A Bíblia.

Livros do

Novo Testamento

I


Conteúdo: Novo Testamento. Cronologia. Introdução aos Evangelhos. Mateus. Marcos. Lucas. João.


Novo Testamento

Passando do Antigo para o Novo Testamento, principalmente se o lermos na ordem tradicional do texto, não teremos a sensação de mudar de ambiente. Sua primeira página (Mt 1:1) apresenta-nos um quadro genealógico à maneira dos que, tão freqüentemente, encontramos nos livros históricos do Antigo Testamento. Uma genealogia que começa com Abraão, antepassado-cabeça do povo hebreu. Logo depois (Lc 3:23-38), outra cadeia genealógica se nos apresenta, a qual nos faz remontar até ao primeiro homem, esse Adão sobre o qual um capítulo inicial do Antigo Testamento chamou a nossa atenção. Teatro dos acontecimentos são as regiões, cidades e campos da Palestina. Vive-se num mundo judaico, entre instituições e recordações da lei antiga. As personagens dessa nova história falam-nos numa linguagem característica, à qual nos haviam habituado as páginas dos livros sagrados precedentes.

Não mudou o ambiente, mas outro é o ar que se respira. O espetáculo dum povo, duma nação singular, que no Antigo Testamento concentrava a atenção e o interesse do leitor, alarga-se aqui e restringe-sé a um só tempo, sob aspectos diversos. De um lado, o objeto das promessas divinas, a salvação que nelas se anuncia, uma vez derrubadas todas as barreiras .entre os povos, já não se restringe a uma pequena parte da humanidade, mas estende-se a todas as nações da terra. Por outro lado, a mensagem divina dirige-se diretamente a todos os povos, e cada qual, por si mesmo, aproxima-se da nova aliança, assume-lhe -pessoalmente as obrigações e usufrui-lhe os privilégios. A lei divina já não é escrita em tábuas de pedra, mas é impressa no coração do homem e, deste modo, torna-se ao mesmo tempo, mais humana, mais suave e mais eficaz. É um arauto da antiga aliança que, nestes termos, nos delineia a essência e nos dita, por primeiro, o nome do "Novo Testamento" ("Nova Aliança": Jer 31, 31-34).

A religião torna-se, assim, mais íntima, mais espiritual. No Novo Testamento já não ouvimos falar de conquistas e de reinos terrenos, mas anuncia-se-nos um reino de Deus que está dentro de nós (Lc 17:21; Rom 14:17). No Antigo Testamento, o horizonte humano restringia-se ao círculo da existência terrena e da vida ultraterrena não temos senão raras e vagas notícias. No Novo, ao invés, o espírito alça-se continuamente para o céu, e as promessas melhores e as mais fortes aspirações têm por objeto a vida futura. Na vida terrena, com o salmista (SI 38:13), o hebreu piedoso professava ser "adventício (hóspede) junto de Deus" e, por afeição ao seu Deus, pedia para ficar aí ó mais possível. Os crentes do Novo Testamento sentem-se "exilados do Senhor" e anelam por "exilar-se do corpo" e chegar à pátria (2Cor 5:6-8) , para dar o eterno abraço ao Pai celeste. Característico é o título, que Deus tem, de "Adonai" (Senhor) no Antigo Testamento, e de "Pai" no Novo, onde a primeira e mais comum oração inicia-se com a suave invocação: "Pai nosso, que estás nos céus" (Mt 6:9).

Respira-se um ar mais puro, mais suave, porque somos levados mais para o alto, para o cimo do monte sagrado. O valor. do homem está inteiramente nas virtudes morais, e para as próprias virtudes é proposto o ideal mais sublime (Mt 5:21-48). Temos no Novo Testamento a plenitude da revelação e a perfeição da moral. Tangível, sem dúvida, no Antigo Testamento um progresso da doutrina revelada, uma purificação da espiritualidade religiosa, um melhoramento correspondente dos costumes. Esta linha de elevação progressiva, realizada por especial providência de Deus, sobretudo por meio dos profetas, alcança o seu termo, tocando o vértice, no Novo Testamento. Sazonou aqui o fruto que se vinha preparando na florescência esplêndida das antigas Escrituras, o que vem dar ao Novo Testamento, com relação ao Antigo, uma superioridade de valor, para a nossa formação espiritual, que está em razão inversa da respectiva extensão do texto escrito e dos tempos abrangidos.

O Novo Testamento compõe-se, no cânon completo e definitivo de 27 escritos distintos: 5 livros históricos (os quatro Evangelhos e os Atos dos Apóstolos), 21 Epístolas de diversos apóstolos e 1 livro de índole profética, o Apocalipse. Tomados em conjunto, formam, em extensão, um quinto de toda a Bíblia e um quarto apenas do Antigo Testamento. Como espaço de tempo abrangem, quando muito, cerca de um século: desde o nascimento de Jesus Nazareno (5 a.C). até à morte do seu mais novo amado discípulo (cerca do ano 100 d.C.). Era o primeiro e o mais feliz dos séculos daquela longa pax romana, que, irmanando sob o cetro de um único monarca a imensa bacia mediterrânea, facilitava providencialmente a propagação da Boa-nova, pregada, primeiramente, num canto das fronteiras orientais do vastíssimo império. Nesse variado organismo de tão numerosos povos de origens e línguas diversas, uma língua sobressaía-se sobre as demais como a língua da cultura e ainda como a mais conhecida e difundida nas relações comerciais: a língua grega. E foi precisamente nessa língua universal que foram escritos e transmitidos até nós todos os livros do Novo Testamento (exceção apenas do Evangelho de S. Mateus).

É um grego fácil, claro, temperado pelo uso da linguagem falada, adequado à inteligência até das camadas mais humildes da sociedade, às quais era dirigida, com certa predileção, a nova mensagem da salvação evangélica. Nessa roupagem popular, os escritos neotestamentários difundiram-se rapidamente pelo Oriente inteiro, bem como pelo Ocidente, o mais das vezes escritos em papiros (cf. 2Jo 12), matéria vulgar e de baixo preço, que facilmente se rasgava e muito depressa se estragava. Por esta razão, somente fragmentos nos chegaram das cópias dos três primeiros séculos, preciosos, sem dúvida, como testemunhos da autenticidade daquelas veneráveis páginas. Do IV século em diante (antigüidade esta que, no caso, é de grande valor), generalizando-se o uso do pergaminho ou pele de carneiro, matéria muito mais sólida e resistente, chegaram até nós cópias inteiras, não só de cada um dos escritos, mas também do Novo Testamento inteiro.

Com a difusão e a multiplicação das, cópias, o texto, como acontece com as coisas humanas, sofreu, pelas mãos dos copistas, alterações de diversas espécies, que lhe ofuscaram a pureza primitiva, sem, todavia, prejudicar-lhe a substância. Surgiram, assim, tipos diversos de texto, com discrepâncias de códices, como lamentava, já no seu tempo (pelo ano 383), S. Jerônimo, o qual, emendando a antiga versão latina, com o auxílio de bons e antigos manuscritos gregos, reproduziu, na sua Vulgata, especialmente nos Evangelhos, o texto sagrado até bem próximo da pureza original; e nesse estado passou ao uso da Igreja latina. No império bizantino, prevaleceu, na idade média, um tipo de texto, no qual a união de leituras diversas, a conformação dos textos paralelos, o amaciamento das asperezas ou dificuldades, o brilho da língua fundiram-se numa composição temperada e descolorida, capaz de satisfazer as exigências de um público ávido de um alimento espiritual fácil, de preferência à precisão exegética. Dos manuscritos tardios dessa época, esse texto obscuro passou à imprensa do século XIV e dominou durante três séculos nos estudos bíblicos, contrapondo-se ao teor mais vetusto e austero da Vulgata latina. Daquele texto traduziram-se os Livros Sagrados nas línguas modernas com as versões do século XVI, de protestantes e de católicos.

