Notas Apologéticas

Parte 1.

Arquipresbítero Padre Michael Pomazansky

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.

 

 

Conteúdo: Sinais do alto. A alma estende-se para Deus. Religião — alegria. Deus — um assunto não para debate. Fé. Lobos mentais. Quando não há ninguém a quem agradecer. A vida existe? Integridade da vida e visão do mundo. Mistério na experiência da vida. Sobriedade da alma. Forças da natureza. Chama de uma chama. Ateísmo. O mundo — reflexo da Graça de Deus. Vida. O que o maligno enuncia no mundo. Além da cortina do que é visível. Julgamentos de Deus. Triuno, Deus Trinitário. Então a fé é a base da vida. Para aqueles que dizem: "Eu não vejo Deus."

 

 

 

 

Sinais do alto.

Noticia de um fenômeno extraordinário em março de 1960 — o derramamento de lágrimas dos olhos de um ícone da Mãe de Deus, localizado na casa de um jovem casal Ortodoxo Grego em Long Island, não longe de Nova York — impactou na parte vespertina da imprensa americana. Quando o ícone estava sendo triunfalmente comboiado para a Catedral Grega, três pombas planaram sobre o veículo que estava transportando o ícone, e não deixaram a procissão até que o ícone fosse levado para dentro da igreja. Um mês depois um similar derramamento de lágrimas ocorreu de um outro ícone da Santa Virgem na mesma localização. Quando esse ícone foi levado para a catedral, um terceiro ícone tomou seu lugar na casa, e este também derramou lágrimas. Como a experiência da Igreja atesta, a tríplice ocorrência desse fenômeno foi um inerente sinal enviado do alto.

Lágrimas da Mãe de Deus! Manifestação que conduz à trepidação e reverência. Ela dá testemunho da proximidade da terra da Mãe de Deus. No entanto, seria melhor se essas lágrimas não existissem! Se não há maior tristeza numa família do que as crianças verem sua mãe chorando, então quão forte e assustador é o choque para os Cristãos saber que por causa deles, a Mãe de Deus está vertendo lágrimas!

Estariam elas nos falando da deterioração espiritual geral da humanidade — e em parte, sobre o nosso próprio declínio espiritual? Estariam elas gritando sobre os sofrimentos e infortúnios já experimentados pelo mundo? Estariam elas predizendo novas provas severas? Estariam elas dando testemunho de que os Céus vêem nossas amarguras e ouvem nossos gritos de pesar, e que as lágrimas da Mãe de Deus estão dando um aviso consolador: "Eu estou convosco!"?

A alma estende-se para Deus.

A alma estende-se naturalmente para Deus assim como uma planta estende-se para o sol. O Saltério —um livro da era pré-Crist㠗 dá total ênfase sobre o caráter natural e inerente dessa propensão.

"Minha alma tem sede de Ti; minha carne anseia por Ti numa terra seca e sedenta onde não há água: sem Ti, uma sede espiritual me tortura."

"Minha alma anseia por Ti como terra sedenta."

"Minha alma anseia, sim, até desfalece pelas cortes do Senhor; meu coração e minha carne gritam pelo Deus vivo."

"Tu escondeste a Tua face, e eu fiquei perturbado."

"Eu te amarei do coração, ó Senhor, fortaleza minha. O Senhor é o meu rochedo, e o meu lugar forte, e o meu libertador; o meu Deus, a minha fortaleza, em quem confio; o meu escudo, a força da minha salvação e o meu alto refúgio."

Uma coisa pedi ao Senhor e a buscarei: que possa morar na Casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a formosura do Senhor e aprender no seu templo.

Desejando ardentemente Deus, a necessidade de orar para Ele e a procura do caminho para a união com Deus, sempre pertenceram à melhor parte da humanidade. Mas esse desejo nunca foi expresso com tanta força quanto no Cristianismo, que produziu uma multidão de pessoas castíssimas, brilhantes e elevadas espiritualmente, completamente dedicadas a Deus e que alegremente sacrificaram todas as coisas terrestres pelas celestes. Nisso está a afirmação psicológica da verdade da essência de nossa religião, a testemunha da verdade da fé Cristã.

 

Religião — alegria.

Em qualquer sistema filosófico, pode sempre existir algum pessimismo em sua base. No entanto, na base religiosa, sempre existiu e existirá um sentimento de alegria. Não importa quão distorcidas certas religiões são (tendo mudado a verdade de Deus com mentiras — reverenciando criaturas ao invés de Deus), elas, no entanto, foram todas expressões de alegria pela vida. Foi a natureza decaída do homem que, com freqüência que a arrastou para formas cruas e básicas de expressão. É totalmente natural que o contentamento puro pela beleza da natureza, por pessoas sensíveis, evoque hinos de louvor a Deus.

O Cristianismo é uma religião verdadeira e pura, e é a fonte de elevada e santa alegria. As provas severas Cristãs aparecem como prova da base indomáveis e brilhantes do Cristianismo, mostrando que nenhuma quantidade de privações e constrangimentos é capaz de eclipsar a bênção da vida em Cristo. "Regozijai-vos sempre. Orai sem cessar" — (1 Tessal. 5:16-17) como o Apóstolo indica. "Bem-aventurado aquele que teme o Senhor e anda nos seus caminhos." (Sl. 127[128]:1) — é repetido em orações e salmos. "Que despertemos em alegria espiritual para Te louvar." E o mais enfático e angustiadamente arrependido dos salmos, o 50[51]: "Tem misericórdia de mim, ó Deus...," anuncia triplamente a alegria, pedindo pelo retorno de uma alma que tenha pecado.

 

Deus — um assunto não para debate.

É nosso assunto provar a existência de Deus, procurar novas controvérsias, defender a verdade divina e justificar as obras de Deus?

Nossa tarefa é nos resguardarmos de pensamentos ímpios e reforçar nosso caminho mental. É nossa tarefa também resguardar os outros como fazemos conosco. Temos que encontrar antídotos contra as nossas dúvidas, obscuros e estranhos pensamentos que são hostis à nossa fé, e que invadem a nossa mente.Nossa época é uma era de racionalização, e racionalização é inimiga da religião. Nós somos obrigados a repudiá-la com uma arma — a lógica — que é somente uma ajuda. Nós temos um armamento muito mais poderoso — a fé "e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé" (1 Jo. 5:4).

