José,

Homem de Coração Místico

Sentido de Sua Obra Como Guardião

Do Milagroso Ícone da Mãe de Deus de Montreal, Vertedor de Mirra.

Traduzido por Suzanna Boyko

 

 

Conteudo:

I. Chave Para Sua Personalidade.

II. Vida Espiritual.

Oração. As Tentações E O Consolo. O Estudo Da Palavra De Deus E O Sacramento Da Comunhão.

III. Servir.

Os Dons Da Humildade, Da Misericórdia, Do Consolo, Do Juízo E Da Vidência. Iconografia – Sua Obra.

IV. O Ícone.

Eleito. A Mirra E Outras Revelações Do Ícone.

V. Teologia.

Responsabilidade. A Igreja. Legado.

VI. Martírio.

VI. Sinal Ou Simbolismo. Rússia E O Exílio.

Sinal. Ícone Do Mártir E A Glorificação De Optina. Salvação Da Rússia.

 

 

"A Rússia necessita de um exemplo de verdadeiro monge,

aquele que possa rejeitar por completo o mundano

e que se ofereça a Deus..." (José Muñoz)

I. Chave Para Sua Personalidade.

O aparecimento de um justo no mundo é sempre um mistério. Particularmente quanto aos justos no mundo de hoje - podemos afirmar que é um mistério em dobro. Podemos observar que ainda nos tempos antigos os santos pais profetizavam que no final dos tempos os justos estariam velados aos olhos das pessoas, que esses justos não fariam milagres explícitos, os seus feitos espirituais, os seus sinais, os simbolismos, sua vida propriamente dita, seriam velados ao mundo em redor. José Muñoz Cortez, guardião do Milagroso Ícone de Montreal, não é somente um mártir cristão mas também, irrefutavelmente, um grande justo que viveu em nossos dias. Sua vida está velada para nós por uma opaca cortina de mistério, tal qual foi dito pelos profetas com respeito aos justos dos últimos tempos. Nós podemos tão somente, com reverente e silencioso respeito, contemplar ou meditar sobre o lado visível de sua vida e sua obra.

José, dentre todos, possivelmente é o mais misterioso justo situado num vasto período de décadas ou até séculos. Podemos relatar apenas um resumo do lado misterioso de sua vida.

Não sabemos com precisão todas as circunstâncias de sua infância e juventude. Além do mais, o próprio José pouco antes de seu martírio, instruiu à "Casa do Ícone," que, quando forem escrever a seu respeito (ele profetizou isso) que nunca escrevessem nada sobre sua família (exigência feita por sua mãe).

Também são mistério as circunstâncias de seu relacionamento com o mosteiro da Natividade, no monte Athos, onde em 1982, ele recebeu o ícone de Nossa Senhora de Íver de Montreal. Existem pelo menos duas versões quanto à doação do ícone, que são bastante contraditórias.

José Muñoz, tinha sido ele um monge? Ele próprio confidenciou essa informação a alguns amigos e até mostrou seu paraman monástico (parte do vestuário de um monge - tecido com uma cruz bordada, usado nas costas sob as vestes). Lamentávelmente, porém, não foi possível obter essa confirmação no mosteiro da Natividade, no monte Athos, que seria o lugar mais provável de sua tonsura, já que o staretz Clemente, abade do mosteiro, faleceu em 1997, seis meses antes da morte de José . Portanto não temos informação exata sobre sua tonsura. Esse mistério levaram consigo o skimonach (o mais alto grau na hierarquia monástica) Clemente e o irmão José.

Para muitos, sua relação com o mundo exterior também foi bastante estranha. Aos 14 anos José, católico, foi convertido para a Ortodoxia pelo arcebispo Leôncio do Chile, por outro lado, muitas pessoas próximas a ele, católicos, nem sabiam que ele era ortodoxo, souberam somente depois de sua morte .

José era pessoa de profunda espiritualidade e sensibilidade, e oferecia sua mão aos chamados ‘dejetos da sociedade’, às pessoas decaídas, o que provocava questionamentos e estupefação de muitos.

Quanto ao seu fim próximo, José tinha conhecimento dele por intermédio do staretz Clemente, que inclusive também previu as calúnias que cairiam sobre ele após sua morte. Não se sabe quem eram as pessoas que o perseguiram, nem porque ele, mesmo sabendo que estava em perigo, não procurou segurança.

Finalmente, existem duas datas para o seu nascimento e duas para sua morte...

Confessamos que pelo menos até hoje não pudemos desvendar essa cortina de mistério relacionada à sua personalidade e responder a todas as perguntas que se apresentam nas divergências entre os diversos relatos de sua vida.

Mesmo assim, tentaremos encontrar a chave dentro da sua personalidade e assim usá-la para traçar o perfil de sua alma e também entender a base de seu trabalho, do seu servir, desse homem tão surpreendente que é José Muñoz.

É evidente que não é possível explicar a vida de José usando a lógica humana normal. Entretanto isso não significa que tudo relacionado a ele não tenha lógica. José, o escolhido da Mãe de Deus, seguia uma lógica, não a terrestre mas a celeste, a mais transcendente e misteriosa, na pura tradição do misticismo ortodoxo, que abrange a clarividência (tainozrénie, tainovédenie), quando o conhecimento provém não do processo racional ou sensorial, mas sempre como iluminação, resultado de uma revelação divina que se manifesta a uma personalidade íntegra. É precisamente essa personalidade íntegra que se formou em José, pela Sua graça, nos anos em que serviu o ícone de Nossa Senhora. É nesse sentido que podemos chamar José de tainovídetz, ou seja vidente.

Tendo sido vidente da Providência Divina, José em todas as circunstâncias de sua vida confiava-se unicamente à vontade de Deus. E esta é que é a chave para o conhecimento de sua personalidade.

E novamente confessamos que não sabemos de que forma esta vontade Divina se abria para ele. Sabe-se entretanto que às vezes essas manifestações vinham do além (iz górnego míra): aparição da Mãe de Deus e dos santos escolhidos. Outras vezes não cessava a sua comunicação com seus orientadores espirituais (já finados). Pelo menos dois deles – o Vladika Leôncio e a abadessa Madalena – depois de seu bem-aventurado falecimento apareceram e se comunicaram com ele.

Em outras ocasiões a vontade de Deus se manifestava a José através de sua alma, por sua clarividência e constante estado de oração com o mundo espiritual. Antes de viajar com o ícone, José sempre se ajoelhava e pedia Nossa Senhora que lhe mostrasse a vontade de Seu Filho. E quando essa vontade se manifestava ele se mantinha firme até o final. Por esse motivo acontecia às vezes que José cancelava uma determinada viagem já agendada e partia com outro destino causando perplexidade nas pessoas. Existe a sabedoria terrena, existe uma outra sabedoria, a celeste. José optou pela celeste. Ele costumava repetir os seus versos favoritos, do profeta Isaías : O meu pensamento não é o vosso pensamento nem os vossos caminhos os Meus ..... (Isaias 55,8-9). Certa vez perguntaram a José: Será que não é muito difícil ao senhor conciliar a atividade de rotina com o seu trabalho espiritual (o podvig). Ele respondeu: "Eu não tenho culpa de ter duas personalidades dentro de mim." Posteriormente registraram o seguinte diálogo entre uma senhora que tinha ligação espiritual com José e a abadessa Serafima (Liven): "Me parece, matushka, que o mistério envolvia José porque ele estava com um pé na terra e outro no céu" . – Nada disso, respondeu a matushka, "ele sempre estava todo ele no céu."

 

II. Vida Espiritual.

Oração.

A comunicação do irmão José com o mundo espiritual acontecia principalmente através da oração incessante. Nós somos devedores ao irmão José pelas suas orações e pela graça de termos tido o milagroso ícone. Lembremo-nos de que, ao trazer o ícone do monte Athos para Montreal, ele começou a rezar diáriamente o Akafist à Nossa Senhora diante do ícone, e então ela começou a verter mirra.

José implorou em orações para receber o ícone e o recebeu, e não o escondeu das pessoas e fez promessa de não se enriquecer por conta do ícone. Ele levou o milagre até o povo. Lamentávelmente as pessoas recebiam esse milagre como algo extraordinário mas que era o "normal" deste ícone e José costumava dizer "muitos pensam que o ícone vai verter mirra para sempre, ele porém poderá cessar."

Raras pessoas se detiveram para ponderar o fato de que José, mesmo depois de implorar e receber o ícone (vímolil icónu), ainda continuava a implorar pela continuidade dessa graça, que pelo intermédio do ícone pudesse socorrer o povo sofredor.

A base da sua prática espiritual ortodoxa (a oração de Jesus), foi plantada pelo seu pai espiritual – o arcebispo Leôncio do Chile. Posteriormente as suas dúvidas relativas à prática de sua vida espiritual eram esclarecidas com poucas pessoas, em encontros raros de profundo conteúdo. Eram pessoas de personalidades bem-aventuradas como o arcebispo Antônio da Europa Ocidental, a abadessa Margarida do mosteiro de Lesna na França, abadessa Serafima Kniajevskaia da Bulgária e com certeza o seu último pai espiritual, o staretz Clemente do Monte Athos.

Como exemplo da influência benéfica do arcebispo Leôncio sobre José podemos avaliar pelo seguinte episódio. Certa vez um amigo de José

recebeu deste uma séria repreensão e recomendação espiritual e ficou ressentido, para o que José respondeu, "porque você se ofendeu? O Vladika Leôncio era ainda mais rigoroso comigo." E era verdade que o Vladika Leôncio mantinha José com rigor e fez dele um verdadeiro monge, ensinou a ele a oração incessante de Jesus e conduziu-o à revelação do pensamento. Estas duas partes da incessante oração (úmnoie délanie) é que ajudaram-no a servir o ícone, que foi uma tarefa muito complexa.

José dizia que a oração de Jesus o permite realizar inúmeras viagens com o ícone. Pois como poderia ele durante a viagem cumprir a sua regra monástica? A oração de Jesus preenchia essa lacuna, sem ela ele nem poderia finalizar a tarefa. O seu último pai espiritual staretz Clemente deu-lhe permissão de rezar a oração de Jesus em substituição à regra monástica de orações. Aqueles que viajavam com José podiam observar que ele ficava sentado em posição que era peculiar à prática hesicástica, cabeça inclinada, queixo colado ao peito, em profunda concentração, rezando pelo terço (chotki).

