual, num hino das Vésperas, depois que o anjo lhe tinha lembrado que "quando Deus quer, a ordem da natureza é vencida e obras prodigiosas são realizadas," assim exclama:

"Faça-se em mim segundo a tua palavra: porei ao mundo aquele que não tem corpo e que de mim tomará carne, para reconduzir o homem à sua primitiva dignidade, pois somente ele pode fazê-lo, mediante esta união."

O evento que celebramos no dia 25 de março aconteceu em Nazaré, no Oriente. É compreensível, pois, que tal festa tenha começado a ser celebrada ali. Foi introduzida em Roma, posteriormente, pelo papa Sérgio 1, já por nós citado, um siciliano de origem síria e de cultura grega.

O belíssimo hino Akáthistos, em honra da Mãe de Deus, tão apreciado pela piedade popular bizantina há cerca de treze séculos, e que agora começa a ser conhecido também no Ocidente, está presente em diversos trechos do Ofício da festa, como por exemplo no proêmio que precede as vinte e quatro estrofes do hino, ou no kontákion (8º tom) cujo texto transcrevemos em seguida:

"Ó Mãe de Deus, invencível estratega, nós, teus servos, elevamos a ti o hino de vitória e de gratidão por ternos salvado de terríveis calamidades. Tu, pois, cujo poder é irresistível, livra-nos de todo mal, para que possamos a ti clamar: Ave, Virgem e Esposa!

Para concluir, eis a reflexão de Pavel Florensky, sacerdote ortodoxo russo - gênio poliédrico ao qual a mesma Enciclopédia soviética dedicou três colunas - falecido num lager nos anos Quarenta: "O momento da Anunciação, no qual a criação, na pessoa da Mãe de Deus, acolhe a divindade em si mesma, contém toda a eternidade e, nesta, toda a plenitude dos tempos. A festa da Anunciação, do ponto de vista cósmico, celebra-se no equinócio da primavera ... Como nesse equinócio está incluída em germe toda a plenitude do ano cósmico, assim a Anunciação contém, como o botão de uma flor, a plenitude do ano eclesiástico. Pois bem, o ano cósmico e o ano eclesiástico são figuras do ano ontológico, isto é, o ano ou a plenitude dos tempos e das pausas de toda a história mundial. Esta está contida inteiramente na Virgem Maria, e a Virgem Maria se expressa por completo no momento da anunciação."

6 de agosto: Santa Transfiguração do Nosso Senhor Jesus Crísto

No Oriente bizantino a festa do 6 de agosto, Santa Transfiguração de Nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo, reveste-se de uma solenidade toda especial. Essa festa é lembrada desde o século IV pelos santos Efrém, o Sírio e João Crisóstomo e, entre os hinos litúrgicos, até hoje ainda em uso entre os bizantinos ortodoxos e/ou católicos, muitos são de autoria de São Cosme de Maiúma e de São João Damasceno. já no dia anterior à festa se evidencia a importância do evento em que aparecem a beleza primordial da criação e o inteiro plano salvífico:

Kontákion da vigília (4º tom).

"Hoje, em tua divina transfiguração, a inteira natureza humana brilha de divino resplendor e exclama com júbilo: O Senhor transfigura-se salvando todos os hornens.

O tropário final da festa, bem como o kontákíon, são repetidos mais vezes até o dia 13 de agosto. Ei-los:

"Ó Cristo Deus, te transfiguraste sobre a montanha, mostrando aos discípulos tua glória, à medida que lhes era possível contemplá-la. Também sobre nós, pecadores, deixa brilhar tua luz eterna, pelas orações da Mãe de Deus. ó Doador da luz, glória a ti!"

Kontákion (7º tom).

"Sobre o monte te transfiguraste e os teus discípulos, à medida que o podiam, viram a tua glória, ó Cristo Deus, a fim de que quantos te vissem crucificado, compreendessem que a tua paixão era voluntária e proclamassem ao mundo que tu és verdadeiramente o resplendor do Pai."