Essa é a razão pela qual uma discussão sobre Deus em Si deve ser breve. O que podemos dizer da natureza de Deus e de Seus atributos? Nossa conversa sobre Deus deve ser elevada, extremamente prudente, modesta, direta, breve e sem filosofar. A piedade nos chama para evitar o uso freqüente do nome de Deus nas conversas do dia-a-dia: "Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão:" (Ex. 20:7). Nos tempos antigos os judeus evitavam até mesmo escrever o nome principal de Deus — Jeová —substituindo-o por símbolos, ou se referindo a Ele com um nome comum, Senhor. Essa atitude estava em total harmonia com os Mandamentos, e tendo nossa mente e todo ser espiritual preenchidos com veneráveis pensamentos a respeito de Deus.

"Porque nós andamos por fé, não por visão?"

Porque Deus, Ele próprio, não aparece para nós de maneira tal que nós não tivéssemos nenhuma dúvida nem incerteza? Isso é porque é impossível para nós mortais chegarmos perto de Deus. Aqui vai uma comparação: como qualquer coisa viva na terra, nossa vida é nutrida pelo sol. No entanto, se nós chegássemos perto do sol, seríamos incinerados imediatamente. No entanto, como cresce suave e ternamente uma folha de grama sob ele! E nós somos protegidos pela mesma natureza dos muitos raios causticantes que são irradiados dele. Assim como há uma cortina aérea entre nós e o sol, há uma cortina invisível entre nossa natureza e a de Deus — não obstante Sua proximidade de nós — e é nossa fé que permite que nossa alma penetre nessa cortina. "Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá" (Ex. 33: 20), diz o Senhor a Moises. E as imagens de Deus, que apareceram para o povo são essencialmente essas — somente "imagens" porque "Deus é um fogo consumidor." Porém Deus permitiu que Ele fosse visto através da aparição do Filho de Deus, numa verdadeira forma física. "Ele mesmo tomou nossas enfermidades e carregou nossas doenças." Ele não é como um fogo consumidor, mas uma quieta Luz, e nós O exaltamos com as palavras: "Ó Luz jubilosa da santa glória do Pai Celeste, Imortal: Santo e Bem-aventurado Senhor Jesus Cristo"(oração das vésperas).

Mas mesmo assim é requerida fé. Assim como é requerida fé para se conhecer Deus, Sua grandeza, e Sua incompreensível natureza, também é requerida fé para se ver e reconhecer Deus em Sua brandura, humildade e degradação terrestre. "Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus" (Mt. 5:8). Com pureza de coração a fé atinge tal firmeza e força, e concede tal estado abençoado, que é equivalente a visão celeste. Tal é a fé dos santos.

 

Fé.

Fé religiosa, fé Cristã, é um especial estado da alma ou habilidade da alam, simultaneamente penetrando a mente, coração e vontade, um poder ativo, iniciador, capaz de dominar totalmente a vida espiritual, o inicio, revigorante, condutor. Fé é a chama, se levantando acima da vida interior, a testemunha do "espírito," isto é, a estrutura mais elevada da alma. Uma pessoa crente "sente" que ela tem alguma vantagem em relação a uma pessoa descrente. Fé é o poder, a chave para o poder, mas é melhor exprimi-la através da maravilhosa e figurativa expressão de São João de Kronstadt: "fé é a chave para a graça." O Apóstolo Paulo escreve: .".. temos entrada pela fé a esta graça..." (Rom. 5: 2) no Cristianismo através da fé. O Apóstolo Pedro se refere à fé como "fé preciosa" (2 Pe. 1: 1). De acordo com as expressões figurativas dos antigos padres, fé é uma escada que conduz à fonte Divina. Ela faz tais conquistas — que seriam completamente impossíveis sem fé — elas são manifestadas nos dons de realização de milagres. Cristo prometeu: "Em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; Pegarão nas serpentes; e se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão" (Mc. 16:17) — e isso foi confirmado milhares de vezes na história da Igreja Cristã. Assim, a fé provê os meios para a fé humana penetrar no domínio misterioso, espiritual e não-visto o que "é a revelação (isto é, exposição das atividades dos poderes) das coisas não-vistas."

 

Lobos mentais.

A alma humana é cheia de influências cruzadas e de diversas correntes mentais. É através da mente que os pensamentos se originam — como o Apóstolo coloca, "... seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os" (Rom. 2:15), pensamentos luminosos ou obscuros, elevados ou básicos, afirmativos ou reprimíveis. As mentes vivem em uma alternância de vigor e sonolência, visão aguda e cegueira. Certa vez um noviço se queixou para o seu "staretz" (ancião) que pensamentos doentios ficavam entrando em sua mente. "Abre tua capa e captures o vento" — respondeu o "staretz" — tu não consegues? Da mesma forma tu não podes te esconder daquilo que voa à tua volta na atmosfera espiritual." Acontece que durante algumas dessas rajadas, e por causa de sua intensidade, a alma encontra dificuldade em lutar contra elas: elas são "lobos mentais," nós deveríamos nos resguardar contra eles,assim como nós nos resguardamos contra umidade portadora de doenças e correntes de ar frio. Nós lutamos contra outras com dificuldade, por causa de nossas letargias temporárias, apatias, quedas do espírito, isto é, aquilo que os Padres chamam de depressão.

"Desfaleceu a minha alma, esperando por tua salvação; mas confiei na tua palavra." (Sl 118[119]:81) lamenta o antigo salmista. "Senhor e Mestre de minha vida, afasta de mim o espírito de preguiça, de dissipação, de domínio e de vã loquacidade" — nós oramos, na Grande Quaresma, com as palavras do asceta Ortodoxo São Efrém. Todos os que estão cansados falam de possíveis visitas do espírito de depressão, e conseqüentemente suas orações contém súplicas freqüentes para que sejam libertados desse espírito. Esse sentimento é um estado ímpio e agonizante, como se a alma estivesse cega — até que esse sentimento seja substituído com uma onda fresca de fé cheia de graça e um esforço de oração. As orações corretas: "Desvenda os meus olhos, para que veja as maravilhas da Tua lei." (Sl. 118 [119]:18) "Ilumina com entendimento os olhos do meu coração, ó Cristo, para que eu não adormeça na morte...Pelos Teus anjos afasta de mim o desânimo demoníaco" (Orações antes de dormir).