Nos breves períodos em casa, em Montreal, José procurava diariamente ler todo o oficio litúrgico (bogoslujébnii krúg). Rezava usando livros em francês. À noite se apressava em se recolher para fazer a leitura do ofício (slújbu) e rezar pelo terço.

A sua regra diária pelo terço consistia em dez centenas, ou seja, 1000 orações de Jesus. Aos que pediam orientação para regras de oração diária ele recomendava rezar algumas centenas, digamos umas quatro, depois de cada dezena rezar o Triságion: Santo Deus, Santo Poderoso, Santo Imortal, tem piedade de nós (Sviati Boje, Sviati Krepki, Sviati Bessmertni pomilui nas).

Na igreja, objetivando facilitar a concentração para acompanhar o sentido do oficio José aconselhava usar a forma abreviada da oração de Jesus: Senhor, tem piedade (Gospodi Pomilui.).

No monte Athos, ao se familiarizar com a prática local de uma forma rápida de rezar a oração de Jesus, José comentava, que em princípio esse método não é ruim mas desde que não haja perda de concentração.

Durante a oração José costumava ficar de pé, postura ereta, não sentava, mesmo que isso fosse penoso para ele, considerando sua saúde prejudicada. José dizia com frequência que na oração é importante manter a constância, regularidade. "Vocês tem a regra da oração, não se afastem dela." - também considerava que todos deveriam rezar um pouco usando próprias palavras, sem floreios, sem prolixidade.

Por sua perseverança na prática da oração, Nosso Senhor consolava-o com bem-aventuranças. Certa vez ele confidenciou que recebeu uma graça do Senhor pois conseguiu orar de forma especial, de manter a oração. Provavelmente se referiu à oração incessante contínua, aquela que já flui sozinha no coração.

Outra dádiva recebida por perseverar na oração era a capacidade de visualizar a graça Divina na forma de aura (netvárni svét). José tinha o dom de ver a luz emanando do santo ícone e às vezes podia ver o halo emanando das pessoas que acabavam de receber os Santos Dons.

As Tentações E O Consolo.

A firmeza na oração ajudava José a superar as mais diversas tentações, sobre as quais poucas pessoas tinham conhecimento. Às vezes ele confiava a pessoas próximas que travava uma batalha feroz contra o demônio da gula que o tentava a comer carne, da qual ele se abstinha por motivo ascético. Possívelmente seu organismo debilitado pedia esse alimento mais consistente.

O demônio da lascívia odiava intensamente José por causa de sua castidade. Aconteceu o seguinte episódio: certa mulher em trajes sumários possessa pela volúpia procurava forçar José a violar sua castidade, mas José, à semelhança de justo José o Magnífico (Prekrasnii) dispensou a mulher que então passou a odiá-lo e a persegui-lo .

Havia também uma outra batalha ainda mais acirrada que a carnal: o demônio tentava José com pensamentos de desespero. Havia noites passadas em claro quando José não conseguia nem fazer o sinal da cruz e com grande esforço balbuciava a oração de Jesus, como se tivesse sido puxado vivo para as profundezas do inferno.

Às vezes Nosso Senhor permitia que José fosse atormentado por demônios horrorosos e asquerosos. Isso ocorria quando ele rezava pelas pessoas que estavam em graves tentações, e nessa hora os demônios apareciam diante dele, justamente esses, motivo do pecado das pessoas pelas quais ele rezava. Havia demônios em outras ocasiões. Certa noite apareceu-lhe em pesadelo um demônio, a José e a um amigo que na época estava morando em sua casa. O demônio batia a porta da casa com violência. José se levantou, benzeu a casa com água benta, incensou e o demônio não mais apareceu .

O demônio investia contra José de todas as maneiras, usando as pessoas. Isso chegava ao ridículo. Por exemplo, José muitas vezes tinha sido acusado de ter obtido o verter da mirra com o apoio da magia negra, especificamente apontavam o cadarço mágico que ele sempre levava consigo... Este cadarço era o terço que ele usava para rezar.

Outras vezes, esta ou aquela viagem de José com o ícone despertava suspeitas, desentendimento, reclamações e ofensas. Às vezes os paroquianos sentiam-se prejudicados e sentidos porque sua paróquia não foi honrada com a visita do ícone, pessoas querendo entender porque José levou o ícone para uma paróquia cujo pároco era "indigno" de receber essa honra, e tantos outros casos. O seu coração ficava ferido, pois sempre ia com a consciência limpa de que estava fazendo o certo e não por motivos políticos ou de dinheiro.

Deus porém não deixava José sem apoio, Ele o iluminava através de sábios orientadores que lhe diziam "Não se perturbe por causa de fofocas e agressões. Reze." E ele rezava.

Na vida de José aconteciam milagres inesperados que confortavam-no espiritualmente. Imaginemos, que outros milagres mais ainda poderiam acontecer na vida de um servidor de milagre? Pois eles aconteciam. Um deles se deu em 1983, logo após o aparecimento do milagroso ícone. O staretz do mosteiro de Lesna, arquimandrita Arsênio, tomando conhecimento do ícone, viajou a Montreal para reverenciá-lo. Aconteceu que no dia de sua visita José resolveu se dedicar à pintura de ícones, no seu devido rigor, em isolamento e oração. Por isso desligou o telefone, a campainha da porta e trancou as duas portas de entrada. E eis que surpreendentemente escuta atrás de si uma saudação "Christos Voskrese!" - "Como o senhor, batiushka, conseguiu entrar, pois eu tranquei todas as portas?" "Eu disse: 'Christos Voskrese', e entrei," - respondeu otets Arsênio. Esses milagres aconteciam de vez em quando na vida de José, para o fortalecimento de suas forças espirituais.

Também o seu vigor físico era recuperado pela graça de Deus. É necessário observar que não obstante o seu físico de homem corpulento, a sua saúde não conseguiu resistir às duríssimas provações de seu podvig. Afligiam-no a diabete e outros problemas. Mas ele não se abalava e acompanhava o ícone, e várias vezes foi curado de forma surpreendente.

Veneração de relíquias e ícones

Diáriamente, três vezes por dia José incensava o santo ícone de Íver e muitos outros ícones e relíquias. Por isso toda a sua casa estava impregnada pela fragrância do incenso.

As pessoas ofertavam a José óleo e grandes velas de cera de abelhas para queimar diante do ícone. Havia três magníficas lamparinas diante desse ícone que o iluminavam com suave luminosidade. De ambos os lados do ícone havia velas de cera e muitas outras lamparinas em toda a casa. José tinha o hábito de acender uma lamparina diante do milagroso ícone ao rezar por aqueles que necessitavam de sua oração naquela hora. Às vezes havia várias lamparinas acesas, cada lamparina representando uma determinada pessoa.

Na casa de José estavam guardadas muitas relíquias de santos. Ele foi autorizado pelo seu pai espiritual Vladika Leôncio para mantê-las em casa. Foi o próprio vladika Leôncio que lhe presenteou a primeira relíquia. José foi repreendido por guardar relíquias na sua casa, sabe-se que um fiel leigo não tem permissão de guardar relíquias em sua residência. José respondeu que nos tempos de hoje pode-se fazer uma exceção para essa regra. Em caso de uma perseguição por exemplo, uma relíquia guardada numa casa está mais a salvo que na igreja. O Vladika Leôncio o sabia por sua própria experiência, pois sofreu perseguição na Rússia e daí que permitia fiéis piedosos, pessoas leigas, a guardar relíquias nas suas casas.

Além do mais, José achava que nos nossos dias de apostasia, relíquias mantidas em casa podem oferecer grande conforto espiritual, fortalecimento e proteção às pessoas. Por isso ele compartilhava com grande alegria com outras pessoas as relíquias que tinha.

As centenas de relíquias que havia na sua casa não despertavam pensamentos de vaidade. Ele tinha fé de que as relíquias e os ícones vão aonde desejam ir e não existe a menor possibilidade de um mero acaso de eles entrarem ou saírem. Tudo isso acontece segundo a Providência Divina.

O Estudo Da Palavra De Deus E O Sacramento Da Comunhão.

Para José as Sagradas Escrituras eram uma fonte inexaurível de fortalecimento espiritual. - "Uma leitura diária da Palavra de Deus – eis o principal alimento do espírito," dizia José.

José achava importante para a vida diáriamente pela manhã ler um capítulo do Antigo Testamento, o Evangelho e a Epístola. Além disso, após a leitura do Evangelho anotar num caderninho o verso que impressionou mais, para depois, durante o dia, retornar com o pensamento às palavras lidas. Assim ele aconselhava aqueles que lhe pediam conselho espiritual.

Ele tinha uma relação profunda de piedade para com os sacramentos da Igreja Ortodoxa, principalmente em relação "à comunhão dos Santos Dons de Nosso Senhor Jesus Cristo." Ele se preparava com muito rigor mas não confidenciava a ninguém os seus mais profundos esforços (podvigs), estes ficavam entre o seu pai espiritual e Deus. Depois de comungar José procurava se recolher. Isolava-se em casa permanecendo sozinho, em pensamentos com Deus e oração. Às pessoas com quem compartilhava esses mistérios ele comentava: "Depois da comunhão – é o seu dia com Deus, não permita que a graça recebida de Deus se disperse em conversas e distração.

Clarividência ou revelação dos pensamentos

A revelação de pensamento, uma parte inseparável do processo da oração incessante (a Oração de Jesus – Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador) acompanhava o irmão José Muñoz no curso de toda a sua vida.

Uma revelação de pensamento que se evidencia com frequência numa pessoa, desenvolve nela a prática de acompanhar ou controlar o seu próprio interior, como cortar pensamentos impuros e rejeitar tentações do demônio. O irmão José, no percurso de toda a sua vida se aprimorava pelo exercício espiritual, os podvigs, travando batalha contra os maus pensamentos e assim alcançando resultados significativos. Certa ocasião ele descobriu que pela graça de Deus tinha alcançado a capacidade de banir de

sua mente pensamentos vãos e tentações e desde então nunca mais sua mente experimentou sonhos ou livres divagações. Este estado de espírito que José alcançou os Santos Padres chamam de sobriedade do espírito e do

corpo (trezvénie). Baseado na sua própria experiência José aconselhava os outros a interromper todos os devaneios impuros e pensamentos pecaminosos.

Muitos se consideravam conhecedores dos mistérios de José. Mas ele confidenciava alguns dos seus segredos para uns e outros para outros. Entretanto o quadro geral de sua vida espiritual tão complexa era do conhecimento somente de certas pessoas. Os seus pais espirituais é claro sabiam tudo a seu respeito e sem a necessidade de José lhes falar. Segundo as palavras do próprio José, ao se confessar com o staretz Clemente, seu pai espiritual e clarividente, sem sombra de qualquer erro, Clemente dizia-lhe tudo sobre o seu estado de espírito.