Conhecendo, depois, os doutos os manuscritos mais antigos, sobretudo o Vaticano 1209 (B) , apareceu logo a superioridade do texto aí contido, e o texto bizantino, já pomposamente proclamado "texto aceitam por todos" (textus ab omnibus receptus), começou a perder o crédito, até que na segunda metade do século XIX foi definitivamente afastado não só das edições . críticas, como também das manuais e escolásticas. Críticos de grande renome, depois de longos e severos estudos, seguindo vias diversas, concordaram em aprovar um texto sensivelmente igual; tanto próximo dos mais antigos manuscritos e da Vulgata, distante do texto outrora em vigor. Graças aos progressos da crítica moderna, podemos dar hoje o texto genuíno dos Evangelhos e dos escritos apostólicos, e não somente quanto à substância, como também quanto aos pormenores.

 

Cronologia

Os escritos neotestamentários abrangem, como foi dito, um século apenas. Embora seja tão breve o espaço, a cronologia dos fatos nos apresenta, por falta de dados suficientes e precisos, dificuldades e incertezas. Daí a grande variedade de opiniões entre os estudiosos. As datas que, para utilidade dos leitores, apresentamos, são as mais comumente admitidas, tendo, porém, valor apenas aproximativo. Como ponto de partida, no uso da era vulgar ou cristã, enquanto o ano 1 deveria ser o do nascimento de Jesus, cumpre dizer, de fato, que, por causa de um erro inicial de cálculo cometido pelo primeiro que introduziu essa era no cômputo das datas (o monge Dionísio, o Pequeno, no ano 525; Cf. Migne, Patrologia latina, 67, 497-502), deve-se transportar aquele memorável e fundamental acontecimento para alguns anos atrás. Com efeito, consta, com certeza, do Evangelho (Mt 2:115; Lc 1:5) , que Jesus nasceu antes da morte de Herodes, o Grande, que caiu (como podemos deduzir por vários fios da história profana) no início de abril do ano 750 de Roma, que corresponde ao 4° antes da era vulgar. Colocamos o nascimento de Jesus Cristo no ano anterior (assinalado - 5) , embora permanecendo incerto quantos meses se passaram desde o seu nascimento até à morte do tirano. Outro caso grave de incerteza é a duração da vida pública de Jesus. A opinião que mais respeita os dados do texto evangélico é a que a fixa em dois anos e alguns meses. A esta atemo-nos, também nós, no seguinte quadro:

Ano

- 5. Nascimento de Jesus Cristo (Mt 2:1; Lc 2:1-7).

+ 8. Jesus perdido e encontrado no templo aos 12 anos (Lc 2:41-51).

28. Pregação de S. João Batista (Lc 3,1-3). Batismo de Jesus e início de sua vida pública (Mt 3:13-4:17 e paralelos).

30. Paixão, morte e ressurreição de Jesus; com a descida do Espírito Santo começa a pregação dos apóstolos e constitui-se a Igreja primitiva.

34. Martírio de Sto. Estêvão. Conversão de Saulo (S. Paulo).

37. S. Paulo, fugindo de Damasco, faz sua primeira visita a Jerusalém, hóspede de S. Pedro (At 9:23-28; Gál 1:18). S. Pedro evangeliza a Judéia e a Samaria; acolhe na Igreja os gentios convertidos (At 9:31-11:18). Cristandade de Antioquia.

43. Martírio de S. Tiago. S. Pedro, libertado do cárcere, "dirige-se para outro lugar (At 12:1-17), provavelmente para Roma. Dispersão dos apóstolos por toda a terra."

45. Primeira viagem apostólica de S. Paulo (At 13:1-14:25).

50. Concílio dos apóstolos em, Jerusalém; decreto para os convertidos do gentilismo (At 15:1-31).

50-52. Segunda viagem apostólica de S. Paulo, através da Ásia Menor, pela Acaia da Macedônia e da Grécia (At 15:36-18:22). Suas Epístolas aos fiéis de Tessalônica.

53-57. Terceira viagem apostólica de S. Paulo, pela Ásia Menor e pela Macedônia (At 18:23-21:2). As grandes Epístolas aos coríntios e aos romanos.

57-59. S. Paulo prisioneiro em Cesaréia da Palestina (At 21:17-26:32).

60-62. S. Paulo preso em Roma (At 27,1-28,30); Epístolas do cativeiro (Col, Ef, Flp, Flm). S. Tiago, o Menor, é morto em Jerusalém.

63-66. Últimas viagens apostólicas de S. Paulo. Epístolas pastorais.

67. Martírio de S. Pedro e de S. Paulo em Roma.

c. 90. S. João evangelista é exilado, por causa da fé, para a ilha de Patmos, onde escreve o Apocalipse (Apoc 1:9-11).

c. 100. S. João morre em Éfeso, depois de escrever o seu Evangelho e suas três Epístolas canônicas. Encerramento da idade apostólica e dos tempos bíblicos.

 

Introdução aos Evangelhos

Evangelho, do grego evangelion, que significa "alegre notícia," "boa-nova," é como foi chamada, com vocábulo adequado, a mensagem de salvação e de redenção que Jesus Cristo trouxe ao mundo. Depois, por extensão, o mesmo vocábulo passou a designar o livro portador da narração dessa mensagem.

Jesus, o verdadeiro autor, sob qualquer aspecto, do Evangelho, pregou, e não escreveu, mas a primeira origem do Evangelho escrita data, pode-se dizer, do primeiro dia em que o Mestre' divino foi arrebatado ao céu. Ao pregarem, os apóstolos, instruindo os novos fiéis, contavam os fatos e as palavras de Jesus. Essas instruções, tão freqüentemente repetidas, tomaram, com o tempo, uma forma que diríamos estereotipada; imprimiram-se na memória dos fiéis, que as transmitiam nas reuniões públicas ou nas conversas particulares. Nasceu, deste modo, o primeiro regato que concorreu para formar os Evangelhos, a tradição que remonta aos apóstolos. Com efeito, não tardou muito a se sentir a necessidade ou, ao menos, a utilidade de se fixar e, mais largamente, propagar, com a escrita, a mensagem evangélica. S. Lucas (1:1) fala de "muitos" que antes dele (pelo ano 60 d.C). haviam resolvido escrever uma narração do "que Jesus fez e ensinou" (At 1:1). Nesse "muitos" ou "vários" estão, ao certo, incluídos alguns a mais do que os nossos dois primeiros evangelistas (Mateus e Marcos), anteriores a Lucas; mas é pelo menos duvidoso que aqueles lógia (palavras de Jesus não contidas nos Evangelhos canônicos), que o Egito, recentemente, restituiu à luz com os seus papiros, sejam fragmentos ou restos de alguns dos escritos visados aqui. pelo evangelista. Podem, porém, remontar àqueles primeiros tempos, pelo menos quanto ao núcleo, alguns evangelhos, como o chamado dos hebreus, dos ebionitas, dos doze ou dos egípcios, dos quais os Padres da Igreja, principalmente S. Jerônimo e Sto. Epifânio, nos transmitiram alguns trechos. Não assim outros evangelhos, dos quais nos chegaram quase que só os nomes (e precisamente nomes de apóstolos: de Pedro, de Tomé, de Bartolomeu etc). os quais são todos de origem posterior (séculos II ou III d. C.; cf. ALTANER, Patrologia, § 9). De toda essa floração de evangelhos, quatro somente a Igreja reconheceu corno inspirados por Deus e dignos de serem equiparados, por autoridade inigualável, aos livros sagrados do Antigo Testamento. São os Evangelhos que, por cadeia ininterrupta de testemunhos, a qual, de elo em elo, remonta aos discípulos imediatos dos apóstolos, nos são atestados como obras dos apóstolos Mateus e João e dos discípulos Marcos e Lucas.