Porém no domínio da fé, dificuldades e confusões que surgem na mente, nem sempre são sem benefício. Qualquer tipo de realização somente ocorre através da superação de obstáculos. Com um aumento da força, uma pessoa se torna capaz de sobrepujar grandes impedimentos — algumas vezes, colocando-os diante de si próprio — e conquistando-os, subindo então para um nível mais alto. O mesmo ocorre na esfera religiosa, na esfera da fé. E que sentimento espiritual triunfante essa pessoa sente quando um pensamento novo e luminoso ilumina sua alma e supera a barreira mental!

 

Quando não há ninguém a quem agradecer.

Quão agradavelmente pronunciamos a palavra "obrigado." Para cada bom desejo, para cada favor nós temos a necessidade de dizer: obrigado (em russo a palavra para obrigado, "spasibo" é derivada de "spasi Bozhe" — Deus salve). Essas palavras expressam sentimentos internos—elas não são simplesmente uma indicação de boa educação, com se fossem ditadas por instinto. Quando uma pessoa está numa multidão, e um personagem não visto mostra-lhe uma pequena consideração, essa pessoa começa a procurar com seus olhos a quem agradecer. Com que freqüência as pessoas utilizam a imprensa para expressar agradecimentos para indivíduos conhecidos e anônimos por condolências pelos seus pesares, por participação em seus tempos difíceis! Sentimentos de gratidão não são limitados a palavras, eles esforçam-se por serem expressos em atos, e a posteriori eles continuem a viver como grata memória na alma.

Mas se nós somos gratos nas pequenas coisas, como poderemos nós não expressar nossa gratidão pelas coisas maiores — pela alegria de se estar vivo, pela habilidade de pensar, de amar os outros, por nossa visão e audição que abrem nossos olhos para a vida na terra, pela oportunidade de nos comunicarmos com pessoas, pelos dons da natureza dos quais gostamos? Como poderemos não agradecer quando somos libertados do perigo, ou quando nós somos visitados por aquilo que é chamado de "boa-sorte"? Mas quão desafortunada é a pessoa que agradece por um copo de água, mas, no entanto, "não tem ninguém a quem agradecer" pelas coisas mais elevadas, maiores, pela mais importante.

 

A vida existe?

Vida! É tudo que tenho, que eu valorizo, e sem a qual — eu não existo! No entanto, parece que em nossa era há uma tendência em responder essa questão proposta com uma negativa — ostensivamente em nome da ciência. Existiram e ainda existem, indivíduos preparados que estão engajados através de reações químicas, em reproduzir uma "célula viva" como o começo de toda vida. Laboratórios, estudando a fisiologia da matéria viva, estão tentando ganhar acesso ao "mecanismo de crescimento na matéria viva." O cenário é provar que no cerne de nosso ser existe um mecanismo, e o que nós chamamos vida, é uma aparição, simplesmente uma forma de nossa percepção. Como um exemplo, há menção na imprensa à descoberta de um novo elemento nas plantas — cloroplasto, ou um enigma mais fundamental — fotossíntese (a absorção pela planta da energia do sol). Isso é explicado como uma reação química comum, onde há a ausência de qualquer força viva e que poderia ser produzida em série em laboratório. Porém, seria possível explicar todos os mecanismos do mundo através dessa aproximação científica?

Reluta-se em acreditar que tal tendência caracterize a aproximação da ciência sobre natureza como um todo. Não é possível que o espírito do materialismo grosseiro possa capturar a natureza real de maneira que, seja sem o entendimento de "vida" a explicação dos mistérios da natureza. É espantoso como a mecanização da vida prática em nossa existência, impacta a mentalidade das pessoas, instilando que a vida na terra é só um mecanismo, aparentado com uma máquina inanimada.

Primeiro: "não há Deus." A seguir: "não há alma." Finalmente: "não há vida!"

Num conto curto "Euthemia" escrito por Veresaev durante a era soviética, uma mulher doente, sentindo a lenta aproximação da morte, fica em êxtase com o filósofo materialista grego Demócrito; foi há mais de 2000 anos atrás, que ele expôs que todas as coisas são feitas de matéria, enquanto sentidos e pensamentos — simplesmente uma alteração no corpo... No entanto, parece que sendo ela uma esteta por natureza, ela amava poesia, ávida leitora de Tiutchev — um poeta que sugere que a natureza não é uma face sem vida, ela tem uma alma, ela tem liberdade, tem amor, tem linguagem... Conseqüentemente, à parte de desejos, uma discórdia entre o entendimento materialista e os sentimentos naturais interiores estava aberta na pessoa soviética: os sentimentos emergiram da cobertura do materialismo, como um remendo mostra-se num saco. Não se consegue esconder um remendo num saco.

 

Integridade da vida e visão do mundo.

A quadra de Gumilev é excelente:

Existe Deus, existe o mundo. Eles existem eternamente.

Enquanto as vidas das pessoas são efêmeras e desventuradas.

Porém, uma pessoa pode acomodar tudo,

Quem ama o mundo e acredita em Deus.

Por certo não se pode dogmatizar essas palavras. Aqui, é possível retrucar contra todos os pronunciamentos: perpetuidade do mundo não é a mesma que a de Deus; a vida humana é efêmera, mas a vida da alma não é efêmera; o mundo ama deliberações desviadas, mas ele só acredita em Deus. No entanto essa quadra contém uma expressão poética excelente de uma idéia profunda: que a plenitude da vida consiste na aceitação do mundo como uma criação do Boníssimo Deus. Aceitando a vida como um dom de Deus, uma pessoa vive com uma visão otimista e harmoniosa do mundo, criando um mundo espiritual e um panorama arrojado e brilhante da vida.

Uma pessoa tem contentamento interior quando ela não tem qualquer discórdia espiritual. Esse é o significado da stanza de Polonsky:

"Bendito é aquele a quem foram dados dois tipos de audição":

O que ouve os sinos da Igreja tocando

E ouve a voz profética do Espírito."

O significado óbvio dessas palavras é que, uma pessoa contemporânea vive uma plena e substantiva vida, quando sua voz interior (seja uma inspiração poética ou filosófica, ou simplesmente uma visão geral da vida) combina com a plenitude da tradição, e com a fé religiosa que foi entremeada nela.