Para José algumas pessoas eram seus irmãos espirituais. Ele também tinha filhos espirituais, que frequentemente procuravam-no. Vale observar que antes dele se tornar o guardião do ícone de Nossa Senhora de Íver as pessoas já o procuravam. Ainda nos anos de estudante os seus colegas procuravam-no para desabafar. Com certeza quando ele ficou conhecido como o guardião do ícone centenas e centenas de pessoas aflitas procuravam-no para aconselhamento para suas dúvidas e aflições.

 

III. Servir.

Os Dons Da Humildade, Da Misericórdia, Do Consolo, Do Juízo E Da Vidência.

Qual a qualidade que José possuia que fazia atrair para si centenas de pessoas? A resposta é uma palavra somente – misericórdia. A sua força se resumia no amor cristão, a misericórdia. De uma forma geral, José não sentia simpatia ou antipatia pelas pessoas. Ele amava todos por igual e sempre repetia que em cada uma das pessoas você precisa ver Cristo. Ele achava que devia algo a alguém, que estava com dívida em relação a todas as pessoas e que ninguém devia nada a ele. Ele era pessoa onde não existia nenhum tipo de egoísmo.

José não sentia rancor e acreditava convictamente que qualquer pessoa é capaz de mudar para melhor. Quando pessoas que tinham feito muito mal a ele vinham lhe pedir perdão ele nunca cobrava explicação. E quando lhe perguntavam porque ele perdoava tão facilmente ele respondia: "Deus perdoou a prostituta e não lhe pediu explicação, quem sou eu para pedir explicação. Eu sou bem pior do que aqueles que acham que me ofenderam."

Abençoado pela graça de Deus, José possuia (stiajal) o Dom da misericórdia. Ele foi honrado com este Dom graças a muita força de vontade e um trabalho perseverante sobre si mesmo. Um Dom entretanto permanece um Dom. José ganhava através da graça de Deus o Dom do amor e da humildade, pela intercessão de Nossa Senhora Mãe de Deus, isto porque quando foi recebido o ícone ele implorou a Mãe de Deus que concedesse a graça do amor e da humildade. E sua razão de implorar essa graça à Nossa Senhora se deve ao fato de que ele já sabia, já lhe tinha sido revelado o seu futuro caminho espinhoso, de vir a ser o servidor do calvário.

Ele era humilde e manso. Como exemplo relatamos o seguinte episódio. Numa peregrinação ao monte Sinai um casal dos Estados Unidos e José foram apresentados. José apresentou-se como sendo do Canadá (Quebec). Os jovens lhe disseram que ouviram falar que em Montreal existe um ícone milagroso de Íver. José respondeu que sabia da existência do ícone mas absteve-se de dizer o resto.

Um servidor da misericórdia, José sofria muito ao observar que não existia amor entre os fiéis, que havia ódio, inveja e calúnia. "Deus – como estou triste com tudo isso," - escreveu ele no seu diário.

É indispensável também notar em José a sua nobre lealdade com a justiça e verdade. Ele sofria penosamente com a injustiça e a calúnia direcionada a alguém, quando era em relação a ele, se resignava com paciência, e corajosamente se precipitava a defender a vítima da injustiça. Naturalmente, no sentido humano, às vezes ele se enganava quanto à interpretação, isso geralmente se restringia a assuntos não religiosos e administrativos da vida de uma paróquia.

Como servidor e guardião do santo ícone, em que consistia seu servir?

Ele viajava muito pelo mundo inteiro e regava todos e tudo com a graça de seu ícone. Paróquias, casas, hospitais, entidades ortodoxas. Além disso, com a sua relação pessoal ele procurava acender a chama do amor cristão nas pessoas. Durante essas viagens José permanecia disponível a todos. Frequentemente ele insinuava diálogo com estranhos. E assim, tentava chegar a temas espirituais procurando atrair um interesse para as verdades cristãs. Fazia isso com muita habilidade, como um bom psicólogo e talentoso pregador.

Mesmo sendo pobre José encontrava recursos para ajudar os necessitados. O dom da misericórdia ele possuía desde menino. A mãe de José dava mensalmente aos filhos uma mesada, recebendo a sua parte e sem contar a ninguém José ia à igreja mais próxima e distribuia o dinheiro entre os pobres.

José gostava de visitar os doentes com o ícone. Às vezes ia visitar os hospitais no anonimato. Na visita não discriminava a religião das pessoas.

Ele sabia por sua própria experiência que o amor era o mais importante no Cristianismo. Pois ele próprio se fez ortodoxo cristão não por influencia de um eloqüente pregador mas quando, ao entrar "por acaso" numa pobre igrejinha de imigrantes onde o bispo–refugiado, o Vladika Leôncio, lhe falou com amor: "Não, meu menino, você entrou aqui não foi por acaso, volte aqui outras vezes."

Naquele instante José pensou: se esse bispo é tão pobre e tem tanto amor para dar, então com certeza essa é a Igreja de Cristo. Por isso, não é de se estranhar que José convertendo-se à Ortodoxia pelo amor, que ele mesmo se fez servidor e testemunha do Deus - Amor, Seu servidor até a morte...

O trabalho, o seu servir se baseou na profunda fé de que Deus, que é o Amor, veio ao mundo dos pecadores, onde Ele age de forma real. Contemplando diáriamente o milagre da oferta da mirra para nós, José tinha grande experiência em testemunhar esse amor de Deus, tão grande, à humanidade, a todos sem exceção: aos maus, aos bons, aos cultos, aos simplórios, aos velhos e jovens, aos homens, às mulheres e às crianças.

José ia às pessoas como um apóstolo do Amor, caminhava pelas pegadas de Cristo, compartilhava a refeição com pecadores e prostitutas. Essa forma de vida, à semelhança de Cristo, era mal vista por muitos, que diziam ser indigno da sua parte, sendo o guardião do santo ícone, se relacionar com pessoas de índole duvidosa. Mas José desprendidamente não dava ouvidos e continuava o seu trabalho.

Subentende-se que José tinha relação permanente com inúmeras pessoas da igreja: eram bispos, sacerdotes celebrantes, monges. Muitos receberam dele forte influencia espiritual. José preparou dois bispos para o passamento. Nessa ocasião comentava: "não consigo entender porque um bispo sente medo de morrer." Ele próprio não tinha medo da morte porque tinha fé na misericórdia e no amor de Deus para os homens. Depois de uma conversa e orações diante do santo ícone os bispos em questão foram tomados de paz no coração e descansaram serenamente .

José foi dotado por Deus do dom do julgamento. Como se sabe, os Santos Padres da Igreja avaliam este dom como o mais elevado dentre todos. José era capaz de explicar de forma surpreendentemente simples questões complexas de Teologia e de vida espiritual, era também capaz de desatar os nós de um emaranhado de paradoxos de uma alma conturbada e apontava uma saída simples para uma complexa situação de vida.

José dominava uma percepção espiritual e um ouvido espiritual muito aguçado. Isso se manifestava quando ele conseguia detectar sinais, os simbolismos e pequenas revelações de Deus que não eram percebidos pela maioria das pessoas. José entretanto estava atento a essas revelações através das quais ia conhecendo a vontade de Deus. E assim aconselhava os outros: "Estejam atentos aos sinais." Outras vezes apontava de imediato um sinal bastante explícito na vida de alguém, do qual a pessoa não tinha se dado conta até então.

José tinha uma sensibilidade espiritual muito grande. Ele era capaz de sentir a santidade ou a pecaminosidade das pessoas que estavam com ele. Por exemplo, conta ele, que quando se aproximou do finado metropolita Filaret (Voznessenski) para pedir-lhe a bênção, José literalmente pôde sentir fisicamente a força de sua bênção, tendo até arrepios na pele. Com o propósito de prestar ajuda ao próximo, José recebeu de Deus o Dom da clarividência. Ele próprio confirmou que muita coisa está a descoberto para ele, mas que ele prefere não revelar isso, a fim de manter as pessoas atentas ao ícone e não à pessoa dele. Ele queria continuar a ser o humilde servidor da Mãe de Deus.

E mesmo assim centenas de casos testemunham a clarividência de José. Acontecia com frequência que ele telefonava para as pessoas que naquela hora necessitavam de apoio espiritual ou levava o ícone até a pessoa que precisava. Certa vez falou a um amigo próximo que lhe tinha apreço: "sabe que o seu interior é transparente para mim?" Isso era verdade pois esse senhor por várias vezes convenceu-se disso. A senhora L. lembra-se que no seu primeiro encontro com José ele praticamente relatou toda a sua vida, referindo-se a "uma certa conhecida sua," e acrescentou por fim que "essa conhecida" precisa fazer assim e assado. Posteriormente José dava-lhe orientação espiritual quanto a sua determinada fraqueza que tanto a afligia e que ela se sentia constrangida em contar. Ele também lhe confidenciava que sabia quando ela estava aflita e nesses minutos ele rezava muito por ela. Episódios semelhantes aconteciam também com outras pessoas.

Por causa de sua vidência José servia às pessoas mas esta era também a causa de muito sofrimento. Ele também via muitas transgressões ocultas, ele via sujeira à mostra de gente ao seu redor. Por exemplo, ele se perturbava muito sentindo as pessoas que entravam na igreja, até iam beijar o santo ícone, pessoas essas que iam lá não para rezar mas para mostrar sua vaidosa presença. José derramava muitas lágrimas, invisíveis aos outros, se afligia com a baixeza do homem decaído. Não é de se admirar com isso, pois a obra do amor que ele carregava estava ligada ao sofrimento e pesar.

José como starets

Fazendo um resumo inicial das nossas ponderações notamos que sem dúvida José foi abençoado por Deus com elevados dons espirituais. São os dons da humildade, do amor - misericórdia, o consolo, da oração incessante, a sobriedade do espírito e do corpo (trezvenie), a clarividência, o juízo. O domínio de tais dons espirituais fazia de José uma espécie de staretz - leigo, designado pela providência Divina para o exercício espiritual. Não foi por acaso que alguns o consideravam um staretz e orientador espiritual e por isso davam especial atenção às suas palavras. José porém nunca se considerou um staretz e não almejava tal papel ou desígnio. Ele não gostava e evitava sinais de respeito espiritual. Certa vez repreendeu vigorosamente uma mulher que lhe fez uma metanóia.