De fato, Papias, bispo de Hierápolis na Frígia, que viveu nos primeiros decênios do II século, nos cinco livros de Esclarecimentos (ou Explicações), lembrando com quanto cuidado, na juventude, ele procurava interrogar os discípulos dos apóstolos sobre o que tinham dito aqueles anciãos, afirma que "Marcos, intérprete de Pedro, escreveu cuidadosamente tudo o que recordava das suas instruções," que "Mateus compôs em língua hebraica os discursos (tá lógia)," que "o Evangelho de João foi publicado e comunicado às Igrejas pelo próprio João, ainda vivo." Destarte três dos nossos Evangelhos recebem já um testemunho explícito. Irineu, bispo de Lião, de uma geração apenas posterior a Papias, no terceiro dos livros Contra as heresias (c. 9-11), acrescentando-lhes Lucas, dá-lhes a série completa e, com energia, adverte expressamente que, nem mais nem menos de quatro são ou podem ser os Evangelhos (ib. 11). Ou melhor, com mais exatidão, tendo em conta que a "boa-nova" é propriamente uma: a mensagem de Jesus Cristo, e que esses quatro livros são redações ou aspectos diversos daquele Evangelho único (donde o uso constante, na Igreja, de dizer "Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus, segundo Marcos" etc.), criou a feliz e expressiva locução de "Evangelho tetramorfo," isto é, "quadriforme." Pelo tempo de Irineu, como revelam estudos recentes (veja Revue bénédictine, 1928, pp. 193-214), um católico desconhecido, provavelmente romano, compôs, contra a serpeteante heresia de Marcião, os mais antigos prólogos aos Evangelhos com notícias inéditas sobre cada um dos evangelistas. Dentro ainda do mesmo 11 século, narra-nos o chamado Cânon muratoriano, fragmento de um escrito a nos atestar a crença comum da Igreja romana, a origem e difusão dos quatro Evangelhos e precisamente na ordem tradicional e comuníssima de Mateus, Marcos, Lucas e João. Taciano, na Síria, por volta do ano 180, funde os Evangelhos numa narração única e intitulada "diatessáron," isto é, resultante de quatro, professando deste modo, no próprio nome da obra, o número fixo quaternário dos verdadeiros Evangelhos. O mesmo afirmam, em seus escritos, pelo mesmo tempo, no Egito, Clemente Alexandrino e, em Cartago, Tertuliano. No século seguinte, o III, com os escritores Origines, Hipólito, Cipriano, Vitório de Petau, com as versões latinas, coptas, siríacas, como número crescente dos manuscritos do texto, é o coro de todas as Igrejas do Oriente e do Ocidente que se forma e proclama unanimemente os quatro Evangelhos segundo Mateus, segundo Marcos, segundo Lucas e segundo João, sem se erguer uma voz sequer em contrário até ao século XIX. Que outro escrito da Antigüidade pode ostentar aprovação tão abundante, tão variada e tão próxima das origens?

Os próprios Evangelhos, apenas consultados e examinados, apresentam um testemunho concorde com a tradição. O de Mateus (para tocar aqui somente alguns passos mais notáveis) apresenta-se dirigido aos judeus, para os persuadir, com as contínuas chamadas às profecias do Antigo Testamento, de que Jesus de Nazaré é verdadeiramente o Messias prometido à nação escolhida. O de Marcos, reflexo das instruções de S. Pedro aos fiéis de Roma, é o mais entremeado de vocábulos e construções latinas, e a respeito de S. Pedro, mesmo omitindo certos fatos que mais o honram (caminhar sobre as águas, o primado, a taxa paga juntamente com a de Jesus), sabe dizer-nos mais do que os outros evangelistas. Em Lucas, além da maior pureza da. língua e do estilo, gregos, encontramos idéias, frases, relatórios (por exemplo, sobre a instituição da Eucaristia, cf. Lc 22:19-20 e 1Cor 11:24-25), que se conformaram com os de S. Paulo, de quem foi, durante anos, companheiro fiel. O quarto Evangelho mostra-se-nos claramente escrito por um dos doze que mais perto estiveram de Jesus, por alguém que sempre se acha presente nos acontecimentos, mas que nunca se nomeia e oculta-se sob a circunlocução "aquele discípulo que Jesus amava." Posto em confronto com os outros Evangelhos, deduz-se, por exclusão, que aquele "discípulo que Jesus amava" só pode ser João. Além disso, em muitos pontos da sua estrutura, esse Evangelho supõe claramente a narração dos três outros, e está inteiramente preocupado em agre= sentar as provas da divindade de Jesus, posta em dúvida ou negada pelas heresias, que germinaram na Ásia Menor, como sabemos pela História Eclesiástica. São precisamente as circunstâncias e os motivos aduzidos ou supostos pelos testemunhos acima citados. Atestações externas e qualidades intrínsecas confirmam-se, portanto, e sustentam-se reciprocamente para escoimar de qualquer dúvida ponderável as autenticidades dos quatro Evangelhos canônicas.

Por que quatro, e não mais? E por que precisamente esses e não outros são os Evangelhos reconhecidos e aceitos pela Igreja? A razão verdadeira e essencial é que só esses, e não outros, foram compostos por inspiração divina e foram comunicados à Igreja como palavra de Deus escrita. Esse é o sentido claro dos testemunhos antiqüíssimos acima citados. A origem apostólica, isto é, o terem por autores apóstolos (Mateus e João) ou discípulos dependentes dos apóstolos (Marcos e Lucas) _era uma garantia para eles, mas não constituía o seu motivo próprio e adequado. Estabelecido, porém, o fato da inspiração divina e, por isso, da canonicidade desses quatro somente, nada impede que descubramos, para esse número, outras razões de conveniência, como já fez Sto. Irineu, no lugar acima citado (III, 11), e entrevermos algum símbolo nas próprias Escrituras divinas do Antigo e do Novo Testamento. Entre todos, célebre é um que teve imensa ressonância na literatura e nas artes: os quatro seres das quatro faces ou rostos, de homem, de leão, de touro,e de águia, que sustentavam e puxavam o carro divino visto por Ezequiel (Ez 1:4-10) e pelo evangelista S. João, em êxtase (Apc 4:2-7). Encontram-se, outrossim, interessantes analogias e comparações entre cada um desses animais e um dos nossos Evangelhos, de modo que o homem, se tornou símbolo de Mateus; o leão, de Marcos; o touro, de Lucas e a águia, de João. Pode-se afirmar que as suas figuras são reproduzidas em todas as igrejas cristãs e em cada exemplar ilustrado da Bíblia.

Literariamente, os Evangelhos pertencem ao gênero histórico. Não são propriamente uma história, pois concentram toda a atenção sobre uma única pessoa: Jesus de Nazaré. Não são, tampouco, apenas uma biografia propriamente dita, pois não pretendem narrar toda a vida e atividade de seu herói, com o intuito de informação. Têm por objetivo narrar a mensagem da renovação moral e religiosa que Jesus trouxe ao mundo, e mostrar a sua obra redentora em atuação. Fazem, por isso, uma seleção entre o muito que podiam dizer e aproximam-se, destarte, do gênero dos "fatos e ditos memoráveis," mas com referência específica à finalidade mencionada.