Tem que ser reconhecido que a poesia russa do século dourado para a literatura que foi o XIX° século possuiu em si essa qualidade e por isso foi inspirado, ideal e inteiramente louvável.

 

Mistério na experiência da vida.

Dificilmente existiria uma pessoa, mesmo entre as descrentes, que não tivesse experimentado um fenômeno misterioso, pelo menos uma vez na vida — como um sonho profético, ou um evento inexplicável, no qual sua vida tivesse sido preservada. Mas, com freqüência, as pessoas não olham para trás e daí se esquecem, ou até mesmo tentam não notar. Muitos de nós, quando estamos perto de nosso curso terrestre, podemos e devemos clamar sobre nós mesmos nas palavras do salmista:

"Pois Tu és a minha esperança, Senhor Deus; Tu és a minha confiança desde a minha mocidade. Por Ti tenho sido sustentado desde o ventre; Tu és aquele que me tiraste do ventre de minha mãe; o meu louvor será para Ti constantemente... Ensinaste-me, ó Deus, desde a minha mocidade; e até aqui tenho anunciado as Tuas maravilhas. Agora, também, quando estou velho e de cabelos brancos, não me desampares, ó Deus, até que tenha anunciado a Tua força a esta geração, e o Teu poder a todos os vindouros. Também a tua justiça, ó Deus, está muito alta, pois fizeste grandes coisas; ó Deus, quem é semelhante a ti? Tu, que me tens feito ver muitos males e angústias, me darás ainda a vida e me tirarás dos abismos da terra. Aumentarás a minha grandeza e de novo me consolarás" (Sl. 70[71]).

Observação da sua própria vida é uma das razões pelas quais pessoas, indiferentes à religião em sua juventude, mas tendo experimentado pessoalmente ao longo do caminho o poder da mão direita de Deus, crescem para se tornarem profunda e genuinamente religiosos em sua idade mais avançada. Apesar de antes terem sido insensíveis, elas se tornam agora pias, tementes a Deus, orantes. Piedade não é um indício de idade avançada. Está presente em pessoas de todas as idades, e seu fervor é naturalmente maior em idades mais jovens. No entanto "piedade de idade avançada" é uma indicação de experiência de vida não perdida, não negligenciada — um sinal de recordação das manifestações da graça de Deus.

 

Sobriedade da alma.

A fé Cristã é um estado de brilho, "diurno." Crenças em Deus, no mundo espiritual invisível, em vida após a morte física — são bastante realistas, porque a experiência as confirmou através de manifestações recebidas, ocorrências e revelações espirituais, que os Santos da Santa Igreja foram honrados com, assim como a beneficência da fé, sentida pelos membros da Igreja. Eis porque misticismo deve ser estranho a um Cristão, porque ele difere por seu afastamento da realidade, por sua convicção sobre sua extraordinária proximidade com o mundo espiritual e em sua habilidade em entrar nele. Nesse estado da mente, é fácil ser dominado por ilusões e perder a correta constituição ortodoxa da mente. Assim, os trabalhos de imaginação num estado de penumbra são capazes de apresentar para uma pessoa, imagens que estão muito afastadas da realidade.

A autêntica fé é sóbria, e todos orientadores para uma genuína vida Cristã, colocam a "sobriedade espiritual" como base de trabalhos espirituais. Sobriedade da alma salvaguarda uma pessoa de auto-ilusão, de ter opinião própria, de ficar desanimado e de ter uma auto-avaliação sobre sua falta de esperança. Essa é uma visão simples e direta da vida, e de todos à volta — uma visão que é iluminada com a luz da fé. A Igreja pede, em suas orações pelos fiéis, a concessão de "sobriedade da alma, perdão dos pecados e comunhão com o Espírito Santo." O Padre João de Kronstadt chamou o seu diário de "Minha vida em Cristo, ou, minutos sobre sobriedade e contemplações espirituais, sentimentos reverendos, e reforma espiritual e serenidade em Deus."

 

Forças da natureza.

A natureza vive sua própria vida interior, desconhecida para nós e praticamente inacessível para a ciência. As assustadoras forças escondidas dentro dela, mesmo nas menores partes de sua substância —foram mostradas no estudo dos átomos e sua liberação, ou em sua divisão. Ao mesmo tempo, quão macia e docilmente essas força funcionam na forma de vida do mundo. Que consonância na atividade dos elementos da natureza, e que colaboração, que mútua assistência! Considerem os ventos e as nuvens. Eles não têm sequer uma existência individual, não têm seu próprio vigor vivo, que está presente numa insignificante folha de grama. Eles são manifestações passageiras: o vento veio e foi, a nuvem se engrossou e foi lavada com chuva — foi-se. Porém notem como eles trabalham inteligentemente com o sol e um com o outro, especialmente por darem vida para as plantas. a nuvem lhes dá umidade e protege contra os raios causticantes do sol. No entanto, a nuvem não tem energia própria para se mover no ar, então essa tarefa é assumida pelo vento. Ele dirige a nuvem trazendo-a e levando-a. O vento então seca a terra, protegendo o solo de se tornar ácido, o que seria prejudicial para as plantas, e ao mesmo tempo evitando o efeito dos raios diretos do sol. Onde estais escondidos, vós poderes benignos, inteligentes, que estão ativos nessas manifestações? Aqui nós temos um bosque de árvores, não tocadas pelo homem e deixadas sozinhas. Se a mão do homem não interfere com a vida da floresta, seu arranjo será organicamente completo como uma coleção de organismos. Ela se cerca com uma orla de moitas de espinhos para proteção, permite o desenvolvimento de uma cobertura de solo que é mais benéfica para ela, coleta e armazena os reservatórios de água necessários para si, regula a penetração dos raios do sol em sua mata, preservando dentro dela as plantas menos robustas, os tipos menos resistentes delas. Por isso é que não é surpreendente que imagens panteístas tenham surgido na humanidade, idéias da presença de floresta, água e outros deuses. Transbordamento de sentimentos pela natureza por artistas, é parente do panteísmo, por exemplo, de Tiutchev: "Não é o que tu imaginas sobre a natureza—ela não é cega, não é uma imagem sem vida, ela tem uma alma, ela tem liberdade, ela tem amor, ela tem uma linguagem."Ele promove uma censura direta contra o então reinante materialismo.