Antes de falar sobre a obra de José como staretz, gostaríamos de fazer um preâmbulo a respeito de starechestvo, que é a posição, o trabalho do staretz, de uma forma geral.

A existência de starchestvo se manifesta de maneira bastante diversificada. Considerando que ele se evidencia inteiramente no âmbito espiritual, nunca no âmbito administrativo, estrutural, o starechestvo se manifestava de diversas formas nos períodos mais antigos da história da Igreja. Nos primórdios do cristianismo era conhecido como ensinamento e profecia (a profecia passou a se chamar clarividência), isto está refletido ou registrado por exemplo no grande documento dos escritos da Igreja do século II que se chama Didaquê (Os ensinamentos dos Doze Apóstolos).

No inicio do século IV o starchestvo era personificado pelos orientadores espirituais do monasticismo. Na esfera monástica ele floresceu na Rússia em especial nos inúmeros santos startzev de Optina.

Outrossim os startsi apareciam em qualquer tempo, homens e mulheres e também do meio de justos leigos. Por exemplo o staretz Teodoro Kuzmich. Podemos encontrar os startsi entre bispos, como por exemplo o bispo Inácio (Briancheninov), Teófanes o Recluso e outros. É de se admirar, a concentração de startsi entre os bispos da Igreja no Exílio, no século XX . Aqui, no caminho do arcebispo João (Maximovitch), podemos enumerar uma fileira, de hierarcas, os bispos – startsi, até mesmo o recém-finado arcebispo Antônio (Medvedev), O starchestvo não representa uma determinada "classe" eclesiástica. É um starets aquele que é dotado de capacidade de dominar um especial Dom do juízo ou julgamento, como também, se é da vontade de Deus, outros dons do Espírito Santo (o Dom do juízo ou julgamento é compulsório nesse caso). O poder de julgar de um staretz o faz staretz porque através deste Dom ele vem a conhecer a vontade Divina e, consequentemente, é capaz, de acordo com a vontade de Deus, de orientar os filhos espirituais.

Para dar uma idéia mais completa é necessário acrescentar sobre os falsos-starets que encontramos em paralelo aos verdadeiros, à semelhança daqueles cogumelos venenosos que crescem junto aos comestíveis e que são bem parecidos com os bons cogumelos. Podemos distinguir um starets verdadeiro de um falso-starets pelo fato de que o verdadeiro evita, se afasta, foge deste status mas o falso almeja anseia por essa posição. O verdadeiro starets não se considera starets e nem almeja chegar até lá, mas um fiel que pratica os esforços para aperfeiçoar-se na fé, ao ser tomado de prelest (estado de encantamento ou ilusão pela intervenção do demônio), deseja que as pessoas reconheçam nele um orientador espiritual ou pelo menos tem essa meta .

Todos estes comentários que foram aqui expostos tem a finalidade de dar maior clareza ao leitor quando dizemos que José era um autêntico e abençoado starets dos nossos dias. Ele foi colocado pela providência Divina em tal apresentação a qual seria mais acessível para aceitação e entendimento dos homens do mundo de hoje. José sabia os caminhos para se chegar à alma das pessoas, principalmente dos jovens. Ele se sentia à vontade para comentar os assuntos mais atuais da música, arte, teatro, moda, e com muita sutileza ia se aproximando a assuntos espirituais. Paralelamente a isso José nunca acompanhava o tempo moderno em questões espirituais, não descia ao fundo do poço do amortecimento humano característico do mundo moderno. Não obstante, no seu exterior, ele era como nós, uma pessoa que vive nesse mundo e por isso no papel de starets ele podia ser uma pessoa acessível e aceitável para centenas de pessoas aflitas. Simbólicamente o nome que ele recebeu na sua secreta tonsura era Ambrósio, em honra ao grande starets Ambrósio de Optina.

O padrão de starets que José aplicava para si não era de inflexível rigidez ou amontoado de regras, mas o da intensa oração pelos seus filhos espirituais bem como da orientação para a salvação da alma pelo exemplo de sua vida.

Alerta para seus admiradores

Para aqueles que tiveram proximidade espiritual ou amizade com José, que foram muitos, é importante precaver-se de sentimentos de certa satisfação ou orgulho que podem aparecer por ter sido amigo de um justo. O justo José viveu entre nós, se relacionou e fez amizade conosco, aquecia nosso coração com seu amor, iluminava-nos com sua santidade, mas eis que ele não está mais conosco e nós nos vimos de novo nas trevas dos nossos próprios pecados. Enquanto o justo estava entre nós, nós achávamos que a sua luz era a nossa luz. Quando ele se foi nós percebemos que a nossa "luz" são as trevas e que nós nos iluminávamos com a luz de um santo que habitava entre nós. Esta é uma lei imutável, ou irrevogável, da vida espiritual. Que desastre será para nós se ficarmos presunçosos ou envaidecidos, achando-nos também especiais só pelo fato de que um justo se achava próximo de nós. Resta-nos perguntar se : aproveitamos essa oportunidade de sua presença para nos enriquecer espiritualmente? Será que aprendemos alguma coisa com ele? Cumprimos a orientação que ele nos deixou? Procuramos imitar sua vida? Ou, quem sabe, continuamos a servir esse mundo vil, continuamos a ser os bons servidores das coisas fúteis, os cristãos de fachada . . .

Se não pudermos melhorar nosso coração, se não aprendermos pelo menos a fazer uma humilde introspecção, nesse caso nossa proximidade com o justo não teria servido de nada para a nossa salvação mas para a adição de mais pecados. Podemos lembrar que o justo Lot quando vivia em Sodoma também se relacionava, tinha amigos, mas para os sodomitas essa relação com Lot não lhes serviu para a salvação mas para agravar sua condenação. Algumas pessoas comparavam José com o justo Lot. Deus permita que não sejamos depois comparados com os sodomitas.

Que triste cenário! Que aparência ridícula fazem essas pessoas que se vangloriam de serem amigos de personalidades espirituais. Também foi lastimável observar isso depois da morte de José. Sim, sim, diziam, ele morou conosco, falávamos "a mesma língua," contudo, ele continuava sendo uma pessoa do céu. E nós, nos enchemos de vaidade...

É bom que muitos dentre nós paremos para refletir um pouco, e nos arrependamos por termos sido pretensiosos e enlevados, e genuinamente possamos mudar a nossa vida para melhor, entender o sentido da nossa própria existência, nos abdicarmos do mundano, e por inteiro poder amar o Céu, como José...

Iconografia – Sua Obra.

Finalizando o escopo do serviço de José Muñoz, é indispensável comentar o seu trabalho de iconografia. Para muitos essa parte de sua vida passava imperceptível, enquanto para José este trabalho era muito importante e dedicava-lhe todo o seu tempo disponível.

Como se sabe, a iconografia é a teologia em cores. Através dos ícones é possível se fazer e transmitir muita coisa: é possível defender a Ortodoxia, ou confortá-la, ou então fazer uma erosão nela, destruíndo-a. José, através de seu trabalho, sem dúvida defendia e reafirmava a fé cristã.

A sua relação com a iconografia era igual à escolha do serviço sacerdotal. José achava que quando se decide pintar ícones, já não se pode mais pintar quadros, pois já não se combinam, os ícones serão prejudicados.

José cumpria com todo o rigor as leis da iconografia: obedecia os cânones iconográficos, achava indispensável usar as tintas naturais, nos dias que pintava ficava em completo jejum até a noite e pintava orando. Um detalhe, ele costumava orar a quem estava representado no seu ícone.

Quando José pintava sob encomenda, nunca estipulava o preço. Os clientes às vezes pagavam a metade do valor somente da madeira que ele havia comprado, o ouro e as tintas. José se conformava calado e agradecia a Deus pelo que recebia.

José gostava de pintar o Salvador – areopagita (Ne rukotvornii Spass) e também os Anjos. Existem numerosos ícones de santos que são obra de José.

Em relação aos ícones de Nossa Senhora, José tinha uma especial devoção por estes. Por causa de uma profunda humildade, ele não se atreveu a pintar uma cópia de seu milagroso ícone de Nossa Senhora de Íver. E ele nunca teria pintado se não fosse a própria Nossa Senhora que tivesse solicitado. Sabe-se que José pintou uma cópia do santo ícone destinada à Rússia e ao povo russo por uma ordem direta de Nossa Senhora a ele. O já finado arcebispo Leôncio o instruiu sobre a quem deveria entregá-lo para ser encaminhado à Rússia, o que foi cumprido.

Os ícones de José respiram calor e luz da ortodoxia. Podemos vislumbrar uma insinuação da luz sobrenatural (netvarnoie sianie), que José podia visualizar no seu sentido literal. Ele próprio comentava que via a luz emanado do ícone de Íver e representava isso no seu trabalho.

Ao final de sua vida tão curta José podia ser considerado artista iconógrafo de um significativo talento e estava ansioso por passar adiante a sua experiência . Ele achava que havia grande falta de ícones em todos os lugares, especialmente na Rússia. José dizia que no mundo atual as pessoas são atraídas à terra enquanto que os ícones elevam ao Céu - à nossa Terra Mãe (pódlinoi ródine). Através de seus ícones José nos chamava ao Céu.

IV. O Ícone.

Eleito.

Sem dúvida, o principal sentido da vida de José consistiu em servir o Ícone de Nossa Senhora de Íver.

O dedo de Deus nos primórdios de sua vida já apontou este servir: Foi lhe dado em batismo o nome de José em honra a José – o noivo da Mãe de Deus, guardião de Nossa Senhora. O arcebispo Leôncio do Chile, ao convertê-lo à Igreja Ortodoxa, profetizou, fazendo jus ao seu nome - "José se tornará o guardião da Mãe de Deus e do menino Jesus." Nessa ocasião o jovem não entendeu o sentido dessas palavras, mas quando se tornou o guardião do ícone de Nossa Senhora de Íver, o sentido se tornou claro.

José ficava muito constrangido quando as pessoas lhe diziam que Deus o tinha escolhido para essa missão. Ele costumava nessas ocasiões com profunda humildade e convicção insistir que era um grande pecador, que em absoluto é digno de ser o guardião e que ele mesmo não sabe porque ela lhe foi confiada. A única explicação para isso, dizia, é que Nossa Senhora se revela onde Ela deseja. Quanto ao motivo Dela tê-lo escolhido, permanece um mistério. Este ficará para sempre entre Nossa Senhora e o staretz Clemente. Teria havido uma revelação, um episódio sobrenatural, após o qual o staretz Clemente, que antes tinha se recusado a dar o ícone a José, categoricamente, ou vendê-lo, surpreendentemente ofertou-o a José. Mais tarde, José, ao perguntar ao staretz Clemente o que o fez mudar de decisão, Clemente respondeu: "Não posso dizer, porque não fará bem nem para a tua nem para a minha humildade."