Seja qual for, porém, o modo com que se queira determinar ou não o gênero próprio dos Evangelhos, o certo é que, do gênero histórico, eles possuem o que constitui o seu supremo e primeiro valor, a finalidade própria e suprema: a veracidade da relação e a realidade objetiva dos fatos registrados. Do historiador verdadeiro e perfeito, os evangelistas possuem o amor da verdade na indagação, e a sinceridade e imparcialidade no referir. Não foram paixões políticas, nem preconceitos ideais, nem interesses pessoais que os moveram e sustentaram ao escrever. Não há vestígios desses sentimentos, que poderiam ofuscar o juízo sereno do escritor, em sua prosa límpida e serena. Simples e desataviado, claro e popular é o seu estilo. Pessoalmente, quanto eles amam o divino Mestre, mostrá-lo-ão mais tarde ao darem por ele o sangue e a vida. Ao escrever, porém, essa chama eles a conservam encerrada no coração, não permitindo que se exteriorize e lhe inflame a pena. Narram os milagres do Nazareno sem se admirarem com eles. Referem os aplausos e o entusiasmo populares, mas não compartilham das aclamações; registram, apenas, fatos. Não silenciam os insucessos do Mestre e a nenhum período de sua vida narram com tanta difusão como sua dolorosa e humilhante paixão. Entre tantas amarguras e ultrajes, porém, que relatam pormenorizadamente, não lhes foge um só gemido de compaixão pelo inocente torturado, nem um grito sequer de indignação contra os seus cruéis crucificadores. Dir-se-ia que são impassíveis, mas é a impassibilidade do historiador integral. E como é próprio do historiador narrar o que vê e o que.ouve, o que cai sob a esfera dos seus sentidos e pode ser afirmado, os evangelistas, em seus depoimentos, jamais ultrapassam o limite dos fatos sensíveis e como tais atestados. Da própria ressurreição de Jesus, fato da maior importância por numerosas razões, eles não nos dizem quando nem como se deu, porque nenhum deles esteve presente. Falam do sepulcro aberto encontrado vazio, porque assim o viram os discípulos e as piedosas mulheres, falam das aparições de Jesus redivivo, porque as pessoas favorecidas com tais aparições afirmaram concorde e repetidamente que o tinham visto, tinham falado com ele, tinham comido e bebido em sua companhia, depois da sua ressurreição (At 10:41). Não se poderia desejar atitude mais objetiva e mais própria num puro historiador. Nada falta aos evangelistas daquilo que se pode referir aos fatos que narram, nem que se relaciona com a imparcialidade e exatidão em os referir como haviam chegado ao seu conhecimento. Somente isto, mesmo prescindindo da assistência do Espírito Santo que os animava, confere à narração toda a garantia da verdade. Não é sem razão que o próprio termo "evangelho" tornou-se, no uso, sinônimo de verdade evidente. Nossa fé, que tem suas raízes no Evangelho, também humanamente falando, apóia-se sobre as mais sólidas bases. Intenção sinceramente desejosa de verdade e coração dócil para a abraçar tal qual ela é, são as disposições mais adequadas para a leitura proveitosa do Evangelho.

 

Introdução a Mateus

Mateus (nome talvez abreviado de Matatias) exercia, antes de seu chamamento ao apostolado, a profissão de cobrador de impostos, profissão, já de per si, detestada por todos, que se tornava ainda mais antipática ao povo judeu por favorecer, tal cobrança, a dominação romana. Os publicanos, os cobradores de impostos; eram considerados como pecadores públicos.

Mateus estava sentado à sua banca de trabalho quando foi chamado por Jesus. Levantou-se logo e o seguiu, dando adeus ao mundo com um banquete oferecido a Jesus e aos próprios colegas de profissão, "publicanos e pecadores" (Mt 9:9-10). Nas passagens paralelas de Marcos (2:14) e Lucas (2:27), por delicada consideração, é ele chamado Levi, outro nome seu, segundo um costume freqüente entre os hebreus.

A partir de então entra a fazer parte do colégio dos doze, sem que nada de importante o pusesse em evidência. No catálogo dos apóstolos é colocado invariavelmente junto a Tomé, ao qual, por sentimento de humildade, se pospõe no seu Evangelho, lembrando o seu ofício de publicano.

Depois da ascensão de Jesus, ficou algum tempo na Palestina, evangelizando seus compatriotas. A que regiões tenha depois levado a luz da fé, que ele confirma com seu sangue (se a Arábia, a Etiópia, a Pérsia ou a região dos partos), não nos foi transmitido com certeza.

Em ordem cronológica, S. Mateus é o primeiro evangelista, conforme resulta da tradição. Pelo testemunho de Papias (95,165), bispo de Hierápolis na Frígia, sabe-se que escreveu em aramaico "ta lógia kyriaká," mas esta expressão, segundo o pensamento do próprio Papias, quando fala do Evangelho de S. Marcos, compreende não só os discursos, como também os fatos da vida de Jesus. Mateus não escreveu, portanto, uma simples coletânea dos discursos de Jesus, como afirmam, sem razão, alguns críticos, mas escreveu o "Evangelho do Senhor."

O texto aramaico não chegou até nós, pois perdeu-se, quiçá, nas agitações e destruições devidas à guerra do ano 70. Cedo, porém, desde os primeiros anos do cristianismo, fêz-se a redação, ou melhor, a versão grega do Evangelho de Mateus, sem, contudo, podermos saber qual o seu autor; talvez o próprio apóstolo. Com efeito, a tradição atribui-lhe também unanimemente o texto grego; pelo menos quanto à essência, é plenamente idêntico ao texto aramaico. Os Padres apostólicos citam-no sempre, desde o início, como texto sagrado e inspirado, à semelhança das outras Escrituras, e foi unicamente sobre ele que se fizeram todas as versões.

Pelo que se deduz da tradição e do exame interno, Mateus escreveu o seu Evangelho na Palestina, destinando-o aos judeus convertidos e em geral aos seus compatriotas. A tese que visa a demonstrar é que Jesus é o filho de Davi, prometido e esperado, o Messias, ou melhor, o verdadeiro Filho de Deus. Provar a messianidade, a divindade de Jesus Cristo, constitui, portanto, a finalidade do primeiro evangelista. E o faz não tanto referindo os milagres de Jesus, quanto fazendo notar nele a realização das antigas profecias e insistindo nas provas que Jesus deu de sua divindade.

Não se pode estabelecer com certeza a data da composição do primeiro Evangelho. Pode-se, sem temor algum de errar, estabelecer o termo inferior, abaixo do qual certamente não foi escrito. De fato, conforme o testemunho unânime e constante da tradição (não faz exceção à voz ambígua de Clemente Alexandrino) o Evangelho de Mateus deve ter sido o primeiro a ser escrito, por isso, antes do de Lucas, cuja composição, como se verá, não pode nem deve ser posposta ao ano 63 d. C. Quanto ao termo superior, as opiniões são divergentes: muitos dão- lhe por data de composição o ano 50 ou mesmo antes. Deve-se, contudo, dizer que é falsa a afirmação dos racionalistas, segundo os quais teria sido escrito após o ano 70.

O quadro seguinte do Evangelho de S. Mateus colocará sob nossas vistas toda a sua estrutura.

1 parte - História da infância de Jesus Cristo. (1-2). Genealogia de Jesus (1:1-17). Seu nascimento virginal (1:18-25). Adoração dos magos (2:1-12). Fuga para o Egito (2:13-18). Volta a Nazaré (2:19-23).

2 parte - Vida pública de Jesus Cristo (3-25).

1. Preparação para a vida pública (3:1-4:11). Pregação de João Batista (3:1-12). Batismo de Jesus (3:13-17). Tentação no deserto (4:1-11).

2. Ministério de Jesus na Galiléia (4:12-18:35). Jesus doutor e promulgador da nova lei (4:12-7:29). Jesus operador de milagres (8:1-9:34). Jesus mestre dos apóstolos (9:35-10:42). Jesus recrimina os fariseus (11-12). Expõe, com parábolas, o reino de Deus (13). Confirma a fé dos discípulos com novos milagres e fustiga a inveja dos fariseus (14:1-16:12). Promete a Pedro o primado (16:13-20), prediz sua paixão (16:21-28) , transfigura-se no monte (17, 1:13) e dá instruções diversas aos apóstolos (17:14-18:35).

3. Ministério na Judéia (19:25). Viagem a Jerusalém (19-20). Entrada triunfal na cidade santa e purificação do templo (21:1-17). Jesus manifesta e censura os vícios dos fariseus e dos saduceus (21:18-23:39). Prediz a destruição de Jerusalém e o fim do mundo (24-25).