"Eles não vêem e não ouvem,

eles moram no mundo como se fosse nas trevas,

para eles não há sol,

nem vida nas ondas do oceano.

Os raios nunca desceram em suas almas,

a primavera nunca brotou em seus peitos,

as florestas nunca falaram na presença deles,

e a noite estrelada estava muda.

E com uma língua não terrestre,

perturbando rios e florestas

o trovão não se aconselha com eles,

numa conversa amigável..."

Mas nesse caso, não teríamos chegado no panteísmo? Não, nossa mente deve elevar-se acima disso. Não é o átomo que é divino, ele que as pessoas dividem e forçam a servi-las. Aquilo que está sobre nosso total controle, e os animais não são divindades — mas somente parte disso. Quando o mesmo poeta apresenta o mundo como vestimenta de Deus, ele não está pensando panteisticamente: "A natureza faz a vestimenta universal de Deus, talvez." Essa imagem é muito próxima àquela dos Salmos que é mais clara: "Tu Te revestes de luz, como de um manto" (Sl. 103[104]).

A sabedoria escondida da natureza desperta nossos pensamentos. Ela instila em nós que fora a matéria e forças, existe algo mais elevado: a natureza tem sua própria audição como se fosse para realizar as diretivas de Deus: "Produza a terra...Produzam as águas... " (Gen. 1: 11 e 20). A figueira sucumbe com as palavras do Salvador: "Nunca mais nasça fruto de ti."(Mt. 21:19); e a tempestade do mar cumpre a diretiva Dele: "Cala-te, aquieta-te" (Mc. 3:39). A natureza é permeada com vontade de cumprir os objetivos dirigidos do alto; ela louva Deus com todo o seu ser, e cumpre as diretivas das hostes celestes: Principados, Domínios e Poderes. E nós confessamos nas orações (bênção das águas): Diante de Ti tremem os poderes espirituais; o sol canta louvores para Ti; a lua Te glorifica; as estrelas suplicam diante de Ti; a luz Te obedece; as profundezas temem a Tua presença; as fontes são Tuas servas...."

 

Chama de uma chama.

No primeiro capítulo da Epístola do Apóstolo Paulo aos Romanos, nós lemos: "Que a justiça de Deus é revelada de fé em fé." Isso é parecido com de chama em chama, e como nós deveríamos guardar essa chama! Sem ela nós somos como velas apagadas. A centelha da chama deve ser preservada. Nós devemos prestar atenção nos ventos contrários, isto é, na sociedade que é contrária à fé, livros que detratam a fé e pensamentos pessoais errantes.

De fé em fé. Portanto em sucessão. Nós apreendemos fé dos Apóstolos, de seus escritos que mantém perpetuamente em si a fonte viva da fé. Aqui a fé é concedida para o mundo. Nós apreendemos de Santos contemporâneos: aqui a fé é transferida por sua proximidade com nós, pela chama do poder da fé deles. Nós apreendemos na Igreja e da Igreja face a face com ela. Assim o Apóstolo João escreveu para seus filhos espirituais: "Tinha muito que escrever, mas não quero escrever-te com tinta e pena. Espero, porém, ver-te brevemente, e falaremos de boca a boca" (3Jo. 13-14).

De fé para fé. Ao longo de uma longa fila de décadas, a fé é transferida de uma geração de igreja para outra geração de igreja, dos pais para seus filhos, de Mártires, Confessores, Santos e Ascetas para pessoas que os viram, que apreenderam com eles, que viveram por pouco tempo conosco, mas de quem mantivemos santa memória. Essa é uma transferência santa, a transferência da fé. Eis porque nós valorizamos especialmente o conhecimento e instruções que recebemos de santos que viveram pouco tempo antes de nós: nós podemos acender nossa fé entrando em contato com a fé deles. E assim a corrente continua: "fé pela fé," dos tempos Apostólicos até nossa época contemporânea.

 

Ateísmo.

No seu livro, "Estudo dos Humanos" , o Professor Nesmelov expressou o seguinte: "O ateísmo é um conhecimento construído baseado na falta de conhecimento." O escrito é bastante acurado. Os ateus não vêem Deus, não O conhecem, e por isso não reconhecem Sua existência. Os mais cautelosos entre eles se chamam de "agnósticos," isto é, não conhecedores (seguidores do filósofo inglês Spencer), e logicamente, "não conhecendo" não têm a guia das leis religiosas. Pessoas de pensamento menos refinado raciocinam, lógica, mas erradamente, "Eu não conheço Deus, então Ele não existe."

 

O mundo — reflexo da Graça de Deus.

Nós não podemos negar a existência da razão na natureza, mesmo que para nós ela seja de forma desconhecida. Nós testemunhamos como uma planta assegura para si o espaço necessário para sua existência, procura e encontra no mesmo solo a variedade de nutrientes necessários para esse tipo de planta, que são tão variados para cada tipo de planta, obtendo-os através de uma eficiente decomposição química do solo. Da mesma forma, nós não podemos negar a existência no reino animal e vegetal de princípios estéticos e artísticos, que são revelados na variedade e harmonia de cores e formas. Testemunhando a amizade, colaboração e vontade de servir, nós temos dificuldade de rejeitar a presença de nada menos do que algo parecido com princípio moral na Natureza — quando uma folha de grama está preparada para servir de forragem para um animal, ou quando uma árvore se esforça para produzir uma melhor colheita para o conforto do homem; uma vontade que algumas vezes é próxima do auto-sacrifício. Alguns dirão que nós não podemos chamar isso de atributo moral, porque moralidade sugere uma vontade inteligente e livre. De fato, mas se é assim, então é necessário procurar a fonte de sensibilidade e sabedoria para essa insensibilidade. Os pensamentos se elevam para o Criador e para o poder da Providência do Espírito de Deus, concedendo à todas as coisas existentes "vida, respiração e tudo" (palavras do Apóstolo Paulo no Aerópago de Atenas segundo o Livro dos Atos).