Com efeito, a narrativa evangélica, transmitida por Mateus, Marcos e Lucas, se encontra entre dois prenúncios da paixão de Cristo, e os três discípulos presentes ao evento da transfiguração são os mesmos que assistirão, embora de longe e sonolentos, à dolorosa oração de Jesus no Jardim das Oliveiras. Com freqüência no-lo lembram os textos litúrgicos bizantinos próprios do dia, como, por exemplo, este trecho das Vésperas:

"Antes da tua crucificação, Senhor, o monte tornou-se parecido ao céu e uma nuvem encobriu-o como uma tenda; enquanto te transfiguravas, o Pai te testemunhou qual Filho. Estavam ali presentes Pedro, Tiago e João, os mesmos que estariam presentes contigo na hora da traição, para que, tendo contemplado as tuas maravilhas, não se perturbassem ao contemplar teus sofrimentos. Concede também a nós, por tua misericórdia, contemplá-los na paz."

O ícone da Transfiguração encontra-se com freqüência, também porque é um tema que o iconógrafo deve privilegiar na sua atividade pictórica. Ele fica exposto, no meio da igreja, à veneração dos fiéis, desde a tarde do dia 5 de agosto até 13 do mesmo mês. O complexo pictórico resume bem o conjunto da festa conforme o esquema que nos foi transmitido por séculos. Ao centro domina a figura do Cristo em vestes brancas. Raios de luz se desprendem da sua pessoa e se espalham em todas as direções rumo à extremidade de um círculo, símbolo da verdade. Ele está no alto de um monte e aos lados, sobre dois picos rochosos, admiramos as figuras de Moisés e Elias, ligeiramente inclinados para o Salvador, com o qual conversam; representantes respectivamente da Lei e dos Profetas que têm, na pessoa do Salvador, o seu cumprimento. Embaixo, a cena é mais movimentada e apresenta figuras do Novo Testamento: os três discípulos escolhidos para subir ao monte estão em atitude de grande espanto. À direita (de quem olha), Pedro, de joelhos, com uma das mãos se apóia no chão e com a outra aponta para o divino fulgor que observa de esguelha. Tiago e João estão caídos no chão e cobrem os olhos ofuscados pela luminosa teofania. A fraqueza humana perante o evento excepcional, por contraste, ressalta a paz transcendente e a divina segurança de Jesus, centro de tudo.

A tradição oriental reconhece na Transfiguração uma nova manifestação trinitária após a ocorrida no batismo de Jesus, porque no Tabor "a voz do Pai dá testemunho, o Espírito ilumina e o Filho recebe e manifesta a palavra e a luz."

Existem outros temas sobre os quais os hinos litúrgicos dessa festa querem atrair a atenção dos fiéis: a "metamorfose" de Cristo "resplendor" do Pai; o prenúncio da Ressurreição de Jesus e nossa; a divinização da natureza humana, obscurecida em Adão e agora iluminada. Eis alguns desses temas hinográficos:

"Luz imutável da luz do Pai não gerado, ó Verbo, na tua luz brilhante hoje no Tabor vimos a luz do Pai e a luz do Espírito que ilumina toda criatura." "Vinde, subamos à montanha do Senhor, à casa do nosso Deus, e veremos a glória da transfiguração, glória do Unigênito do Pai; na luz receberemos a luz e, elevados pelo Espírito, cantaremos nos séculos a Trindade consubstancial."

"Ó Cristo, te revestiste do Adão inteiro, iluminaste a natureza outrora obscurecida e na metamorfose do teu aspecto a divinizaste."

A teologia oriental insiste sobre a graça incriada, participação na luz que envolveu o Cristo no Tabor,

"graça deificante, emanação do Espírito Santo que vem a iluminar a Esposa para torná-la nupcialmente conforme ao Esposo,"

como escreve C. Andronikov, acrescentando:

"A Transfiguração, festa teleológica por excelência, nos permite aguardar a Páscoa e prever o porvir para além da parusia."

As origens dessa festa, no Oriente, talvez remontem à inauguração de uma basílica da Transfiguração no monte Tabor no IV século e possui antigos testemunhos.