3 parte - Vida dolorosa e vida gloriosa (26-28).

Preparação para a paixão (26:1-46). Paixão e morte de Jesus (26:47-27:66). Ressurreição, aparição de Jesus ressuscitado, missão dos apóstolos (28).

Aqui vem, no entanto, a propósito notarmos alguma coisa sobre a chamada "questão sinótica." Os três primeiros Evangelhos assemelham-se mais entre si e distinguem-se do quarto, segundo João, na narração da vida pública de Jesus, principalmente de três modos: estendem-se mais difusamente sobre o ministério na Galiléia e regiões limítrofes; para eles Jesus vai a Jerusalém uma só vez, pouco antes da paixão; referem os fatos e os discursos de Jesus em proporções quase iguais. Em João, ao contrário, predomina o ministério exercido em Jerusalém, para onde se vê Jesus dirigir-se pelo menos cinco vezes, e os discursos preponderam sobre os fatos. Além disso, os três primeiros nos referem muitas vezes os mesmos fatos na mesma ordem e até mesmo com idênticas palavras. Esta particularidade mereceu-lhes dos críticos a denominação de "Evangelhos sinóticos." A tamanha semelhança correspondem, porém, de outra parte, divergências assaz notáveis, que dão a cada um dos Evangelhos a fisionomia própria. De tudo isso o leitor encontrará confirmação com uma leitura atenta e comparativa dos sinóticos ou mesmo depois que com eles se familiarizar. Trata-se agora de explicar, ao mesmo tempo, semelhanças e dissemelhanças com uma sentença harmônica sobre a origem dos Evangelhos e relações mútuas. É a chamada "questão sinótica." Há dois séculos apresentaram-se várias e discordantes soluções, sem ter-se chegado a uma sentença comumente aceita. A seguinte, que leva em conta todos os dados do problema, inclusive os testemunhos históricos dos santos Padres, vai-se firmando sempre mais nos meios católicos.

Ao Evangelho escrito precedeu o Evangelho pregado, por um período de cerca de vinte anos, durante os quais a vida de Jesus, exposta nas instruções ou catequeses dos apóstolos, foi assumindo, pela escolha e organização do material, um esquema determinado e uniformemente repetido. Formou-se deste modo uma tradição oral, que serviu de base aos escritores. Com essa tradição, confirmada, enriquecida pela própria experiência pessoal, Mateus compôs o seu Evangelho em aramaico. Transplantado para Roma por S. Pedro, que já na Palestina fora o seu mais eficaz formador, esse esquema de catequese oral foi literalmente consignado por S. Marcos, em língua grega. Nessa mesma Roma, pelos anos 60-61, senão antes, S. Lucas deve ter conhecido bem esse Evangelho grego, e serviu-se dele para escrever o seu elaborado, para o qual consultou fontes orais e escritas (Lc 1:1-4). Tendo-se propagado no Oriente de língua grega o Evangelho de S. Marcos, dele se serviu também aquele que, qualquer que tenha sido (veja acima), traduziu para o grego o Evangelho aramaico de S. Mateus, dando-nos, deste modo, o texto canônico do primeiro de nossos Evangelhos. Resta explicar, para dar uma razão de todos os acordos e desacordos, as coincidências, mesmo verbais, entre Mateus e Lucas, nas passagens em que Marcos nada tem que lhes corresponda. Para essas, não parecendo verossímil que Lucas tenha conhecido Mateus em grego (pense-se, por exemplo, na história da infância e na genealogia de Jesus, tão diversas nos respectivos Evangelhos), autores católicos são inclinados a postular uma fonte comum escrita.

 

Introdução a Marcos

O autor do segundo Evangelho é Marcos. Unânime é o acordo sobre este ponto, não havendo notas discordantes nem mesmo da parte dos críticos mais radicais. Tão claro e unânime é o sufrágio da tradição, que remonta, com os mais autorizados testemunhos das Igrejas em peso, até aos últimos anos do século 1, à primeira geração cristã pós-apostólica.

Outro ponto certo e admitido por todos: assim como Marcos foi colaborador de Pedro na pregação do Evangelho, foi também o porta-voz e o intérprete autorizado na elaboração do Evangelho e transmitiu-nos, por meio desse texto, a catequese do príncipe dos apóstolos, tal qual ele a ensinava aos primeiros cristãos, principalmente da Igreja de Roma. Sobre isso também temos o testemunho claro e preciso da tradição.

Um fragmento de Papias, bispo de Hierápolis, na Frigia, pelos anos 110-130, conservado por Eusébio na sua História Eclesiástica (liv. III, fim), afirma expressamente, referindo-se às declarações do presbítero João: "Eis o que dizia o presbítero: Marcos, tendo sido intérprete de Pedro, escreveu com exatidão, não, porém, de modo ordenado, tudo o que recordava das coisas que o Senhor disse ou fez." O primeiro elo da tradição não é, portanto, Papias, e sim o presbítero João, que, segundo os melhores críticos, deve-se identificar com o apóstolo S. João. Outros elos dessa tradição temo-los nos testemunhos de Irineu, Justino, Clemente Alexandrino, Tertuliano, Origines etc., que nos relatam o pensamento autêntico das Igrejas dos primeiros séculos.

Nos Atos dos Apóstolos o futuro evangelista é chamado ora João Marcos (12:12-25;15:37), ora João (13:5,13), ora simplesmente Marcos (15:39) , pois nessas passagens trata-se sempre da mesma pessoa, a qual, segundo um costume então em voga na Palestina, tinha, além do nome judaico, um nome greco-romano, como, por exemplo, o grande Apóstolo dos gentios, que se chamava Saulo e Paulo.

Marcos devia pertencer à família bastante rica e de grande ascendente na comunidade cristã de Jerusalém. Com efeito, em sua casa "onde várias pessoas se haviam reunido para orar" (At 12:12), refugiou-se o apóstolo Pedro quando o anjo o libertou do cárcere de Herodes. Pretendem alguns deduzir disso que a casa de Marcos deve-se identificar com o cenáculo.

Marcos era primo de Barnabé (Col 4:10), levita, natural de Chipre e, quando este, juntamente com Paulo, foi designado pelos irmãos da comunidade de Antioquia para levar as esmolas à Igreja de Jerusalém, na volta levou consigo Marcos, para lhe servir de auxiliar (At 13:5) no labor da evangelização. Efetivamente, Paulo e Barnabé o levaram como colaborador na primeira viagem apostólica. Mas ao chegarem a Perga, na Panfilia, Marcos separou-se dos dois missionários e achou melhor voltar a Jerusalém. Esta fraqueza e inconstância de caráter não agradaram a Paulo, que se recusou a levar Marcos como companheiro na segunda viagem missionária, pelo que o próprio Barnabé, separando-se de Paulo, foi com Marcos para a ilha de Chipre, enquanto Paulo e Silas rumaram primeiro para a Síria e para a Cilícia e depois para a Grécia. Deste modo, por disposição providencial de Deus, a boa-nova difundiu-se mais largamente.

Aquela nuvem passageira não diminuiu e muito menos rompeu ás relações fraternas entre os dois apóstolos. Com efeito, Marcos foi depois colaborador fiel de Pedro e de Paulo. Este escrevia, de Roma, onde se achava prisioneiro, aos fiéis de Colossas (4:10): "Saúda-vos Marcos, primo de Barnabé"; e a Filêmon: "Saúda-te Marcos, meu colaborador" (v. 24). Estava, pois, Marcos, nessa época, por volta do ano 61-62, com Paulo. Alguns anos mais tarde, pelo ano 63-64, ele cuidava da evangelização juntamente com Pedro, o qual escrevia de Babilônia (= Roma) na sua primeira carta (5:13): "Saúda-vos meu filho Marcos," palavras que nos deixam crer que Marcos recebeu de Pedro o batismo.