Nesse sentido, o mundo, criação de Deus é um reflexo — seja ele fraco e pálido — dos atributos do seu Criador, e é para esse Primordial e Original que nossos pensamentos são dirigidos. Expressemos aqui as palavras de São João de Kronstadt em seu "Minha Vida em Cristo." "O mundo todo Céu e terra e tudo que está neles, o mar e tudo que está nele é a ilimitada efusão da bondade de Deus, Seu intelecto e eterno poder, bondade para com a criação, que Ele criou por alegria e felicidade, especialmente — alegria para a raça humana. O mundo é um espelho da bondade, intelecto, sabedoria e poder de Deus. Desse modo nós deveríamos nos ligar com Deus e não com o mundo. "Quem está lá no céu para mim?E conTigo eu não quero nada na terra. Minha carne e coração estão exaustos: Deus — é o firmamento do meu coração e é parte de mim para sempre."

 

Vida.

O que pode estar mais próximo dos nossos olhos ouvidos, mente — do nosso ser todo, do que a vida? Tudo vive, há vida em toda parte. Ao mesmo tempo, o que pode ser mais enigmático para nós do que a vida? Até os dias de hoje, as pessoas não chegaram a um acordo sobre se a vida é um começo inicial ou uma aparição secundária. É uma origem ou uma segunda colheita? A raiz da existência ou sua flor? Para aqueles que acreditam em Deus, não há dúvidas. O princípio vital está na base de todos os seres, e é implantado pelo Criador.

Assim que a vida deixa a matéria, esta se torna morta. Como a vida parte é inexplicável. Por mais que se queira capturá-la nesse momento, ele escapa como mercúrio escorrendo pelos dedos. Sem vida, cortada, grama ceifada — e a forma de vida dada a ela por Deus, a deixou. Uma pessoa morre e sua vida deixa o corpo. No entanto, ela não pereceu. No corpo destruído que foi entregue ao solo, o lugar dela será, devagar, ocupada por formas bem mais inferiores de vida. Porém seu princípio portador-de-vida, intelectual, consciente, que nós assumimos conscientemente, sua alma não morre. Antes de tudo, ela parte levando consigo o que ele trouxera para o corpo. Ela trouxera para a pessoa uma consciência em forma individual, pessoal — e ela a leva embora, tendo a preenchido com substâncias dignas de eternidade (e talvez não tão dignas).

Assim suspeita a razão. Mas, a fé Cristã dá testemunho firme e claro da imortalidade da alma. "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente"(Gen. 2:7). O sopro de Deus não pode perecer nunca! O corpo perece "E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu" (Ecles. 12:7). Essa é a nossa verdade revelada por Deus, essa é a nossa fé.

 

O que o maligno enuncia no mundo.

Junto com o que emerge à nossa volta da Natureza com razão, harmonia e beleza, nós também vemos o aparecimento de uma contraposição. Nós observamos catástrofes assustadoras na Natureza, que infligem sofrimento e morte para a matéria viva, e nós vemos a cegueira e falsidade do instinto no reino animal: hostilidade, o devorar do fraco pelo forte, e finalmente doença e morte. Essas manifestações abrem os nossos olhos para o verdadeiro caráter da Natureza, e não permitem que a deifiquemos. Graças a elas, nós reconhecemos a falsidade do panteísmo. É inerente a uma pessoa procurar um princípio superior e adorá-lo. No entanto, apesar dele ver a atividade e presença desse princípio em toda sua volta, a Natureza em si não pode ser tomada como esse princípio superior: ela tem o positivo e o negativo, ela tem razão e irracionalidade, ela tem o bem e o mal. Por isso, a própria Natureza nos sugere que há outro Princípio acima dela que é perfeito e completo. E como nós podemos reconhecer a divindade da Natureza, se o próprio homem se torna o seu mestre? O poeta Alexei Konstantinovich Tolstoy expressou a dualidade da Natureza — bem e mal — de forma artística.

"Só Deus é luz sem sombra

Fundido em Si

É a indivisível unidade de todas as manifestações

A plenitude do brilho de todo mundo;

Mas o poder radiante de Deus

Batalha com as trevas;

E ao Seu redor em tempos de alarme

Está a majestade da paz

A separação da criação

O vingativo caos não dorme

Desfigurando e pervertendo

a imagem de Deus em seus tremores:

E sempre cheio de engodos.

Contra a bondade de Deus

Ele tenta levantar

turvas ondas de lama

E os esforços do espírito maligno

Para quem o Todo Poderoso deu uma vontade

E o conflito dos princípios hostis

Está novamente ordenado

Na luta de morte e nascimento,

A Divindade estabeleceu

A eternidade da criação,

E sua continuação

pela glória da vida eterna."

 

Além da cortina do que é visível.

É duvidoso que qualquer um de nós não tenha memórias do passado, sobre fatos que falem de laços com o mundo espiritual — fatos que não podem ser explicados num sentido corporal, que dão testemunho de que existe um Olho Que Não Dorme nos vigiando. Ocorre que muitas pessoas fecham seus olhos e ouvidos para esses fatos, assim elas não vêem nem ouvem. No entanto, é mais do que freqüente que enquanto elas estão se lembrando desses fatos, elas não são capazes de reconciliar suas vidas com o que os fatos estão dizendo. Durante momentos de reflexão espiritual, esse mistério aflora —só para retornar aos recessos secretos de suas mentes. É raro que as pessoas vocalizem tais experiências. Isso pode acontecer porque a pessoa é modesta e não tem vontade de aparecer na imprensa, ou por causa de dúvida — se acreditarão nele — interpretarão como invenção ou como o produto de uma instabilidade espiritual? Apesar disso, alguns desses fatos encontram seu caminho para a imprensa. Esses fatos acumulados em um ano, eles formariam facilmente material para um livro. No entanto, reinando o materialismo, esse livro alcançaria seu objetivo? "...porque eles, vendo não vêem; e ouvindo não ouvem nem compreendem" (Mt. 13:13) e eles não querem se virar para Ele, Que está pronto para curá-los — essas pessoas cegas que declaram que se recusam a acreditar em milagres por princípio.

 

Julgamentos de Deus.

É perfeitamente claro para um Cristão que ele não deveria esperar por uma recompensa mundana ou uma vida agradável, por sua fé e piedade. O Salvador não prometeu abundância terrestre para Seus fíéis. Não é à toa que o símbolo do Cristianismo é a Cruz e a Crucificação. Todavia, sentimentos humanos não são estranhos para uma pessoa e o coração pergunta: porque os blasfemos estão rejubilando e prosperando — onde está a veracidade de Deus?