A oração de São João Damasceno (século VIII), na Ode nona do seu Cânon para o dia 6 de agosto, é um convite que se estende até os nossos dias, para todos nós:

"Vinde, ó povos, segui-me; subamos à montanha santa, rumo ao céu. Fixemos espiritualmente a nossa morada na cidade do Deus vivente e contemplemos a divindade imaterial do Pai e do Espírito que, em seu Filho único, resplandece." "ó Cristo, tu me atraíste e transformaste com o teu divino amor; queima, pois, os meus pecados na chama do fogo imaterial e enche-me de tuas delícias, para que, exultante de alegria, possa glorificar, ó Deus de bondade, as tuas duas vindas."

15 de agosto: Dormíção da Santíssima Virgem Maria

A última grande festa do ano litúrgico bizantino (que nos Minéa termina no dia 31 de agosto) é mariana: Dorrnição da SS. Mãe de Deus, Kóímesis no grego e Uspénie no eslavo eclesiástico, palavras que aludem justamente ao ato de dormir. E a tradicional representação iconográfica de 15 de agosto mostra a Virgem estendida no leito de morte, rodeada para o último sono pelos apóstolos, vindos prodigiosamente dos lugares onde pregavam o evangelho, tendo ao centro Jesus Cristo que acolhe a sua alma, representada como uma menina envolta em faixas e por ele sustentada.

A partir do dia 1 de agosto, o Oriente bizantino prepara-se para a festa com um jejum (do qual também fala São Teodoro Estudita, morto no ano 826) e dado que, além da pré-festa do dia 14 de agosto, os textos litúrgicos falam do trânsito de Maria SS. ao céu até o dia 23 de agosto, pode-se afirmar que este é o mês mariano dos fiéis ortodoxos e greco-católicos.

A celebração dessa solenidade no dia 15 de agosto foi fixada com um edito do imperador do Oriente, Maurício (582-602), confirmando uma tradição, sem dúvida, mais antiga. No Ocidente, a festa foi introduzida, juntamente com outras três festas marianas, pelo papa Sérgio I, coincidindo as datas de sua celebração. Quanto ao conteúdo, o tropário principal assim sintetiza o mistério:

Tropário (1º tom).

"Em tua maternidade conservaste a virgindade e em tua dormição não abandonaste o mundo, ó Mãe de Deus. Foste levada para a vida sendo a Mãe da Vida, e por tuas orações resgatas nossas almas da morte."

Logo é posto em evidência o ministério de intercessão que a Mãe de Deus e nossa desempenha após sua entrada (também corpórea) no céu. O kontákion do dia, a segunda oração mais repetida, o confirma:

Kontákion (2º tom).

"Nem o túmulo nem a morte prevaleceram sobre a Mãe de Deus, que, sem cessar, reza por nós e permanece firme esperança de intercessão. Com efeito, aquele que habitou um seio sempre virgem assumiu para a vida aquela que é a Mãe da Vida."

Embora os evangelhos não falem sobre o fim da vida de Maria, existe uma antiga tradição patrística, com informações provindas outrossim dos apócrifos, e que está na base do Ofício litúrgico bizantino do dia 15 de agosto.

São Germano de Constantinopla, de cuja autoria é o hino das Vésperas que se segue:

"Vinde de todos os confins do universo, cantemos a bem-aventurada trasladação da Mãe de Deus! Nas mãos do Filho ela depositou a sua alma sem pecado: com a sua santa Dormição o mundo é vivificado; e é com salmos, hinos e cânticos espirituais, em companhia dos anjos e dos apóstolos, que ele a celebra na alegria."

Como nos demais textos litúrgicos bizantinos, da maioria dos hinos, que se repetem há mais de mil anos, se desconhece o nome do autor: Eis um exemplo tirado ainda do Ofício de Vésperas:

"Oh, os teus mistérios, ó Pura! Apareceste, ó Soberana, trono do Altíssimo e nesse dia te transferiste da terra para o céu. A tua glória brilha com o resplendor da graça. Virgens, subi para o alto com a Mãe do Rei. ó cheia de graça, salve, o Senhor é contigo: ele que doa ao mundo, por teu intermédio, a grande misericórdia."