Deve ter deixado Roma antes da perseguição de Nero, no ano 64, pois quando Paulo aí esteve para a segunda prisão, Marcos não estava. De fato, na sua segunda epístola a Timóteo (4,11) Paulo pede-lhe que venha a Roma e traga Marcos consigo.

Antigas tradições muito autorizadas atestam que nos anos seguintes Marcos evangelizou o Egito e fundou a Igreja de Alexandria, onde morreu mártir por Jesus Cristo.

Em Roma, Marcos escreveu o Evangelho, como no-lo confirma a tradição representada por Papias, Irineu, Clemente de Alexandria, Tertuliano e outros, não para os judeus, e sim para os cristãos da Igreja romana, convertidos do paganismo. Segundo Clemente de Alexandria, ele escreveu a pedido de muitos cristãos que tinham ouvido a pregação de Pedro (cf. Eusébio, História Eclesiástica, VI, 14,6). Essa notícia encontra confirmação evidente em não poucas indicações, resultantes do exame interno do segundo Evangelho. Efetivamente, Marcos propõe-se como fim demonstrar que Jesus é verdadeiro Filho de Deus, e o faz especialmente com a narração de muitos milagres que ele operou, sinais evidentes de que é o senhor supremo da natureza, dos elementos, da vida, que tem poder para ler nos corações e no livro do futuro. Não insiste sobre o seu caráter de Messias, nem cita as antigas profecias que em Jesus tiveram a sua realização, com exceção de uma só vez (1:2-3). Não relata longos discursos de Jesus nem suas discussões com os fariseus, nem as questões relativas ao valor da lei e ao espírito dos fariseus, coisas essas todas que não teriam impressionado o espírito dos seus leitores. Usa, porém, freqüentemente, de grecismos e traduz algumas expressões aramaicas; explica aos destinatários do seu Evangelho algumas indicações geográficas da Palestina, usos e costumes próprios dos judeus. Entre os evangelistas é ele o único a lembrar que Simão de Cirene era pai de Alexandre e de Rufo, membros da comunidade cristã de Roma (cf. Rom 16:13). Indícios todos estes bastante persuasivos de que o segundo Evangelho foi escrito, como afirma a tradição, em Roma, com referência particular aos cristãos romanos convertidos do paganismo.

A composição do segundo Evangelho deve ser colocada antes do ano 70, ou melhor; antes do ano 63, época em que já tinha sido publicado o Evangelho de Lucas, o qual, como já admitem também os críticos acatólicos, depende de S. Marcos. Ora, sabemos pela tradição, como foi dito ao falarmos do Evangelho de S. Mateus, que, em ordem cronológica, este Evangelho ocupa o primeiro lugar, e que teria sido escrito, provavelmente, entre os anos 50 e 54. Podemos, portanto, afirmar que Marcos escreveu o seu Evangelho depois do ano 54 e antes do ano 61, no período em que ele devia encontrar-se em Roma, junto com o apóstolo Pedro, como seu auxiliar na fundação da Igreja de Roma.

Eis um resumo esquemático do Evangelho de Marcos:

Introdução. Preparação para a vida pública de Jesus (1:1-13). Pregação de João Batista (1:1-8); batismo de Jesus; tentação no deserto -(1:9-13).

1 parte - Ministério público de Jesus (1:14-10:52).

1. Ministério na Galiléia. Inauguração da pregação de Jesus (1:14-45). Conflitos com os escribas e os fariseus (2:1-3:6). Milagres de Jesus; escolha dos apóstolos; parábolas (3:7-4:43). Outros milagres e episódios do ministério de Jesus na Galiléia (4:35-7:23).

2. Viagens de Jesus fora da Galiléia. À região de Tiro e de Sidônia (7:24-30); a Decápole (7:31-8:26); à região de Cesaréia de Filipe (8:27-9:29); volta à Galiléia e viagem a Jerusalém (9:30-10:52).

2 parte - Paixão e glorificação de Jesus (11:1-16:20).

Ingresso triunfal de Jesus em Jerusalém (11:1-11). Conflitos com os fariseus (11:12-12:44). Predição da destruição de Jerusalém, e do juízo final (13). Paixão e morte (14:1-15:47). Glorificação de Jesus (16).

Por este sumário pode-se notar uma característica do segundo Evangelho: a brevidade.

Além disso, outra característica do Evangelho de Marcos é a vivacidade intuitiva da narração. Seu vocabulário é mais pobre e restrito; o estilo, monótono e descuidado, reflete o modo de pensar e de expressar-se próprios de um oriental simples e rude, bem longe da riqueza de linguagem e da perfeição do período elaborado do grego clássico. A narração, entretanto, é viva, colorida, pitoresca até nos mínimos particulares e faz os acontecimentos reviverem ante os olhos do leitor, quais os tinha tantas vezes ouvido o próprio Marcos dos lábios do apóstolo Pedro. Nisto está a explicação da característica do segundo Evangelho. Marcos apenas reproduz e retrata a partir do natural a história evangélica, revivida e descrita por uma testemunha ocular, que tomou parte nela e que a tinha sempre presente.

 

Introdução a Lucas

O Evangelho de S. Lucas ocupa o terceiro lugar entre os Evangelhos canônicos, e isso em ordem de lugar e de tempo também, segundo a tradição mais certa. As poucas notícias que dizem respeito à vida deste evangelista tiram-se sobretudo dos Atos dos Apóstolos, escritos por ele.

Nascido em Antioquia, segundo uma antiga e autorizada tradição recolhida por Eusébio (Hist. Ecles., III, 4-6), de família pagã, grego de estirpe e por educação, possuía, além do domínio da língua grega que aprendera na infância, também uma boa cultura, como se pode ver pelos seus escritos, dedicando-se à profissão de médico, como no-lo atesta S. Paulo (Col 4:14). Conheceu e abraçou a religião de Cristo, talvez por obra dos primeiros pregadores do Evangelho em Antioquia (At 11:19-24).

Com S. Paulo, que jamais diz tê-lo gerado para Cristo, encontramo-lo, pela primeira vez, em Trôade, na segunda viagem missionária do grande Apóstolo, que então (pelo ano 50 d. C). estava para fazer a travessia da Ásia, com destino à Grécia. Daí por diante, esteve quase continuamente ao seu lado (executando, nas várias ausências, missões confiadas pelo próprio Paulo), qual discípulo afeiçoado e colaborador zeloso no ministério sagrado da palavra. "Somente Lucas está comigo," escreve tristemente o Apóstolo, prisioneiro pela segunda vez, em Roma, na 2a Epístola a Timóteo (4:11) que é como que o seu testamento espiritual. Não se sabe pois com certeza onde nem até quando o evangelista viveu depois do martírio de S. Paulo.

O próprio Lucas diz-nos (1,3) ter realizado indagações e ter recolhido informações a- respeito dos atos e das palavras de Jesus, justo dos que os haviam presenciado. Dentre esses informantes, sobretudo nos primeiros capítulos do seu Evangelho, pode-se ouvir ainda a voz suave da própria mãe de Jesus. Mas, o Evangelho de S. Lucas recebeu de S. Paulo, senão o primeiro impulso, certamente sua característica: a universalidade da salvação, as portas da salvação abertas aos gentios, a inexaurível misericórdia divina, o perdão dos pecados, a oração e a perseverança são os temas que de mais relevância se revestem neste Evangelho, que, pela suavidade de afetos de que é impregnado e pela graça da expressão, é de todos o mais atraente.

É também sua especialidade o prólogo de sabor clássico, com a dedicatória a um ótimo cristão de nome Téófilo e a disposição peculiar da matéria, como se pode ver pelo sumário abaixo, no qual nos estão indicados, em caracteres normandos, as partes peculiares de Lucas.

Prólogo. Motivo, modo e finalidade que o levaram a escrever o Evangelho (l:l-4).