Dizem que a eleição de José pode ser expressa pelas seguintes palavras da Biblia: "...Revesti-vos, todos de humildade no trato mútuo, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá aos humildes a sua graça (I Pedro 5,5). José era a mais pura humildade. Ele nunca procurava intencionalmente milagres e nem pedia avisos ou sinais celestes, e até o aparecimento do milagroso ícone ele não cogitava nem no seu mais profundo íntimo ser o guardião ou servir um milagre ou relíquia.

Uma surpreendente lição de humildade foi nos dada pelo próprio ícone. Da mesma forma que Cristo escolheu para sua vinda na terra uma pobre manjedoura ao invés de suntuosos recintos de ricos palácios, o ícone de Nossa Senhora de Íver começou a verter mirra não dentro de aposentos patriarcais, mas num quarto - cela de um porão cujo morador era um pobre imigrante espanhol. Não será isso uma lição para nós, de que a força de Deus se mostra nos fracos, que em vão tentamos nos unir aos fortes, não confiando em Deus, que certamente vem nos ajudar na hora certa.

A Mirra E Outras Revelações Do Ícone.

O ícone de Montreal verteu mirra durante 15 anos, com interrupções durante a Semana Santa. Variava de intensidade, na medida da necessidade da procura, das pessoas e das paróquias visitadas. Às vezes vertia profusamente outras vezes bem pouco, outras vezes parava completamente.

O lado extraordinário é que sempre havia mirra para todos que a procuravam. Qualquer que fosse a quantidade de fiéis, todos, sem exceção, eram ungidos com o santo óleo. Relataremos dois desses episódios.

Ao visitar uma igreja em Nova York, o ícone deixou de verter mirra. O pároco da igreja implorou a José que ajudasse. José orou com fervor a Nossa Senhora implorando perdão aos pecados voluntários e involuntários dos fiéis reunidos e implorou a graça de receberem a mirra. Passado algum tempo apareceu a mirra no ícone.

O bem conhecido iconografista de Jordanville, arquimandrita Cipriano, no início não acreditava no milagre do ícone de Montreal. Em certa ocasião ele estava servindo na Catedral do Sínodo em Nova York, e no Polielei das Vésperas ungia os fiéis com algodão com a mirra do ícone de Montreal. O milagroso ícone não estava presente. O pedacinho de algodão com o qual ungia estava quase seco e a quantidade de fiéis era muito grande. Para seu espanto o algodão ao invés de secar completamente

tornava-se úmido à medida que usava e, ao terminar a unção, o algodão estava mais úmido do que quando ele tinha iniciado a unção. Com lágrimas nos olhos foi ao altar pedir perdão à Nossa Senhora por sua incredulidade.

A mirra do ícone de Íver tem uma coloração âmbar, com aroma muito suave e ao mesmo tempo penetrante. Depois de uma interrupção na Semana Santa, na Páscoa a primeira mirra que surge tem coloração muito clara e um aroma diferente.

A mirra do ícone, pela vontade de Deus, tem o poder milagroso de curar doenças físicas e espirituais. Outra particularidade extraordinária da mirra, observam muitos, é a de multiplicar-se milagrosamente.

Como acontece o aparecimento do santo óleo? O próprio José nos contou o (permitam-me usar a palavra) "mecanismo" do extraordinário mistério de verter mirra. Ele explicou que durante o verter a mirra não é segregada de dentro do ícone, como muitos pensam, mas provém do Céu, como o abençoado orvalho. Somente isso pode explicar a mirra que aparece no vidro e no kiot (o caixilho de madeira), tanto no ícone de Montreal como também em outros ícones milagrosos, como as litografias em metal por exemplo. Essa explicação pode ser ilustrada através do relato de um fiel que estava perto do ícone de Montreal. Viu maravilhado, quando, diante dos seus olhos, sobre o vidro do ícone começou a se formar uma gota do santo óleo, que aos poucos ia se avolumando .

O milagre do ícone não se evidenciava somente através do aparecimento do óleo. Muitos que rezavam diante dele sentiam a real presença da Santíssima Mãe de Deus. Essa era uma espantosa peculiaridade especificamente deste ícone. Outra peculiaridade era que ele trazia reconciliação entre as pessoas. Inimigos de décadas faziam as pazes depois de rezar diante do ícone.

José observava que Nossa Senhora através de seu ícone levava as pessoas ao arrependimento. Essas pessoas se aproximavam para venerar o ícone, e de repente começavam a chorar aos prantos. Em seus corações renascia o desejo de se confessar e comungar os Santos Dons. Houve também alguns episódios de pessoas de outras religiões que se converteram à Ortodoxia depois de conhecerem o ícone.

Qual o sentido do ícone para nós ?

Com relação ao ícone de Nossa Senhora de Íver, que hoje podemos chamar de ícone do irmão José, se nos apresentam três importantíssimas perguntas:

Primeira: o que originou sua aparição no mundo,

Segunda: o que significa o seu desaparecimento,

Terceira: qual o significado desse grande milagre do século XX ?

José unificava todos os significados à Ortodoxia. Ele estava convencido de que se não fosse ortodoxo não teria ido ao Monte Athos, conseqüêntemente não teria recebido o ícone milagroso.

O irmão José vinculava o aparecimento do ícone com a Ortodoxia russa, pois especificamente o povo russo no decorrer de mil anos cercava Nossa Senhora com uma enorme veneração e amor. E o Céu respondeu a esse amor.

E finalmente, José achava que o aparecimento do ícone na Igreja Russa no Exílio não foi um mero acaso, ele apareceu um ano após a canonização dos santos novos mártires russos. Em 1981 a Igreja Ortodoxa no Exílio glorificou os novos mártires e confessores da Rússia a começar pela família Real Russa, dessa forma ela completou a ação salvadora do destino da Rússia.

No início dos anos noventa, José observou que o ícone de Montreal apareceu como prenúncio da queda do comunismo na Rússia e o início do renascimento espiritual do povo russo.

O ícone de José começou a verter mirra em Montreal no dia 24 de Novembro de 1982. Exatamente 15 anos depois, (diferença de um mês) ele desapareceu quando José, seu guardião, foi martirizado e morto.

Com relação ao desaparecimento, é nosso pensamento que devemos concentrar nossa atenção não nas forças ocultas de inimigos, mas em nós mesmos, no nosso lado espiritual. As forças ocultas certamente serão vencidas por Deus, entretanto nosso trabalho espiritual, do qual depende a nossa salvação, depende muito de nós mesmos.

A nossa paixão pelas coisas terrenas, o nosso apego ao bem estar, a nossa vida hipócrita, religiosa só na aparência mas que na essência nem é cristã - tudo isso é motivo da supressão de nós do ícone. Além do mais, é evidente que essa supressão está relacionada à morte de seu guardião, o que leva a concluir que havia o servir recíproco (so-slujénie) entre o ícone e José. É possível que ele tivesse sido uma parte inseparável desse milagre, daí os dois terem ido embora ao mesmo tempo.

O ícone reaparecerá? A resposta, ou solução para essa questão novamente está condicionada a nós, ao nosso estado espiritual, à qualidade da nossa vida cristã. Se houver arrependimento, aparecerá o ícone, não havendo arrependimento, não aparecerá o ícone.

E apesar de que o ícone não esteja presente visualmente na nossa vida, sua mensagem (blagovestie), sua lembrança e atividade continuam. Lembremo-nos do que José falou reiteradamente, que o ícone apareceu não por causa de nossos méritos, mas por causa das orações de milhares de novos mártires, para que as pessoas, em contato com esse milagre, pudessem abrir seus corações e renascer para a fé. Esse milagre continua até os nossos dias: aumenta a cada dia o número de pessoas na Rússia e também no mundo inteiro, que toma conhecimento de sua história e de seu guardião – mártir José Muñoz, e muitos novos corações se abrem para a fé.

A mensagem do ícone continua se revelando de formas diferentes. Uma delas são os inúmeros artigos, livretos e livros, vídeos em diversos idiomas, que falam do ícone e seu guardião. Outra forma importante dessa revelação são as muitas cópias do ícone, em papel, que agora também vertem mirra.

 

V. Teologia.

Responsabilidade.

José se encontrava numa posição muito especial por interferência da Providência Divina, por isso havia muita responsabilidade no que ele dizia, no que fazia, no seu servir. Havia muitos ouvidos atentos de leigos, sacerdotes e até bispos. Ele sabia disso e por isso dava um tratamento de extrema atenção quanto a dar opinião e julgamento diante da coletividade da Igreja.

José rezava para que Deus o instruísse a fim de que ele pudesse ter as palavras necessárias para as pessoas. E ele tinha essas palavras.

Quando José falava sobre temas espirituais, ficava tomado de uma abençoada inspiração. Isto é percebido quando lemos seus textos de palestras e entrevistas e isso era muito mais evidente com seus interlocutores. Suas palavras e o seu servir contém uma surpreendente simplicidade e nobreza. Era impossível não se surpreender com sua pura fé, fé de uma criança. Essa fé reluzia nos seus olhos e iluminava todo o seu semblante. Quando conversava com alguém, orientando e pregando, sua peculiaridade era a sua voz suave e agradável, uma expressão de rosto tomada de súbita inspiração como a profetizar e quando gesticulava havia uma notável plasticidade no movimento das mãos.

Nas palestras privadas José gostava de usar citações da Sagrada Escritura. Tinha um apreço especial pelo apóstolo Paulo. Ainda quando estudante na Faculdade de Teologia em Montreal, José preparou um extenso estudo sobre ele.

Dentre as obras do apóstolo Paulo aos pagãos José destacava a carta aos Efésios. Como se sabe a parte central do tema nessa carta é sobre a Igreja – o Corpo de Deus.

A Igreja.

Não foi por acaso que José se preocupou com o tema Igreja, pois todo o seu servir foi profundamente eclesiástico. Ele vivia dentro da Igreja e A servia, e por isso considerava extremamente importantes conceitos tais como a obediência ao seu superior espiritual e a disciplina na igreja. "Esse milagre, - dizia ele sobre o santo ícone de Íver - pertence à Igreja e é parte inseparável de Sua hierarquia. Penso que os milagres não têm força, não acontecem, quando a pessoa sai fora dessa obediência dentro da hierarquia da igreja."