Entre os lugares santos venerados em Jerusalém que se relacionam ao mistério final da vida da Mãe de Deus, não existe somente a Basílica da Dormição cuidada pelos Beneditinos católicos, mas há também o Túmulo da Virgem, que está aos cuidados dos ortodoxos, próximo ao jardim do Getsêmani e onde recentes escavações confirmam que a sepultura remonta, de fato, à época em que viveu Maria Santíssima, e pode ter sido o lugar de seu breve sepultamento. A tradição bizantina, claramente expressa na oração, acredita na morte e no sepulcro da Virgem, mas também na sua antecipada glorificação ao céu com o corpo e a alma, à semelhança e em virtude de quanto aconteceu ao seu divino Filho. Assim começa o texto próprio das Grandes vésperas do dia 15 de agosto:

"Ó maravilha inaudita! A fonte da vida é posta no túmulo e o sepulcro transforma-se em escada que leva ao céu. Alegra-te, ó Getsêmani, santuário sagrado da Mãe de Deus!..."

A tradição narra que o apóstolo Tomé, tendo chegado atrasado para o sepultamento da Virgem e querendo rever seu amado semblante, fez reabrir o túmulo, mas este foi achado vazio e a mesma Mãe de Deus anunciou, numa visão, que havia ressuscitado e subido ao céu junto do seu Filho divino.

Se nos textos litúrgicos da festa encontramos várias alusões à tristeza dos Apóstolos que não verão mais junto deles a Mãe de Jesus, predomina, porém, a alegria pelo triunfo da Theotókos.

"A tua gloriosa Dormição - diz um hino das Laudes - alegra os céus, faz exultar a multidão dos anjos: a terra toda exulta de alegria elevando a ti um canto de adeus, ó Mãe do Senhor de todas as coisas, Virgem santíssima desconhecedora de núpcias, que libertaste o gênero humano da antiga condenação."

A festa da Dormição da Santíssima Mãe de Deus - este nome, como também a representação iconográfica permaneceu comum no Oriente e no Ocidente por mais de um milênio.

Com esta citação de um teólogo russo ortodoxo concluímos, retomando do Ofício das Vésperas bizantinas uma última invocação:

"Ó imaculada Mãe de Deus, sempre vivente com o Rei da vida e Filho teu, reza sem cessar para que seja conservada e salva de toda insídia do adversário a multidão de teus filhos, pois nós estamos debaixo da tua proteção e te glorificamos por todos os séculos."

 

Festas com data móvel

Entrada de Jesus em Jerusalém, ou Domíngo de Ramos

O domingo que antecede a grande solenidade da Páscoa - dito Domingo de Ramos seja no Oriente como no Ocidente - é a primeira das três festas com data móvel que, junto às nove com data fixa, já apresentadas, completam o grupo das Doze grandes festas do ano litúrgico bizantino.

A Semana Santa na tradição constantinopolitana começa com o Sábado de Lázaro, no dia anterior ao Domingo de Ramos, cujo tropário principal é repetido em todas as Horas do domingo junto a outro, próprio do dia, que repete a aclamação dirigida a Jesus na sua entrada em Jerusalém.

2º Tropário da festa (4º tom).

"Sepultados contigo pelo batismo, Cristo nosso Deus, por tua ressurreição, nos tornamos dignos da vida imortal. Por isso a ti cantamos em alta voz: Hosana no mais alto dos céus; bendito o que vem em nome do Senhor!"

"Festa esplêndida e gloriosa" é chamada pelo Triódion bizantino e de fato pode-se notar um tom festivo e alegre em seus textos, ao passo que para os católicos romanos a Missa do dia é velada de certa tristeza com a leitura que se faz da paixão de Cristo. Na liturgia eucarística bizantina se lê o Evangelho de João (12:1-8), com o episódio de Marta e Maria e da entrada de Jesus em Jerusalém.

"Alegra-te e permanece na alegria, cidade de Sião; permanece na alegria e exulta, Igreja de Deus, pois o teu Rei se aproxima" (do oficio de Vésperas). "O Senhor Deus apareceu-nos! Celebrai juntos esta festa: vinde jubilosos, adoremos Cristo e aclamemo-lo: Bendito o que vem em nome do Senhor nosso Salvador!" (do ofício de Matinas).