1 parte - Infância e vida privada de Jesus (1:5-2:52). Um anjo anuncia o próximo nascimento do Precursor (1:5-25). O anjo anuncia a Maria o nascimento do Salvador, Jesus (1:26-38). Maria vai visitar Isabel (1:39-56). Nasce o Precursor e recebe o nome de João (1:57-80). Nasce e é circuncidado o Salvador (2:1-21). Jesus é oferecido no templo na purificação de Maria (2:22-39). Jesus fica perdido e é encontrado no templo (2:40-50). Sua vida oculta em Nazaré (2:51-52).

2 parte - Vida pública de Jesus (3:21). A preparação (3:1-4:3): João, o Precursor, prega o batismo de penitência (3:1-19). Jesus (sua genealogia, 3:23-28) é batizado por João, retira-se para o deserto e é tentado pelo demônio

(3:21-4:13). O ministério: pregação e milagres (4:14-21:38) em três regiões distintas:

1. Na Galiléia (4:14-9:50), em três fases:

A) Até à escolha dos apóstolos (4:14-6:11). Sermão infrutífero e perigo que corre em Nazaré (4:14-30); pregação e curas de doentes em Cafarnaum (4:31-44); pregação feita de dentro da barca de Pedro e pesca milagrosa (5:1-11); cura do leproso (5:12-16) e do paralítico (5:17-26); o chamamento do publicano (Levi-Mateus), nova vida e novos costumes (5:27-39); observância do sábado (6:1-11).

B) Até à missão dos apóstolos (6:12-8:56). Jesus escolhe doze e chama-os de apóstolos (6:12-16); profere-lhes o sermão ou discurso do monte (6:17-49); cura do servo do centurião (7:1-10); ressuscita o filho da viúva de Naim

(7:11-17); recebe os discípulos de João, do qual faz o elogio (7:18-35); recebe e louva a pecadora arrependida (7:36-50); as piedosas mulheres que o seguem (8:1-3); parábola do semeador (8:4-18); os parentes de Jesus (8:19-21); a tempestade acalmada (8,22-25); curas de endemoninhados (8:26-39), da hemorroíssa (8:40-48); ressuscita a filha de Jairo (8:49-56).

C) Até à partida da Galiléia (9:1-50). Jesus envia os apóstolos a pregar e a curar os doentes (9:1-9); com poucos pães sacia 5000 pessoas (9:10-17); responde a Pedro, (que o reconhece como Messias) predizendo a própria paixão e recomendando a abnegação de si mesmo (9:18-27); transfigura-se no monte

(9:28-36); cura um menino possesso (9:3742); dá lição de humildade e de moderação (9:43-50).

2. Em viagem para Jerusalém, na Peréia (9:51-19:28). Jesus envia os discípulos na frente e dá-lhes diversa instruções (9:51-10:24); parábola do bom samaritano (10:25-37); em casa de Marta e Maria (10:38-42); força da oração (11:1-13); o poder de expulsar demônios (11:14-26); a verdadeira bem-aventurança (11:27-28); o sinal de Jonas (11:29-36); censura os fariseus e os escribas (11:37-54); advertências às turbas contra a vanglória, o respeito humano, a avareza, a solicitude excessiva dos bens temporais (12:1-34); vigilância (12:3548); sinais e tempo para fazer penitência (12:49-13:9); curas em dia de sábado, o reino de Deus e sua obtenção (13:10-14:24); disposições para seguir a Jesus (14:25-35); alegria por um pecador convertido (15:1-10); parábola do filho pródigo (15:11-32); do feitor infiel (16:118); do rico glutão (16:19-31) , outros avisos (17:1-10); cura dos dez leprosos (17:11-19); preparação para a vinda do reino de Deus (17:20-37); parábolas do juiz e da viúva (18:1-8); do fariseu e do publicano (18:9-14); condições para entrar no reino de Deus (18:15-30); Jesus em Jericó prediz sua paixão (18:31-34); cura um cego (18:35-43); entra em casa do publicano Zaqueu e converte-o (19:1-10); parábola dos servos e das dez minas (19:11-28).

3. Em Jerusalém (19:29-21:28). Jesus entra festivamente em Jerusalém (19:29-40) e chora sobre sua sorte (19:41-44); expulsa os mercadores do templo (19:45-48); responde às queixas dos invejosos (20:1-8); parábolas dos maus

vinhateiros (20:9-19); o tributo a César (20:20-26); e ressurreição dos mortos (20:27-40); Davi e Cristo (20:21-44); contra a vanglória (20:45-47); o óbolo da viúva (21:1-4); Jesus prediz a destruição do templo e de Jerusalém (21:5-24) e, aludindo ao fim do mundo (21:25-28) , exorta à vigilância (21:29-38).

3 parte - Paixão e ressurreição de Jesus (22-24).

Nesta parte são especiais a Lucas: a primeira distribuição do cálice na ceia pascal (22:15-17); a discussão entre os apóstolos por causa da promessa e da missão confiada a Pedro (22:24-32); as duas espadas (22:35-38); o suor de sangue no horto (22:43-44); o olhar de Jesus a Pedro (22:61); o conciliábulo da manhã (22:66-71); Jesus no tribunal de Herodes (23:6-12); suas palavras às piedosas mulheres (23:27-31); o bom ladrão (23:39-43); aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos de Emaús (24:13-35); a ascensão de Jesus ao céu (24:44-53).

Que o médico Lucas, companheiro de S. Paulo, seja o autor deste Evangelho, não pode haver dúvida nenhuma, pelo testemunho constante e unânime de todos os antigos, quer aqueles dos manuscritos ou versões do texto, quer os dos escritores de todos os quilates, tanto hereges (como Marcião) quanto católicos, testemunhos estes confirmados pelo exame intrínseco deste Evangelho. De fato, como obra de um grego de nascimento, ele não contém (caso único entre os Evangelhos) nenhuma palavra aramaica, nem mesmo o comuníssimo "rabi," e entre todos os escritos do Novo Testamento (exceção feita da Epístola aos Hebreus) é o que tem a locução mais conforme ao gênio da língua grega.

Escreveu Lucas o seu Evangelho antes dos Atos dos Apóstolos, que são como que a continuação daquele (At 1:1) e, por isso, provavelmente não só antes da morte de S. Paulo (ano 67), que nos Atos é ignorada, mas também antes do fim da prisão do Apóstolo (ano 63), com a qual se encerra esse último livro. Em suma, por volta do ano 60.

 

Introdução a João

O quarto Evangelho, pela feição particular que o caracteriza, afasta-se dos Evangelhos sinóticos. Seu fim principal, como o nota o próprio autor (20:31), é fazer ressaltar a divindade de Cristo, e para tal fim convergem tanto a elevação dos discursos, reproduzidos com os mesmos milagres narrados e o prólogo admirável, que se refere ao "Verbo que se fez carne, e nós vimos a sua glória como de filho unigênito do Pai" (1:14).

Por causa desse caráter transcendente que o reveste, os antigos Padres chamaram o quarto Evangelho com um termo próprio: Evangelho espiritual; os gregos, por sua vez, deram a João o título de Teólogo.

Não é que a figura de Jesus nele delineada seja diferente da que dele traçam os sinóticos, pois, ainda que o quarto Evangelho realce mais o aspecto divino, não se descuida do seu aspecto humano e aquele seu Jesus combina perfeitamente em tudo com o dos sinóticos.

Da leitura de muitas de suas páginas, como por exemplo, de alguns milagres como a cura do cego de nascença, a ressurreição de Lázaro etc., escritas com tão admirável simplicidade e vivacidade de colorido, que revelam a testemunha ocular, surge bela, eloqüente a figura humano-divina de Jesus, todo bondade e misericórdia, como o dos sinóticos. Aí encontramos identificada a doutrina com as mesmas verdades e os mesmos preceitos, ainda que mais desenvolvida e mais elevada. É que cada um dos evangelistas escolheu e narrou o que da vida e dos ensinamentos do Mestre interessava ao seu objetivo, sem pretender esgotá-lo sob todos os aspectos.