José se via como um dos mais fracos membros do corpo da Igreja. Ele entendia que o seu servir ao santo ícone era uma obediência da igreja e não se imaginava fora dessa comunidade. José se preenchia de alegria porque tinha possibilidade de servir aos seus irmãos de fé. Ele não se cansava de chamar os outros: "Todo cristão tem o dever de trabalhar para a Igreja e A servir."

Amor

A Igreja para José não poderia ser separada do amor. Ele estava convicto de que sem amor não existe a Igreja.

O conceito que José dava ao amor não era o amor – uma abstração, mas no seu sentido mais direto e mais prático, uma ação oferecida à pessoa do seu próximo.

A lei moral de José dizia: Veja Cristo em cada próximo. Esta lei - em verdade é um grandioso tesouro, uma grande descoberta espiritual do século XX! Uma descoberta mais importante que a energia atômica ou a viagem ao cosmos.

A genialidade dessa lei moral está no fato de que na prática ela permite fazer de uma só vez o cumprimento dos dois principais mandamentos cristãos: o amor para Deus e o amor ao próximo. Verdadeiramente, amando Cristo no próximo é a única maneira possível para vencer as duas principais feridas da nossa época, que são o ódio humano sem Deus e o humanismo secular. A lei moral de José nos dá uma real possibilidade de eliminar a dolorosa divergência entre as pessoas.

Ao entendermos a lei moral de José então podemos descobrir o mistério da sua identidade, ou personalidade. Começa a ficar claro para nós porque ele tratava toda e qualquer pessoa com tanto interesse e autêntico amor. Exatamente porque em cada um ele via Cristo!

A título de um vivo exemplo para este tema referente à herança teológica que José nos deixou podemos dar o seguinte exemplo. Certa vez em algum ponto da Espanha José caminhava pelo mercado com seu amigo David. No meio da multidão, gente e cores, sua atenção se voltou para uma velhinha envolta em velhos e sujos trapos, os cabelos emaranhados, a cabeça sacudindo, uma boca desdentada, sentada num canto, implorando caridade. Para surpresa de David, José se precipitou em direção à velhinha, abraçou-a, apertou-a contra si carinhosamente como se fosse seu filho, beijou-a e deu uma esmola.

Mais tarde David o repreendeu por tal comportamento. José sorriu e nada respondeu. Nem David, nem ninguém daquele povo agitado iria entender que um homem de nome José, na pessoa de uma velhinha miserável fosse encontrar... Cristo!

Santidade

A Igreja para José era parte inseparável da santidade. Santidade - era um de seus temas favoritos. Ele não se cansava de repetir nas suas conversas com os jovens que gostaria muito que todos os rapazes e moças se tornassem pessoas santas.

Se fizermos uma pergunta: José, qual o objetivo da nossa vida? A resposta mais provável seria: a santidade!

Foi também o que mais agradou José na Ortodoxia, onde a santidade é mais visível e mais valorizada. A idéia da santidade está impregnada em todas as esferas da arte religiosa ortodoxa e arquitetura. Ela representa a base do ideal ascético e monástico. Ela inspira o cristão ortodoxo no seu cotidiano.

Entretanto a santidade não é só nosso objetivo, mas também uma doação oferecida para nós. É o depósito, a garantia para a santidade, oferecida para nós cristãos no ato do sacramento do batismo, que deve ser salvaguardada com empenho e desenvolvida. Fora disso, a vida justa a princípio não seria possível para nós. A santidade como meta não teria sentido. Quando dizia isso, José se referia também à sua pessoa, - apesar de não ser santo mas na qualidade de guardião de um milagre de Deus, tem o dever de viver como santo.

Isto também pode ser aplicado a todos nós, cristãos ortodoxos, pois cada um de nós é um guardião da Graça Divina que nos é enviada através dos santos sacramentos da Igreja.

Uma das questões chave para José eram os sacramentos da Igreja. Ele era de opinião que os sacramentos são quase sinônimo da Ortodoxia. "O mais grandioso na nossa Igreja - é o significado e o sentido dos sacramentos" - dizia José.

Verdade

A Igreja para José era parte inseparável da verdade. José estava profundamente convicto que a verdade, em toda a sua plenitude e sem mácula está intacta somente na Ortodoxia: "...o mais importante é ser ortodoxo, estar dentro da Igreja," - pregava José.

Em questões de fé José tinha um princípio, mas nenhum tipo de rancor. Ele não tomava nenhum partido, não tinha preconceito. Ele tratava com respeito alguns justos católicos da igreja romana mas considerava eles como marcados de certa característica não desejável, mas dizia que o julgamento final está nas mãos de Deus.

José dizia que dentre os não ortodoxos havia muitas pessoas de alto nível moral, honestos no objetivo de uma vida espiritual. Na sua relação com estas pessoas José procurava aproximá-los com o precioso e imaculado espírito ortodoxo. Ele estava aberto a todos independente de princípios e credo, mas essa relação aberta não tinha nada em comum com o espírito ecumênico, algo morno e que tudo aceita. Ele era aberto como um apóstolo missionário, convicto na Ortodoxia .

Relatamos um episódio bastante expressivo que demonstra o espírito inflamado que ele era, como pregador e acirrado defensor da Verdade. Dentre seus amigos mais próximos havia muitos católicos que ele visitava com o santo ícone, como fosse demonstrar o seu vivo testemunho da verdadeira religião. Durante um desses encontros José foi veemente em provar a um sacerdote católico de que o dogma romano sobre a imaculada concepção é na verdade a maior profanação contra a Mãe de Deus. Esse relato foi feito por Madelaine, católica, que foi testemunha dessa conversa.

José dizia que, apesar de uma certa proximidade entre as religiões cristãs, a pureza dogmática é característica exclusiva da Igreja Ortodoxa. Essa questão era para ele muito importante pois estava também ligada com a iconografia. Dizia que como o ícone expressa algum dogma, ele pode ser pintado somente por um cristão ortodoxo. Quando ele observava ícones pintados por católicos ficava muito ressentido e aflito, por causa de sua pequenez e pobreza espiritual. José contava que tentou ensinar pintura de ícones aos católicos mas que eles não conseguiam assimilar à altura essa arte sacra da igreja.

Ao servir ao ícone da Mãe de Deus, José defendia diante do mundo de hoje importantíssimos dogmas do cristianismo: o dogma de reverenciar a Mãe de Deus, o dogma da santidade e o dogma da veneração dos ícones.

Este último dogma, tanto na vida da Igreja Ortodoxa quanto na vida de José, tinha um significado muito especial. Pois não foi mera coincidência a Igreja ter instituído a festa do Triunfo da Ortodoxia vinculando-a com a vitória da veneração dos ícones. Também não foi coincidência o fato do staretz Clemente do Monte Athos ter falecido no dia do Triunfo da Ortodoxia! A veneração dos ícones - é a bandeira da Ortodoxia cujo destino era uma grande preocupação de José.

José acompanhava com muita atenção o conflito entre os partidários do ecumenismo e os defensores das tradições dos Santos Padres. Diante disso José tinha muita esperança e rezava muito para que todas as divergências dentro da Ortodoxia fossem ultrapassadas e que a verdade triunfasse. Ele acreditava que isso ainda fosse possível!

José se baseava na maior parte de suas opiniões nos pais espirituais da Igreja no Exílio, pelos quais ele tinha muito apreço, por sua conciliaridade (sobornost), moderação, sobriedade do corpo e do espírito (trezvenost), e uma incondicional lealdade à Ortodoxia. Essa convicção advinha não através de deduções racionais mas por sua experiência íntima com o além. José não precisava que alguém o convencesse de que estamos em tempos pré-apocalípticos. Ele deduzia isso por meio de experiência própria. Certa vez preveniu um amigo: "Não posso deixar de avisá-lo que o fim do mundo está próximo." Com certeza ele tinha motivos para tal advertência.

Dogmática e Ascetismo

José não escreveu obras, entretanto o seu servir e suas pregações verbais eram impregnados da luz dos dogmas ortodoxos. Note-se que esse fato ocorreu em uma época na qual os cristãos perderam por completo o interesse pelos dogmas da Igreja, quando nos seus sermões os sacerdotes procuram pelo menos moralizar as pessoas, quando o ecumenismo prega um vale tudo nos dogmas. Enquanto predomina uma des-dogmatização generalizada entre a maioria dos cristãos, José levantou bem alto a insígnia da viva tradição dogmática ortodoxa.

Como se sabe, os dogmas e a piedade são indissolúveis e se comprovam reciprocamente . O correto ensinamento dos dogmas confirma que o exercício (podvig) ascético é certo, por outro lado, a existência de bons resultados colhidos do ascetismo por sua vez confirma a exatidão do ensinamento dogmático. Portanto, o dogma deturpado conduz o ascetismo à distorção. E a ilusão (prelest- que é o desvio do certo por intervenção do demônio) que assola o asceta invariavelmente o desvia da pureza da confissão dogmática, ou então ele já vem com esse desvio desde o início.

Dentro de José havia uma total harmonia entre a dogmática e a piedade. O seu amor aos dogmas da Igreja mantinha acesa a chama do amor ao ideal ascético da Ortodoxia. Por isso, não é de se estranhar que José colocasse o ideal de vida monástico em um plano tão elevado.

O mais importante no monasticismo, como nos ensinam os nossos Santos Padres da Igreja, não são os esforços externos, mas o arrependimento: "Não te agradam, Senhor, os sacrifícios, meu holocausto tu rejeitarias. Uma alma abatida te ofereço: um coração contrito não desprezas!" .

Por isso, sem hesitar, podemos dizer que José vivendo no mundo com o seu exemplo de vida humilde pregou às pessoas o seu ideal monástico. A sua vigorosa castidade e o total desprendimento material também contribuíram na sua pregação. Dizia ele que sacrificou tudo pelo Senhor: deixou os pais, a pátria, a casa e parentes, abdicou da vida privada e do apego.

Com o seu alto ideal ascético José despertava a atenção dos que vivem nos mosteiros, pois visitava com frequência os mosteiros onde passava uns tempos. Ele exercia grande influência sobre os celibatários. Assim também no mosteiro de Lesna muitas monjas vinham abrir-lhe seus corações. Não há nada de estranho nessa prática, pois qualquer pessoa, monge, monja ou leigo de confiança pode receber uma confissão. Certamente é necessário ter experiência espiritual e ter a benção para exercer essa tarefa. José possuia as duas coisas. A experiência espiritual ele recebeu das pessoas já mencionadas e a benção recebeu do arcebispo Vitaly de Montreal e Canadá, mais tarde metropolita.