Também para o Domingo de Ramos temos um testemunho da peregrina Etéria sobre como se desenvolvia, em meados do século IV, a reunião dos fiéis na basílica do Eleona no Monte das Oliveiras, e a procissão que lhe seguia, com o povo agitando ramos de palmeira ou de oliveira até ao Calvário e à basílica da Anástasis (isto é, da Ressurreição, a mesma que os católicos latinos chamam de Santo Sepulcro). A Procissão dos Ramos de Jerusalém espalhou-se em seguida por quase todas as Igrejas do Oriente e do Ocidente, mas somente poucas conservaram esse costume. Os textos litúrgicos bizantinos repetem o desenrolar-se do evento, contemplam ao mesmo tempo o fato visível e a realidade eterna, como neste breve hino que se segue.

Kontákion (6º tom).

"Nos céus assentado num trono, aqui na terra montado num jumentinho, ó Cristo Deus, acolhe os louvores dos anjos e as aclamações das crianças que gritam: Bendito és tu que vens soerguer o Adão decaído."

Não faltam aplicações para os fiéis de hoje:

"Com ramos espirituais de palmeira, com a alma purificada, aclamamos a Cristo como os meninos, com fé gritando ao Senhor em alta voz: Bendito és tu, ó Salvador! Espiritualmente te tornaste o novo Adão e vieste para salvar o Adão da antiga maldição, conforme o teu beneplácito, ó Amigo dos homens!"

Existe mais um tropário que se poderia definir de central na festa, repetido em diversos momentos no decorrer dos Ofícios:

"Hoje a graça do Espírito Santo nos reuniu. Todos, carregando a tua cruz, dizemos: Bendito o que vem no nome do Senhor! Hosana nas alturas!"

"O triunfo de Jesus na cidade santa na véspera da Páscoa é um grande mistério. Contemplando os textos bíblicos, as profecias, os evangelhos, a liturgia sempre descobre neles novas facetas. A entrada de Jesus em Jerusalém é uma teofania, na linha das antigas teofanias do Antigo Testamento. A glória de Deus entra na cidade santa (Ez. 43:4), mas humilhada na humildade do rei manso, do Cordeiro (Jo 1:29), que vem para ser imolado. Com as crianças, os discípulos, as multidões, os povos, todas as criaturas participam desse rito de entronização: as forças angélicas, os elementos cósmicos."

Durante o oficio matutino (nos países eslavos, freqüentemente antecipado para a noite anterior após as Vésperas, numa única celebração que forma a Grande vigília) o sacerdote dirige-se ao meio da nave central para benzer os ramos de palmeira ou de oliveira que, como na liturgia latina, são considerados símbolos de vitória e de ressurreição. Os fiéis aproximam-se para recebê-los das mãos dele, enquanto beijam o ícone alusivo à festa que fixa visualmente os dados da narração evangélica. No entanto o coro está cantando o cânon, repetindo, provavelmente várias vezes, o tropário que transcrevemos, com evidentes remissões ao Antigo e ao Novo Testamento.

Tropário:

"O povo de Israel se dessedentou na pedra dura, aberta sob o teu comando e que fez jorrar água e tu, ó Cristo, eras essa pedra e a vida; sobre ela foi fundada a Igreja que clama: Hosana! Bendito és tu que vens!"

Ascensão de Nosso Senhor Jesus Crísto

No trigésimo nono dia após a Páscoa o Oriente bizantino celebra, ao mesmo tempo, o "encerramento" ou "conclusão" da festa da Ressurreição de Jesus Cristo - da qual se retomam quase todos os textos litúrgicos - e a Pré-festa da Ascensão de Nosso Senhor.

Tropário da festa (4º tom).

"Subiste glorioso ao céu, Cristo nosso Deus, enchendo de júbilo os discípulos com a promessa do Espírito Santo e confirmando-os com a tua bênção, pois tu és o Filho de Deus, o Redentor do mundo."

O triunfo do Salvador que, com o seu corpo glorificado, volta para o céu para sentar-se à direita do Pai, era celebrado em Jerusalém com grande solenidade desde a mais remota antiguidade. Encontramos testemunhos num fragmento de Eusébio († 325) e no relato vivaz da peregrina Etéria. O Monte das Oliveiras em Jerusalém, onde se realizou o evento, já de per si convidava a uma comemoração festiva, que bem cedo se estendeu às demais Igrejas.