Compare-se o seguinte quadro do quarto Evangelho com os que apresentamos nos três precedentes estudos.

Prólogo. O Verbo divino que se faz carne (1:1-18).

1 parte - Jesus manifesta sua divindade e é reconhecido pelos homens de boa vontade (1:19-4:54). Pregação de S. João Batista e seu testemunho a respeito de Jesus (1:19-35); primeiros discípulos de Jesus (1:36-51). Primeiro milagre de Jesus nas bodas de Caná (2:1-12). Em Jerusalém, Jesus purifica o templo (2:13-22); faz milagres e muitos crêem nele (2:23-25); instrui Nicodemos (3:1-21). Na Judéia com os discípulos, que batizam; novo testemunho de João Batista (3:22-36). Colóquio com a samaritana (4:1-42) e volta à Galiléia; cura o filho de um oficial (4:43-54).

2 parte - Oposição dos judeus à pregação de Jesus (5-12). Em Jerusalém: cura do paralítico (5:1-9); os judeus são pela observância do sábado (5:10-16). As ações de Jesus, Filho do Pai (Deus) e tríplice testemunho em seu favor (5:17-47). Na Galiléia, Jesus multiplica uns poucos pães para 5.000 homens (6:1-15) e em Cafarnaum profere um sermão às turbas sobre o pão que desce do céu (promessa da eucaristia; 6:16-60); defecção de muitos de seus discípulos

(6:61-7,1). Em Jerusalém, na festa dos Tabernáculos; pregação no templo e hostilidade dos judeus (7:2-52); acusação e absolvição da mulher adúltera (7:53-8:11). Jesus é a luz do mundo (8:12-20) , o Salvador e Filho de Deus (8:21-59). Cura do cego de nascença e irritação da oposição (9). O bom pastor (10:1-18). Dissensões entre os judeus (10:19-21). Em Jerusalém, na festa da Dedicação (10:22-39). Na Peréia (10:40-42), Jesus ressuscita Lázaro (11:1-46); os judeus deliberam fazê-lo morrer (11:47-57). A ceia em Betânia, seis dias antes da Páscoa (12:1-11). Ingresso triunfal em Jerusalém (os Ramos: 12:12-19); pressentimento da paixão (12:20-28); último apelo à fé (12:29-36). Causas da incredulidade dos judeus (12:37-50).

3 parte - Paixão, morte e ressurreição de Jesus (13-21).

Última ceia: Lava-pés (13:1-20); saída de Judas (13:21-32); longo sermão após a ceia (13:33-16:33); oração de Jesus ao Pai (17). No horto, Jesus é capturado (18;1-12), levado a Anãs e depois a Caifás, é negado por Pedro (18:13-27). Jesus no pretório de Pilatos; primeiro interrogatório, flagelação e coroação de espinhos (18:28-19:3). Segundo interrogatório e condenação (19:4-16). No Calvário: crucifixão e morte (19:17-30); golpe de lança no lado de Jesus e sepultura (19:31-41); aparições de Jesus ressuscitado: à Madalena (20:1-18); aos discípulos, na ausência de Tomé (20:19-23); ainda aos discípulos, com Tomé (20:24-31); às sete pessoas perto do lago de Tiberíades (21:1-14). Confirmação do primado a Pedro (21:15-19). Destino e veracidade do evangelista (21:20-25).

Procurou o autor conservar-se anônimo, mas ocultou seu nome sob um véu tênue e transparente, que se intui com toda a facilidade. Com efeito, por um exame atento resulta que o autor é judeu, que conhece, até mesmo nos mínimos particulares, as instituições judaicas e os acidentes topográficos da Palestina e de Jerusalém, no tempo de Cristo.

Desse exame resulta ainda ser o escritor um judeu de origem, que, escrevendo em grego vulgar, revela-se judeu no estilo, no desenrolar dos períodos, em muitas locuções próprias das línguas semíticas, no paralelismo que usa quando se lhe apresenta a ocasião e na modalidade mesma dos conceitos. Essas características - cumpre notá-lo - oferecem-nos valioso argumento para afirmar a unidade do quarto Evangelho, sem eruditos acréscimos de vários elementos hauridos de fontes diversas e também sem descontinuidade de pensamento e de finalidade, como pretenderam certos críticos, guiados por seus preconceitos apriorísticos.

Resulta outrossim ser o autor um judeu que afirma com insistência, para garantir a verdade do que narra, ter sido testemunha ocular dos fatos (1:14;19- 35), como o afirma também o autor da primeira epístola atribuída a S. João, a qual é como que a introdução e o complemento do seu Evangelho (cf.1Jo 1:1-3).

Resulta, além disso, que o autor é um discípulo de João Batista, que se tornou um dos primeiros discípulos de Jesus; que pertence ao colégio apostólico e que foi o discípulo predileto de Jesus. Coisa estranha: ele jamais fala dos dois filhos de Zebedeu, Tiago e João. Ora, dos três discípulos que Jesus amava mais, o autor do quarto Evangelho não pode ser Pedro, pois mais de uma vez se percebe que é distinto dele. Tiago, irmão de João, também não pode ser, pois foi condenado à morte por Herodes Agripa (no ano 43).

Todos os dados apresentados verificam-se com exatidão no apóstolo S. João, confirmando plenamente a voz autorizada da tradição. Aos testemunhos implícitos, isto é, às citações anônimas do quarto Evangelho, que se encontram nalguns Padres apostólicos e que remontam aos primeiros decênios do século 11, poucos anos após ter sido escrito,, unem-se os testemunhos explícitos das várias Igrejas do Oriente e do Ocidente, representadas por nomes e documentos autorizados, como Papias, Polícrates, Irineu, Justino, Teófilo de Antioquia, o Fragmento muratoriano, para falarmos somente dos mais antigos.

Esse conjunto de testemunhos implícitos e explícitos é unânime em afirmar que o quarto Evangelho foi escrito pelo apóstolo João, o discípulo predileto de Jesus.

Pela leitura do quarto Evangelho vemos que João já supõe conhecida pelos seus leitores a vida de Jesus, antes narrada pelos sinóticos e que ele quer completar o que aqueles escreveram. Quando o escreveu, o cristianismo já se achava amplamente difundido, de modo especial no império romano, e o clima religioso da Igreja bastante mudado em relação ao tempo em que os evangelistas escreveram os sinóticos.

Na Ásia Menor tinham começado a pulular os multiformes erros do gnosticismo, que negavam a divindade de Cristo e sob o rótulo aparente de ciência superior, tentavam insinuar-se nas comunidades cristãs. Para combater esses erros sedutores e estabelecer as bases irrefragáveis da divindade de Jesus Cristo, João escreve então o seu Evangelho. Com essa finalidade, ele narra muitos discursos de Jesus e alguns milagres que projetam mais luz sobre a divindade do Salvador. Não nos deve causar admiração o fato de Jesus ter dirigido discursos mais elevados aos escribas e aos fariseus do que os que dirigiu às turbas da Galiléia, e que esses discursos - não referidos pelos sinóticos por não se enquadrarem com o seu escopo - proferidos à maneira de perguntas e respostas, com sentenças curtas e pejadas de conceitos, como era então costume fazer-se entre os rabinos, tenham ficado indelevelmente impressos na mente de João, que os meditava diariamente e repetia com freqüência, em suas catequeses aos primeiros cristãos. Reproduziu-os, por isso, fielmente no seu Evangelho, pelo menos quanto à substância, e o mais das vezes também com as próprias palavras que o Mestre pronunciou.

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Folheto Missionário número P027b

Edição da Igreja da Proteção de Nossa Senhora

Copyright (c) 2000 and Published by

Holy Protection Russian Orthodox Church

2049 Argyle Ave. Los Angeles, California 90068

Editor: Bishop Alexander (Mileant).

 

(biblia_sept_6.doc, 09-09-2000).

Edited by

Date

Jean Medawar

09-09-2000