Para José a vida monástica era o alto ideal de vida. Privando-se desse ideal, o monastciismo, na sua opinião, perdia todo o sentido e passava a ser tentação. José achava que os monges, ao exemplo de São João Batista, devem se abster completamente do vinho. É mais apropriado eles terem uma vida desapegada do material e rigorosamente de arrependimento, cujo objetivo é a oração de Jesus. Os leigos também devem seguir o exemplo dos celibatários na medida do possível.

Legado.

As palavras e os ensinamentos do irmão José não teriam a força e o peso que têm, não tivesse ele morrido como mártir. Nós, cristãos modernos, precisamos com profundo respeito e toda atenção e reverência aprender suas palavras, borrifadas pelo sangue do martírio.

O legado teológico de José não é volumoso na sua aparência, mas muito profundo no seu conteúdo. Ele não é composto de numerosos volumes sobre doutrina teológica empoeirados na prateleira. É composto de palavras simples e profundamente inspiradas. Pela misericórdia Divina essas preciosas palavras do mártir contemporâneo foram registradas em suas palestras e entrevistas, cartas particulares e anotações no diário. Vale observar que parte de suas anotações do diário, certamente escritas "por acaso" e pessoais, formam uma coletânea poética do mais alto nível.

A teologia de José contém respostas a muitas perguntas tanto pessoais espirituais quanto gerais, de vida paroquial. Ele aponta diretamente como viver e como pensar nestes tempos de falsidade. No nosso entender o conteúdo que ele abrange, que nós expomos até aqui, já é suficiente para caracterizar José como professor universal da Igreja.

Uma importante parte do legado de José consta da oração – profecia, escrita em 1985 que segue:

"Senhor Jesus Cristo, que veio ao mundo por causa da nossa salvação e por Sua livre vontade foi pregado na Cruz, e que sofreu martírio pelos nossos pecados, permita-me também sofrer o meu martírio, que eu venha a receber não de inimigos mas do meu irmão, Senhor, e que isto não seja creditado para ele como pecado. "

Essa oração contém duas profecias. De um lado ela contém a profecia da sua própria morte por martírio. Por outro, poderá ser uma préfiguração do destino da própria Igreja de Cristo nos últimos tempos. Pois todos os verdadeiros cristãos compartilharão o destino do Salvador, traído à morte por Seus próximos, o Seu povo. Nos tempos de apostasia a Igreja, na pessoa dos verdadeiros cristãos ortodoxos, será traída, (já não acontece isso agora?) posta a perseguições abertas ou ocultas dos próprios irmãos - cristãos. Basta dizer que, segundo a tradição da Igreja, o patriarca ortodoxo de Jerusalém tomará parte na entronização do anticristo.

Nos últimos dias da vindoura perseguição ao Cristianismo, nos últimos dias da história da humanidade, será muito importante para os cristãos leais salvaguardar um amor cristão aos seus perseguidores. Pois a preservação do amor é a mais substancial prova da viva e verdadeira ortodoxia. Para dar ajuda a esses cristãos dos últimos tempos é que José deixou a sua oração.

Juntemo-nos ao novo mártir José e clamemos com humildade:

"Senhor, ... ajuda-nos a suportar nossos sofrimentos com dignidade, recebidos não de inimigos mas de nossos irmãos e que isto não lhes seja creditado como pecado."

 

VI. Martírio.

José sabia desde o início que teria uma morte sofrida.

Um ano antes de morrer Deus mostrou-lhe em sonho, ou melhor em pesadelo, todas as circunstâncias de horror que o levariam a morte. E ainda assim, José se considerava indigno de receber a coroa do martírio e disse abertamente em certa ocasião: "não sou digno do martírio."

Por outro lado, de forma voluntária ou não, no decorrer de toda a sua vida ele se preparou para o testemunho como mártir. Com uma grande veneração José acumulava e guardava relíquias de mártires, gostava de pintar seus ícones e ler sobre suas vidas. Às vezes ficava tão impressionado que comentava o que havia lido com seus amigos. Pedia que quando estivesse morrendo não lhe dessem nada para sedá-lo.

Certa vez José disse que foi preparado para o martírio ainda quando criança, pela sua avó. Em concordância com o testamento de José, não temos autorização para falar de sua família, mas não podemos deixar de registrar que desde a mais tenra idade José tinha sido um mártir sem sangue...

Vindo a conhecer a Ortodoxia russa, José amou com fervor os santos novos mártires e confessores da Rússia. Em especial ele venerava a nova mártir Santa Elizabete com a qual ele tinha uma especial comunicação na oração. Sabe-se que José havia sido honrado com sua aparição.

Todo o seu servir à Igreja havia sido um grande tormento para José, tormento esse desconhecido para as pessoas. Quantas vezes as paróquias em festivo júbilo pela presença do santo ícone se esqueciam de José, seu leal guardião, e de suas mais primárias necessidades. Pouco se detinham eles na possibilidade de José estar sem dinheiro para comprar passagem de volta, de estar com fome, pois só ofereciam pratos com carne, (da qual ele fazia total abstinência), ou de não ter onde dormir e assim por diante.

Quanto tormento José teria passado em suas incontáveis viagens. Na maior parte das vezes ele era forçado a viajar sozinho com o ícone, situação essa que o forçava a se abster de satisfazer as mais elementares necessidades, pois não poderia separar-se do ícone. Tudo isso certamente já o fazia quase um mártir.

Quando o seu tormento terreno chegava ao fim e a tempestade estava prestes a desabar diante da sua cabeça ele estava ainda mais preparado para morrer por Cristo e Sua Santíssima Mãe. Já então os seus amigos também sentiam que algo assustador se aproximava. Nos últimos tempos José era seguido abertamente. No sentido literal seguiam seus passos. Certa vez, percebendo a perseguição, José se virou abruptamente e falou ao seu seguidor: "sabe que eu não tenho medo de você porque minha vida está nas mãos de Deus."

Por fim, o seu último pai espiritual, Clemente, falou-lhe abertamente das pesadas provações e calúnias absurdas que haveriam de chegar, para denegrir o seu nome e o seu santo trabalho. Ele explicou que satanás irá tentar José mais e mais, já que não poderá fazer nada contra o ícone e por isso investirá mais ainda contra seu guardião.

Nos seus últimos meses de vida José se despedia das pessoas. Muitas vezes com lágrimas nos olhos, às vezes fazendo uma metanóia ele pedia perdão, sem dizer nada é claro. Mas muitos entendiam. E os que não entendiam, entenderam depois.

Certa jovem, K., nos relata que pouco antes de sua morte, José, inesperadamente (eles não eram muito conhecidos) se dirigiu a ela dizendo: ‘Se você um dia estiver necessitada de algo, peça a mim. É verdade que pouco posso fazer, mesmo assim, peça a mim ...’ Hoje essa moça tem certeza: José me disse para pedir-lhe em oração, como a um mártir.

Uma cortina de mistério encobre as circunstâncias do assassinato de José. Sem dúvida o desaparecimento do santo ícone está relacionado com a sua morte. Uma coisa é sabida com certeza - a perseguição contra José e o seu ícone tinha sido iniciada há muito tempo e com todos os artifícios planejados para um assassinato. Os detalhes agora não importam, está claro que o mandante principal do assassinato foi satanás.

É certo também que quando numa abafada noite de Atenas, num quarto de hotel os algozes de José começaram o seu vil trabalho, junto ao seu leito de morte invisivelmente se apresentou a Santíssima e Puríssima Virgem Maria. É muito possível que nos seus últimos instantes José tivesse vislumbrado a Mãe de Deus. Divino e tão longamente ansiado encontro! ...

O médico legista que examinou o corpo de José chegou à conclusão de que as suas pupilas estavam dilatadas como que diante de algo surpreendente, como que no momento da morte de repente lhe aparecesse alguém amigo. Podemos estar certos de que no caso a amiga era a Mãe de Deus.

Os assassinos de José eram no mínimo três. Dois o seguraram o terceiro o amarrou e depois todos juntos o golpearam. Antes de iniciar a tortura houve uma breve conversa. Eles o ameaçaram e queriam algo dele. Provavelmente era o ícone. José não se submeteu aos argumentos e às ameaças mas também não reagiu quando o amarravam. Depois começaram a bater com crueldade e profissionalismo, na cabeça, no pescoço, quebraram o pomo de adão, o sangue fluía da boca e dos olhos...

Aquela alegria celestial, reluzente e bem aventurada que ilumina um mártir de Cristo não é conhecida aos simples mortais. É exatamente esse conforto espiritual que vem ao socorro do mártir que manso e humilde acata quaisquer suplícios por Cristo. Assim José Muñoz Cortez subiu com estremecida emoção a rampa do seu Gólgota.

Deus não pode ser profanado ou insultado. Tampouco a Puríssima Mãe de Deus, quaisquer que sejam as mãos que detém seu ícone agora. "O ícone vai para onde deseja" dizia José com freqüência. E agora a sua estadia, onde quer que ele esteja, condiz com os desígnios de Deus, é benfazeja e necessária. Se o ícone está com amigos de José então ele oferece-lhes consolo e prêmio, se está nas mãos de inimigos - então o ícone serve de acusação e castigo e ao mesmo tempo apela para arrependimento e correção.

Enquanto isso, o guardião do santo ícone passou de seguidor de um exemplo para o Exemplo (ot obraza k Pervoobrazu) e hoje contempla a Rainha Celeste e Seu Divino Filho não através de ícones mas face à Face.

 

VI. Sinal Ou Simbolismo. Rússia E O Exílio.

Sinal.

Como já falamos, José recomendava prestar atenção aos sinais de Deus. Eis alguns exemplos de sua própria vida. Ele nasceu numa família espanhola, católica, no Chile no dia 13 de maio de 1948. Memorizem esta data – 13 de maio. Nesse dia repousou o arcebispo Inácio Briantcheninov, grande professor do ascetismo e profeta não reconhecido no seu tempo. Será uma coincidência? Depois de toda a análise feita sobre o servir e a teologia de José está evidente que não é coincidência, mas um sinal de Deus.