O conteúdo da festa é sintetizado pelo kontákion que, juntamente com o tropário acima apresentado, será repetido por oito dias após a Ascensão.

Kontákion (6º tom).

"Tendo cumprido o plano salvífico sobre nós, e reunido as criaturas terrestres às celestes, ascendeste ao céu em glória, Cristo nosso Deus, sem contudo te afastares de nós, mas permanecendo conosco clamas aos que te amam: Eu estou convosco e ninguém prevalecerá contra vós!"

Não obstante se trate de uma separação entre o Mestre e seus discípulos, os textos litúrgicos conservam o caráter alegre da festa, como neste:

"... Tu que, na tua ascensão, cumulaste de júbilo os apóstolos e a Mãe que te gerou, faz-nos dignos também a nós da alegria de teus eleitos, graças aos seus rogos e à tua grande misericórdia."

A Virgem Santíssima e os apóstolos estão bem visíveis no ícone da festa, que há mais de um milênio acompanha a celebração litúrgica da festa da Ascensão. Basta pensar que remontam ao século V e VI as assim chamadas "galhetas de Monza," que fazem parte do tesouro da catedral daquela cidade, e em cujo lado arredondado está pintado o evento da Ascensão semelhante ao que vemos pintado nos ícones dos séculos sucessivos até aos pintados em nossos dias. Vamos nos deter um pouco para examinar o ícone da Ascensão que atualmente se encontra exposto na Galeria Tretjakov de Moscou. No alto, inscrito num círculo com raios luminosos, a figura do Cristo em sua majestade; o círculo é sustentado por dois anjos. No registro inferior, separado inclusive por tufos de árvores de oliveira que emergem de um fundo rochoso, dois grupos de apóstolos para os quais "dois homens em brancas vestes" dirigem as palavras que encontramos nos Atos dos Apóstolos: "Homens da Galiléia, que estais aí a contemplar o céu? Esse Jesus, que vos foi arrebatado, virá do mesmo modo que para o céu o vistes partir" (1:11). A idéia da segunda vinda de Jesus se encontra no "próprio" da festa, inspirando uma súplica. Diz um katísma:

"Levado pelas nuvens do céu, após ter deixado a paz aos habitantes da terra, subiste ao céu e te sentaste à direita do Pai, consubstancial a ele e ao Espírito; mesmo tendo-te mostrado na carne, de fato permaneceste sem mudança. Por isso aguardas o cumprimento de cada coisa para voltar à terra para julgar o mundo inteiro. justo juiz, Senhor, poupa as nossas almas e concede aos teus servos o perdão dos pecados, tu és Deus misericordioso."

Voltando a observar o ícone da festa, o que nos chama a atenção é a centralidade da Mãe de Deus, o destaque que os dois "em brancas vestes" lhe dão, separando-a ligeiramente dos apóstolos. Depois da subida ao céu de Jesus, Maria Santíssima toma-se o centro moral da Igreja, por ela tão bem representada num gesto de orante, com as mãos erguidas em sinal de súplica. E também nos textos litúrgicos bizantinos da festa da Ascensão a Virgem tem um destaque bem mais marcante em relação à liturgia ocidental. Um destes textos explica tal afirmação:

 

"... convinha de fato que aquela que, como Mãe, tinha sofrido mais que qualquer outro na tua paixão, fosse cumulada de alegria acima de qualquer outra alegria, na glorificação do teu corpo..."

Ademais, todas as Odes do Cânon terminam com uma prece mariana, o que não acontece nas demais festas maiores do Senhor. Por vezes é uma prece de súplica:

"Imaculada Mãe de Deus, intercede incessantemente junto do Deus que de ti tomou carne sem que se afastasse do seio do Pai, para que salve de toda tentação os que criou" (Ode primeira);

Ou então é uma exaltação:

"Salve, Mãe de Deus, Genitora de Cristo Deus: hoje, ao ver subir com os anjos aquele que geraste, tu o exaltas" (Ode nona).