Esse tema tem sido colocado desde tempos imemoriais. Entre as primeiras localizações estão escritos antiqüíssimos, particularmente no Saltério. O Saltério apresenta o tema apaixonadamente, em exclamações muito audaciosas e ousadas: "Ó Senhor Deus, a quem a vingança pertence, ó Deus, a quem a vingança pertence, mostra-te resplandecente! Exalta-te, tu, que és juiz da terra; dá o pago aos soberbos. Até quando os ímpios, Senhor, até quando os ímpios saltarão de prazer? Até quando proferirão e dirão coisas duras e se gloriarão todos os que praticam a iniqüidade? Reduzem a pedaços o teu povo, Senhor, e afligem a tua herança" (Sl. 93[94]). "Quanto a mim, os meus pés quase que se desviaram; pouco faltou para que escorregassem os meus passos. Pois eu tinha inveja dos soberbos, ao ver a prosperidade dos ímpios. Porque não há apertos na sua morte, mas firme está a sua força. Não se acham em trabalhos como outra gente, nem são afligidos como outros homens. Pelo que a soberba os cerca como um colar;... E dizem: Como o sabe Deus? Ou: Há conhecimento no Altíssimo? (Sl. 72[73]).

E nesse mesmo Salmo, o salmista responde às suas queixas e frustrações, assim como ao seu desespero com o mal reinante. Não, as escalas de justiça existem e a retribuição vem no tempo apropriado. "Certamente, tu os puseste em lugares escorregadios; tu os lanças em destruição. Como caem na desolação, quase num momento! Ficam totalmente consumidos de terrores.E o salmista se arrepende de sua anterior falta de fé. "Assim, me embruteci e nada sabia; era como animal perante ti." Agora seus olhos foram abertos. "A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há quem eu deseje além de ti" (Sl. 72[73]).

O saltério não fala só da retribuição para os iníqüos, mas também conforta aqueles que são verdadeiros para com Deus e que colocam sua fé Nele. De outro lado seus pensamentos podem ser resumidos nas palavras de um Salmo: "Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas" (Sl. 33[34]). Isto é, existirão aflições, mas elas serão transientes. Deus concede Sua bondade ao coração tranqüilo daqueles que são fiéis a Ele. "Oh! Quão grande é a tua bondade, que guardaste para os que te temem, e que tu mostraste àqueles que em ti confiam na presença dos filhos dos homens! Tu os esconderás, no secreto da tua presença, das intrigas dos homens; oculta-los-ás, em um pavilhão, da contenda das línguas" (Sl. 30[31]:19-20). As mesmas palavras alegres enchem o renomado Salmo 90[91]): "Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo."

E existem tão poucos entre nós que após termos suportado vários eventos em nossas vidas, não repetiriam de todo coração as palavras do salmista no Salmo 123[124] inteiro:

"Se não fora o Senhor, que esteve ao nosso lado, ora, diga Israel: Se não fora o Senhor, que esteve ao nosso lado, quando os homens se levantaram contra nós, eles, então, nos teriam engolido vivos, quando a sua ira se acendeu contra nós; então, as águas teriam trasbordado sobre nós, e a corrente teria passado sobre a nossa alma; então, as águas altivas teriam passado sobre a nossa alma. Bendito seja o Senhor, que não nos deu por presa aos seus dentes. A nossa alma escapou, como um pássaro do laço dos passarinheiros; o laço quebrou-se, e nós escapamos. O nosso socorro está em o nome do Senhor, que fez o céu e a terra."

 

Triuno, Deus Trinitário.

Nós professamos Deus sendo uma "inexprimível, invisível incompreensível, Santíssima Trindade em Um." Deus é uma Trindade em três Pessoas, e não há Pessoa junior ou sênior entre Elas. Sua totalidade é expressa na Trindade; Deus está sobre nós, Deus está conosco, Deus está em toda criação e em nós.

Sobre nós está o Deus Pai — Fonte eternamente fluente, de acordo com as orações da Igreja, a Base de toda existência, nosso Pai, nosso Amor e nós somos Seus filhos, criações de Suas mãos.

Conosco está o Deus Filho — Seu nascimento deve-se ao Seu divino amor, para que Ele pudesse aparecer para as pessoas como um Humano, para que nós pudéssemos ver e reconhecer que Deus está conosco, numa imagem perfeita, "genuinamente" unido conosco.

Em nós e em toda a criação está o Deus Espírito Santo — enchendo todas as coisas: Que cumpre tudo, Doador-de-vida Que vive em tudo e em todos com Seu providencial poder, derramando Sua bênção de santidade sobre a Igreja do Filho de Deus, sobre os fiéis para os elevar e fazê-los dignos da comunhão com Deus nesse mundo, e fazê-los dignos da vida eterna em Deus.

O Apóstolo Paulo nos ensina: "Um só Deus e Pai de todos, o Qual é sobre todos (como os Santos Padres interpretam: Deus Pai), por todos (Deus o Filho) e em todos" (Deus, o Espírito Santo Efes. 4:6).

Durante a Festa de Pentecostes nossa Igreja canta: "Uma Essência, um Poder, uma Divindade, Que nós todos adoramos, dizendo: Deus Santo, Que criaste todas as coisas através do Filho, com a cooperação do Espírito Santo. Santo Poder, através de Quem nós conhecemos o Pai, e através de Quem o Espírito Santo veio para o mundo. Santo Imortal, ó Espírito Confortador, Que procede do Pai e descansa no Filho. Ó Santíssima Trindade, glória a Ti."

 

Então a fé é a base da vida.

O que é necessário para que a fé se torne firme, não vacilante, para que ela nos controle, dirija nossas ações, seja ativa, salutar, curativa, confortadora? O que é necessário para que as questões da vida não nos agonizem, não nos dirijam para fora de nosso equilíbrio espiritual? O que é necessário para que não sejamos como junco que balançam com qualquer vento?