O santo ícone de Montreal de José começou a verter mirra no dia 24 de novembro de 1982. Esse dia da memória do bem aventurado justo Teófanes Studita, confessor, grande combatente e defensor do dogma da veneração dos ícones. Está claro que essa outra "coincidência" não é uma coincidência. Mesmo assim ficamos surpresos diante do que nos reserva a Providência Divina quando, no kondákio, tentamos substituir o nome do bem aventurado Teodoro pelo de José. Observe que a prática de usar o texto dedicado a um santo e adaptar a outro santo é comum na hinografia ortodoxa. Para nossa estupefação, constatamos que o kondákio se adapta perfeitamente à vida de José. Vejam:

"Escolhido pela Mãe de Deus, sua vida, à semelhança de anjo, sofridamente iluminou seus esforços, recebendo a coroa do martírio, e co-habitante com os anjos, tornou-se bem aventurado José: com eles orando a Cristo Deus não cesse de rezar por todos nós."

No russo original o texto fica:

José morreu como mártir em Atenas na noite de 30 para 31 de outubro de 1997. Mais precisamente no amanhecer do dia 31. Que representa esse dia? 31 de outubro é dia de festa satânica pela sua essência, no qual é costume se fantasiar de bruxas, demônios e outros representantes das forças ocultas.

Sob o ponto de vista da igreja o dia 31 de outubro é dia do santo apóstolo e evangelista Lucas. O apóstolo Lucas foi um dos mais queridos santos de José. José guardava com grande veneração as relíquias desse santo iconógrafo, e com freqüência as levava consigo para o local onde pintava um ícone.

No quadragésimo dia após sua morte, no cemitério de Jordanville, diante de seu túmulo rezaram uma panihida (réquiem). Ventava muito e as velas se apagaram e voltaram a acender por si mesmas. Esse sinal aconteceu dia 9 de dezembro de 1997 que é véspera do ícone da Mãe de Deus Znamenie, (do Sinal). Assim a Mãe de Deus honrando seu ícone "do Sinal" enviou para nós um sinal para a glorificação de seu fiel servidor. Além disso, o ícone Nossa Senhora "do Sinal" de Kursk veio a representar a guia e defensora dos russos no exílio.

Durante o ofício fúnebre de corpo presente (otpevani) no mosteiro de Jordanville o corpo de José não demonstrava sinais de deterioração e não exalava odor. Note-se que esse era o décimo segundo dia após sua morte. Um ano depois, operários trabalharam no local para o levantamento de uma lápide. Ao cavarem um buraco sobre o túmulo, ficaram surpresos ao ver que, ao contrário do que normalmente ocorre, não havia o inevitável odor de um túmulo recente.

A natureza reagiu, se manifestou ao evento da morte de José e do desaparecimento do ícone através de violentas calamidades. Dois meses após o martírio de José, na véspera de Natal de 1998, a cidade de Montreal e seus arredores se transformaram em uma cidade de gelo morta. As pessoas no período de semanas beiravam a morte nas suas casas sem aquecimento. Árvores se quebravam com o peso do gelo e caiam bloqueando ruas e estradas. Para completar, no dia 25 de janeiro, aparentemente por causa do congelamento, um incêndio destruiu a catedral de São Nicolau, freqüêntemente visitada pelo santo ícone de José... Muitos ficaram confusos: porquê isso, que pecado grave cometemos em relação ao ícone e seu guardião para sermos privados da catedral? Reflitamos, será que alguns de nós acreditamos nas vís calúnias provocadas para manchar a santidade do escolhido da Mãe de Deus, aquelas calúnias que se iniciaram na imprensa de Atenas e do Canadá, procurando sensacionalismo barato? Será que nenhum de nós teria acusado o próprio José pelo desaparecimento do ícone? Lamentavelmente, as notícias sensacionalistas assustaram até algumas pessoas honradas e respeitadas dentro da Igreja, que precisamente no momento que eram esperadas as palavras decisivas, preferiram se calar e lavar as mãos à semelhança de Pilatos. Perdoe-nos, Mãe de Deus, perdoe-nos José.

Nossas orações e agradecimentos do fundo do coração àqueles nossos hierarcas e sacerdotes que sem hesitar afastaram as dúvidas ardilosas, que tanto fizeram para a salvaguarda da reluzente memória do irmão José, pelo que demonstraram através dessa ação o bom exemplo do verdadeiro amor aos mártires!

Ícone Do Mártir E A Glorificação De Optina.

Foi surpreendente a reação de fé que ocorreu entre os fiéis da Rússia diante do martírio de José. Relatarei apenas um dos episódios.

No verão de 1999 o autor deste texto foi testemunha de como Optina venera a memória de José.

Numa certa manhã ensolarada, acompanhado da matushka Maria Potapov, da catedral de São João o Precursor da cidade de Washington, nos aproximamos dos santos portões do mosteiro de Optina. Entrando vimo-nos no meio de um buquê de aromas de plantas diversas, cores vivas, borboletas esvoaçantes e um indescritível silêncio. Aproximamo-nos da casa-cela de madeira do abade Mikhail, que conheci na minha última visita à Optina. Otetz Michail, à semelhança do formidável herói (bogatir) do conto de fadas, forte e bondoso estava conversando com alguém à soleira da porta e aparentando esperar por nós. Ao perceber as visitas, o batiushka se adiantou para se despedir da pessoa.

- Otets Vsevolod! Então, trouxe a matushka Maria? - com alegria se dirigiu a nós o Otets Mikhail.

- Sim, batiushka, a sua bênção.

Abençoando-nos otets Mikhail inesperadamente desapareceu na sua cela, dizendo:

-Esperem por favor. Já volto.

Dentro de meio minuto, apareceu irradiando pura alegria, trazia nas mãos um reluzente ícone dourado.

- É o primeiro ícone pintado representando o mártir José! - declarou com alegria otets Michail. Depois, abençoou a matushka com o ícone dizendo:

- Matushka, esse ícone – é um presente à sua paróquia pelo amor que tinham ao irmão José!

A matushka estava muda de tanta surpresa, sorria admirada, com olhos arregalados. É espantoso!

Otets Michail nos explicou :

- Como sabem, José é nosso – é de Optina. Na tonsura, ele é Ambrósio, em honra ao nosso Starets. E daí que nós o representamos no ícone.

Nesse ícone José está representado num fundo dourado, em vestes brancas de mártir, segurando a cruz na mão direita e o ícone de Íver de Montreal na mão esquerda, sobre a cabeça - o nimbo de santo.

... À noite do mesmo dia nos encontramos com o resto da irmandade de Optina para a exibição do vídeo sobre o irmão José. E eis uma nova "coincidência" - a apresentação do vídeo se deu no aposento que segundo a tradição de Optina nele habitou o bispo Inácio (Briantcheninov). Só então percebemos que o aniversário de nascimento de José é no dia da memória do bispo Inácio.

Depois da exibição do vídeo sugeri que todos juntos cantássemos "Vetchnaia Pamiat," Memória eterna. E eis que algo surpreendente aconteceu – a irmandade jubilosamente entoou um tropário e a glorificação para José, o mártir!

Foi assim que a Optina deu início ao processo de glorificação de José.

Salvação Da Rússia.

Porque o coração do povo ortodoxo russo está tão receptivo ao irmão José? Porque José é o mais recente membro de uma legião de novos mártires e confessores russos. E agora o Céu lhe deu a palavra.

Também porque ele é um daqueles monges de sabedoria celeste, através dos quais, como profetizou o escritor Feodor Michailovitch Dostoievski, virá a salvação para a Rússia.

Em outros tempos, esses monges eram os bem aventurados Sérgio de Radonej e Serafim de Sarov, e em nossos tempos – o arcebispo João (Maximovitch) e o hieromonge Serafim (Rose). A Rússia os reverencia com muito amor. Eles são a referência para o povo russo que, despertando do sono espiritual, se educa e toma o seu exemplo de fé e piedade. José foi um desses monges que se encontravam entre o universo celeste e o universo terreno, que recebiam a luz do alto e passavam-na a todas as pessoas.

José certa vez falou: "A Rússia precisa de um exemplo de um verdadeiro monge, aquele que rejeitasse o mundano e se oferecesse por inteiro para Deus..." Ele próprio não sabia que, seguindo os passos do arcebispo João e do otets Serafim, ele ofereceu à Rússia, e por que não, ao mundo, esse seu exemplo.

Mesmo com milhões de exemplares da Sagrada Escritura editados, e outras obras de literatura cristãs, mesmo que escolas teológicas e seminários sejam abertos, mesmo com todos os ensinamentos ortodoxos, mesmo assim, sem cessar, ano após ano, século após século, a vida dos cristãos está se tornando cada vez mais terrena.

Por essa razão é indispensável que de vez em quando apareça um monge de espírito, mesmo que seja um leigo, nem tanto pelas palavras mas pelo exemplo de sua vida, e se necessário, através de sua morte, restabeleça na consciência das pessoas o ideal evangélico do Cristianismo. Uma pregação calorosa de uma pessoa assim é capaz de reavivar centenas de corações. Nós, cristãos modernos, somos tão fracos em espirito e tão inconstantes, que é imprescindível para nós, não através de leitura, mas ao vivo, ouvir pelo menos uma vez a mensagem evangélica de que "esse mundo é um rio que corre e carrega consigo para a perdição os capitães de navio que não tem firme propósito. Euforia, lágrimas, sucesso e naufrágio – é uma corrente de ilusões, encantamento, miragem, o vazio aterrorizante de um túmulo. Não existe nenhuma outra verdade a não ser o Céu!"

Hoje, essa mensagem nos trouxe José. Se Deus quiser, outros virão e trarão a mensagem. E quanto mais tiver esses mensageiros tanto mais rápido a Rússia será salva. Sua salvação não significa necessariamente que ela renascerá à semelhança do antigo esplendor terreno. A salvação da Rússia está na sua fusão com a Santa Russ, no reconhecimento em si mesma, como nos tempos antigos, de que ela é a Casa da Santíssima Mãe de Deus.

Essa Rússia no seu direito se chamará de mãe de todos os russos encontrando-se na pátria e no exílio.

Somente essa Rússia será digna do reaparecimento do santo ícone de Íver de Montreal. Por essa Rússia sempre rezou e continua rezando José Muñoz Cortez.

Jordanville, EUA 1999-2002

(Para este artigo foi usada como fonte de informações

um texto manuscrito, a letopis, ou seja, o diário da Casa do Ícone –

que é uma fundação em memória do irmão José, em Montreal, no Canadá.)

 

Folheto Missionário número PA27

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Redator: Bispo Alexandre Mileant

(jose_munos_v_filipiev_p.doc, 07-25-2005)