Outros temas poderiam se observar nos textos litúrgicos, mas nos limitaremos a dois. A missão terrena de Jesus, chegada ao seu cumprimento, se une à promessa de enviar o Espírito Santo.e mais vezes se reza: "...envia, Senhor, o teu santíssimo Espírito, que ilumina nossas almas."

E no começo da Litia:

"Subindo aos céus de onde vieste, não nos deixes órfãos, Senhor; desça sobre nós o teu Espírito, portador de paz ao mundo; contemplem os filhos dos mortais as obras do teu poder, ó Amigo dos homens."

Enfim, devemos lembrar que o triunfo de Cristo é agora também o de seus seguidores para os quais ele foi "preparar um lugar" no seu Reino, aliás na unidade de seu Corpo místico também nós já fazemos a nossa entrada no céu. Isso é afirmado num hino do ofício matutino:

"Tu que desceste dos céus à terra e, como Deus, reergueste a estirpe de Adão humilhada nos grilhões do Hades, com a tua ascensão, ó Cristo, faze-a subir ao céu e sentar-se contigo no trono do teu Pai, pois tu és compassivo e amigo dos homens."

Domingo do santo Pentecostes

Ao findar o período de cinqüenta dias após a Páscoa, a festa de Pentecostes com a descida do Espírito Santo marca o "cumprimento da promessa e a realização da esperança," como reza um hino do Ofício bizantino da manhã e no "próprio" dessa solenidade o elã poético se une à precisão teológica ao convidar o fiel à adoração do Deus Uno e Trino. No Oriente bizantino, a festa de Pentecostes celebra também a festa da Santíssima Trindade (diferentemente da liturgia latina que a celebra no domingo seguinte), porque justamente com a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos se completou a revelação do mistério trinitário. No cristianismo primitivo a comemoração do evento histórico, ocorrido no Cenáculo do monte Sion, prevalecia na festa de Pentecostes, que já se celebrava em Jerusalém no século IV, ao passo que a liturgia bizantina hodierna transfere tal comemoração ao dia seguinte, segunda-feira.

Os textos dos Ofícios unem, porém, os dois aspectos do mistério e já nas Vésperas encontramos seja um breve hino trinitário muito conhecido, porque cantado a cada liturgia eucarística, logo depois da comunhão dos fiéis:

"Vimos a verdadeira luz, recebemos o Espírito celeste, encontramos a fé verdadeira, adorando a indivisível Trindade; pois foi ela que nos salvou,"

 

seja a invocação ao Espírito Santo com a qual começam quase todas as orações litúrgicas e particulares dos fiéis ortodoxos e católicos de rito bizantino:

"Rei celeste, Consolador, Espírito de verdade, presente em toda parte e ocupando todo lugar; tesouro de bens e díspensador da vida, vem e habita em nós; purifica-nos de toda a impureza e salva as nossas almas, tu que és bom."

No ofício das Vésperas, três leituras tiradas do Antigo Testamento (Nm 11:16-17.24-29; Jl 3:1-2 e Ez 36:24-28) evocam as obras do Espírito em épocas longínquas, para fazer melhor entender a ação transformadora ocorrida nos apóstolos nos inícios da história do Reino de Deus, assim sintetizada no tropário (8º tom) conclusivo:

"Bendito és tu, Cristo nosso Deus, que tornaste sábios a simples pescadores, enviando-lhes o Espírito Santo e, por eles, colheste na rede o universo inteiro. Glória a ti, Amigo dos homens."

Outro hino, repetido várias vezes durante a semana de Pentecostes, é o kontákion, que faz alusão ao fato bíblico da confusão das línguas durante a construção da torre de Babel:

Kontákion (8º tom).

"Quando o Altíssimo desceu à Terra para confundir as línguas, dispersou os povos; mas, quando distribuiu as línguas de fogo, chamou-nos todos à unidade. Glorifiquemos a urna só voz o Espírito Santíssimo."