Para isso, nós devemos pertencer a Igreja — em espírito e corpo — e viver uma vida com Ela. Um indivíduo sozinho no campo de batalha não é uma força significativa. Enquanto na Igreja — um por todos e todos por um, sob a direção de Cristo e na graça do Espírito Santo — a situação é completamente diferente. Na Igreja — como crianças nas casa de seus pais—nós estamos protegidos de todos os lados, há preocupação conosco, nutrição espiritual, calor e luz espiritual. Nós levamos nossas aflições para Ela, e nós encontramos cura para nossas doenças físicas e espirituais Nela.

Nós encontramos a plenitude da vida na Igreja no templo. Nesse santo lugar de louvação, nós nascemos através do batismo para a vida eterna, e nessa casa nós teremos nossa despedida final da vida terrestre. Será nela que nossa memória será preservada, e após a nossa morte, orações serão elevadas para o céu por nós.

 

Para aqueles que dizem: "Eu não vejo Deus."

Vós gostaríeis de conhecer uma pessoa que nunca pediu para si nada da vida e estava sempre feliz com o que tinha; que nunca se preocupou com sua saúde — mas estava sempre cheio de energia, e estava sempre vigoroso mesmo quando estivera quase sem qualquer repouso; não tinha riquezas, mas distribuiu milhares; tratou os gravemente doentes sem qualquer recurso a qualquer remédio; nunca procurou glória, mas era conhecido de todas as pessoas; nunca procurou qualquer prazer, mas estava sempre contente; que sempre teve paz em seu coração, predisposição para as pessoas, sem malícia, inveja, animosidade, sentimentos de aparências; cheio de humildade ainda que realizasse grandes feitos; cuja mente era lúcida e cujo coração era aberto para todos; que viveu sua própria profunda vida interna e ao mesmo tempo, cheio de amor por aqueles que eram próximos ou distantes dele?

Tal pessoa foi São João de Kronstadt, um contemporâneo de bem poucas gerações atrás. De onde o pastor de Kronstadt tirava sua força? O Padre João responde a essa questão numerosas vezes em seu diário com uma e a mesma expressão: "O Senhor é tudo para mim." Aqui estão suas palavras:

"Qualquer coisa que acalme meus pensamentos e meu coração, é submetido graficamente à minha memória para a contínua tranqüilidade de meu coração, entre as preocupações e alaridos da vida. Então, o que é isso? Isso é o poder calmante da afirmação Cristã, cheia de confiança viva e maravilhamento: o Senhor é tudo para mim. Aqui está o tesouro sem preço! Aqui está a preciosidade com a qual é possível se estar calmo em qualquer situação, com a qual é possível se estar rico na pobreza, e com a aquisição de riqueza — ser generoso e afável com as pessoas, com a qual mesmo após ter pecado não se perde a esperança. O Senhor é tudo para mim."

"O Senhor é tudo para mim: Ele é a força do meu coração e a luz da minha mente; Ele dirige meu coração para tudo que é bom, Ele o reforça; e Ele me dá pensamentos justos; Ele é minha tranqüilidade e alegria; Ele é minha fé, esperança e amor; Ele é meu alimento, minha bebida, meu atavio; Ele é minha morada. Assim como uma mãe é para uma criança: a vontade, a visão, audição, paladar, olfato, tato, e comida, bebida, atavio, mãos e pernas — assim é o Senhor tudo isso para mim, quando eu me submeto totalmente a Ele.

O Senhor é mais perfeito que toda bondade, que eu penso, sinto ou faço. Ó quão ilimitadamente grande é a graça ativa do Senhor dentro de mim! O Senhor é tudo para mim, e tão claro, tão constante. Minha — é só minha iniqüidade. Meus — são só meus pecados.

O Senhor é meu ser, o Senhor é a libertação da morte eterna, o Senhor é minha vida eterna, o Senhor é a purificação e libertação de muitos pecados e minha iluminação, o Senhor é a força contra minha fraqueza, em minha pusilanimidade e desesperança, o Senhor é o fogo doador-de-vida no frio, o Senhor é a luz nas minhas trevas, a serenidade em minhas apreensões, o Senhor é o protetor em minhas tentações. Ele é meus pensamentos, minhas aspirações, minha atividade — amo e agradeço ao Senhor incessantemente! Louvai ao Senhor, ó minha alma e não esqueça dos Seus benefícios, que purificam todas vossas iniqüidades, curam todas vossas enfermidades e vos dota de benevolência e generosidade, que preenche todas vossas requisições.

O Senhor é tudo para nós, e por nós mesmos nós podemos fazer muito pouco."

Essa é a fonte de força, felicidade e vida que São João aponta para ele próprio, e que ele está apontando para nós.

"Aqui está uma pessoa viva diante de nós: seus olhos estão focados em nós, seus ouvidos estão alertas e atentos; diante de nós estão seu corpo e alma, dos quais nós vemos o corpo mas não a alma. Enquanto isso, nós não vemos seus pensamentos, desejos e intenções, não há um só instante em que sua alma não esteja pensando e vivendo de acordo com seu estilo de vida. Precisamente da mesma maneira, há uma natureza visível diante, perto e dentro de nós, o completo e maravilhoso mundo de Deus; nele nós vemos vida em todo lugar, ordem harmoniosa, atividade — porém nós não vemos a Causa da vida e da ordem, nós não vemos o Artista. Mas no intervalo, Ele está ali, todo tempo e em todo lugar, assim como uma alma no corpo, só que não confinada por ele. Não existe um curto momento em que Ele, o Completíssimo Espírito, Sapientíssimo, Onipotente, Onipresente, não pense, não derrame bênçãos e sabedoria sobre Sua criação. Não há sequer uma fração de segundo em que Ele não aplique Sua sabedoria e onipotência, porque Deus é um auto-ativador que está eternamente produzindo. Por isso, ao verem o mundo, notai sua Fonte — Deus, como estando em todo lugar nele, como o cumpridor, ativador e arranjador de tudo."

"A onipresença de Deus é espacial e mental, isto é, Deus está em todo lugar — em relação a espaço e pensamento; onde quer que eu vá, física ou mentalmente, eu encontrarei Deus, e Ele estará diante de mim em todos os lugares."

Não são essas magnificentes palavras promulgadas por São João, suficientes para convencer as mentes que duvidam?

 

Folheto Missionário número P077c

Copyright © 2004 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

 

(apologetical_notes_m_pomazansky_1_p.doc, 09-25-2003)