É sabido que importância têm na teologia e na liturgia bizantina a pessoa e a obra do Paráclito; o Ofício de Pentecostes, em vários momentos, se detém em descrevê-las. É suficiente, como exemplo, este hino tirado das Laudes:

"O Espírito Santo era, é e será sem princípio e sem fim, mas sempre igual em dignidade ao Pai e ao Filho e com eles enumerado Vida e vivificador; Luz e doador de luz; Bom em si mesmo e fonte de bondade: graças a ele o Pai é conhecido e o Filho é glorificado e à humanidade inteira se faz conhecer como uma única força, uma única hipóstase, uma única adoração da santa Trindade."

O ícone da festa, com sua mensagem visual, reforça nos fiéis o conhecimento do evento e do mistério de Pentecostes. Também ele se fundamenta no dado escriturístico (At 2), porém com uma releitura eclesial que, no seu tratado Hermenêutica da píntura, Dionísio de Furná no século 18, relatando uma tradição quase milenária, assim expõe.

"Os doze Apóstolos estão sentados em círculo e, abaixo deles, numa pequena abóbada semicircular, está a figura de um velho com uma coroa na cabeça; com ambas as mãos segura uma faixa na qual estão envolvidas doze cartas. Sobre a cabeça aparece a inscrição: 'O Cosmo...´"

O mundo inteiro, representado pelo velho homem coroado, prisioneiro das trevas do mal e que estende os braços para receber os doze rolos, isto é, a pregação apostólica, é, dessa maneira, iluminado pelo evento de Pentecostes que continua ainda hoje: estende-se no anúncio missionário e alcança também a nós. Se no universo perdura o "mistério da iniqüidade" em tantos acontecimentos e situações dolorosas, a graça e a luz do Espírito pode renovar e divinizar tudo. No ícone descrito, aparece no centro a Virgem numa atitude orante e, ao mesmo tempo, de acolhida; à sua direita está São Pedro e os outros apóstolos. Entre eles podemos ver anacronismos como, por exemplo, as imagens de São Paulo ou de alguns evangelistas indicados pelos nomes inscritos nos nimbos, como querendo melhor sublinhar a ação permanente do Espírito Santo que funda e anima a Igreja. No alto, ao centro, o fogo da divindade, da qual se depreendem línguas de fogo colocadas sobre a cabeça da Mãe de Deus e dos apóstolos.

"O Espírito Santo distribui todos os benefícios - afirma outro hino litúrgico -, efunde as profecias, institui os sacerdotes, doa a sabedoria aos ignorantes, transforma os pescadores em teólogos, dá toda a sua forma ao ordenamento da Igreja. Paráclito consubstancial e co-reinante com o Pai e o Filho, glória a ti!"

Sete longas orações, recitadas pelo celebrante ajoelhado, como também todos os fiéis, constituem uma particularidade da festa de Pentecostes; fazem parte do ofício das Vésperas do domingo à tarde. A autoria da primeira oração é atribuída a São Basílio. Somente elas mereceriam um tratado à parte. Entre os hinógrafos da festa cujos nomes chegaram até nós, assinalamos: São Romanós, o Melode, que compôs uma oração recitada depois do kontákion e que na Quaresma bizantina é repetida todos os dias na Hora terça; Leão, imperador bizantino († 912), compôs um comentário ao Triságion e São Cosme de Maiúma, autor do primeiro Cânon no ofício das Matinas. Esses autores são os representantes daquela Igreja indivisa do primeiro milênio em que cristãos do Oriente e do Ocidente, mesmo com algumas diversidades, viviam unidos, testemunhando melhor que, graças aos apóstolos, sustentados pelo Paráclito, "o mundo inteiro é iluminado para honrar a Santa Trindade."

"A força divina, descida hoje sobre nós, é o Espírito bom, o Espírito da sabedoria de Deus, o Espírito que procede do Pai e através do Filho se nifesta aos crentes, doando aos que neles habita a santidade" (Ode quinta do Cânon).

Invoquemos, pois, o Espírito Santo também para o restabelecimento da unidade plena entre os cristãos, para o louvor e glória da Santíssima Trindade!

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Holy Protection Russian Orthodox Church

2049 Argyle Ave. Los Angeles, California 90068

Editor: Bishop Alexander (Mileant)

 

(ano_liturgico_1a.doc, 03-17-2000)