Deus

Único

Reverenciado na Santíssima Trindade

Autor: Bispo Alexander (Mileant)

Tradução: Boris Petrovich Poluhoff

 

Conteúdo:

A grandeza de Deus e o esforço do homem para conhecê-Lo. A imagem de Deus perante os povos antigos e perante os filósofos. Os atributos de Deus: como eles são explicados nas Escrituras Sagradas e nos relatos dos Santos Padres. O mistério da Santíssima Trindade. A revelação da perfeição Divina através de Jesus Cristo. Oração a Deus. Ode a Deus. Quão sagrado é Deus.

 

 

A grandeza de Deus

e o esforço do homem para conhecê-Lo.

Deus é o mais elevado e perfeito Ser, Criador e Dirigente de todo o universo. Ele é o Espírito Eterno, que está em todo lugar (onipresente), que tudo sabe (onisciente) e que tudo pode (onipotente). Em Seu Ser, Deus está acima da compreensão não somente para o raciocínio dos seres humanos, mas também para o entendimento dos anjos: "Que é o único que possui a imortalidade e que habita numa luz inacessível, o Qual não foi nem pode ser visto por nenhum homem, ao qual seja dada honra e império sempiterno. Amém" (1Tim 6:16).

São Basílio, o Grande, escreve: "Se você deseja falar sobre Deus, renuncie ao seu corpo e aos seus sentimentos físicos, deixe a terra, o mar e faça o ar estar abaixo de você. Ultrapasse as estações do ano, a sua ordem natural, os ornamentos da terra, coloque-se mais elevado do que a esfera celestial, passe através das estrêlas, de sua beleza, de sua grandeza, de seu benefício, do que elas oferecem em conjunto, boa ordem, harmonia, equilíbrio, luz, posição, movimento e passe através das várias conexões e distâncias, que elas têm entre si. Ultrapassando tudo isso com sua mente, viaje pelo céu e parando acima dele, com um só pensamento visualize toda a beleza deste lugar: ignorando os exércitos dos Anjos, a liderança dos Arcanjos, a força dos Principados, a glória dos anfitriões os Tronos, Querubins e Serafins, as Virtudes, Dominações e Potestades, que são as três ordens celestes existentes. O mundo espiritual angelical é muito maior do que o nosso mundo físico. Ultrapassando tudo isso, deixando toda a criação abaixo de nosso intelecto, ampliando nossa mente além dos seus limites, imagine em seus pensamentos a essência de Deus, imutável, inabalável, infalível, impassível*, simples, descomplicada, correta, indivisível, luz inacessível, força sem dimensão, grandeza ilimitada, glória radiante, bondade cobiçada, beleza imensurável, que ataca profundamente a alma ferida, porém, que pelos seus méritos não pode ser retratada por palavras".

*(indiferente à dor, à alegria ou ao desgosto)

Tal elevação espiritual exige uma reflexão sobre Deus. O ser humano parecendo contrário ao senso comum, no entanto, desde a infância esforça-se por conhecer a Deus apesar de todas as limitações de sua mente e de suas forças espirituais. O esforço instintivo da mente humana em direção a um Ser Superior e em direção ao mundo espiritual é observado entre as pessoas de todas as raças, culturas e níveis de desenvolvimento. Aparentemente, no caráter real de uma pessoa há alguma coisa como um imã, que a atrai para cima e para dentro de uma esfera invisível e perfeita. As Escrituras Sagradas chamam essa "alguma coisa" que existe no homem de "a imagem e semelhança de Deus", a qual o Criador fixou na base de nosso ser espiritual (cf. Gên 1:27). Somente a existência desse parentesco entre a alma e o seu Criador pode explicar porque pessoas inteiramente destituídas da educação religiosa e nas mais desfavoráveis circunstãncias, adquirem por si próprias gradualmente noções verdadeiras sobre Deus. É também considerável, que Deus vem ao encontro dessas pessoas, que O procuram e de alguma maneira misteriosa Ele Se revela a elas.

As Escrituras Sagradas preservaram a memória de um curto e precioso período do surgimento da humanidade, quando Deus aparecia e dialogava com Adão e Eva, como um Pai dialoga com Seus filhos (Gên 2). Entre os primeiros habitantes não existia nenhum sinal de medo perante o Ser Superior, embora os ateístas afirmem repetidamente, que a religião surgiu como resultado do medo instintivo dos seres humanos frente aos fenômenos naturais como: furacões, maremotos, vulcões e outras catástrofes da natureza. Ao contrário, de acordo com o livro de Gênesis, o primeiro reconhecimento do Criador para com o homem foi repleto de graça e de confiança. A perda da graça devido ao pecado original foi precisamente o que privou o homem do sentimento de familiaridade divina e da bondade de Deus.

 

A imagem de Deus

perante os povos antigos

e perante os filósofos.

A maioria dos descendentes de Adão e Eva depois que perderam a graça divina, começaram a afastar-se cada vez mais de Deus, tornando-se mais selvagens, adquirindo superstições e entregando-se aos vícios. O desenvolvimento da idolatria começou gradativamente. Entretanto, o esforço instintivo em direção a Deus permaneceu no homem. Toda a história da humanidade antiga reconhece o fato, de que o homem em oposição aos animais nunca se limitou somente à satisfação de suas necessidades físicas. Seu pensamento é subconscientemente atraído para cima, para o outro mundo, para o Criador. Ele tem sede de saber, como e porque surgiu o mundo que o cerca; se existe uma razão superior para sua existência na terra e o que o aguarda além da morte; se existe um outro mundo ou mundos mais evoluídos; e, se existe uma justiça superior e absoluta como recompensa pelos bons atos e como castigo pelos crimes. Ele observando a grandeza, a harmonia e a beleza do mundo, chega à conclusão, que tem que existir um Criador para tudo. Seu sentimento moral indica também, que existe um único Ser justo, o Qual admitirá a cada um, receber o que merece. Assim, sob a influência de razões internas e motivos externos é que surge gradativamente no homem o sentimento religioso ― a necessidade de conhecer seu Criador e se aproximar Dele.

Por essa razão, nunca existiu um povo completamente destituído de qualquer sentido sobre Deus. Plutarco escreveu (séc. I d. C.): "Olhem para a face da terra, vocês encontrarão cidades sem exércitos e fortificações, sem culturas avançadas, sem líderes, vocês verão pessoas sem moradias permanentes, sem o conhecimento do uso do dinheiro, sem o conceito das artes, mas vocês não encontrarão nenhuma sociedade humana sem fé em Deus".

Devido a falta de escritos detalhados sobre a vida e crenças dos povos mais antigos é difícil determinar como surgiram e se desenvolveram suas aspirações religiosas. Uma série de estudiosos na área das religiões comparativas afirmam, porém, que a religião original de muitos povos antigos era a fé em um único Deus estruturada no monoteísmo, enquanto que o endeusamento das forças da natureza e diferentes deuses (politeísmo) surgiram mais tarde entre esses povos (ver o livro do professor Wilhelm Schmidt "Der Ursprung der Gottesidee" "A Origem da Concepção Divina"). Os primeiros capítulos do livro de Gênesis apresentam-nos o fato, de que o politeísmo começou a se desenvolver entre os "filhos do homen" (descendentes de Caim) como resultado de sua depravação moral, enquanto que "os filhos de Deus" (descendentes de Set, outro filho de Adão, que substituiu Abel morto por Caim) conservaram sua fé em um Deus único (Gên 6:2 e rodapé 6).

A propósito, é necessário esclarecer, que nas religiões politeístas destacava-se normalmente um Único Grande Deus entre as outras divindades menos importantes. Por essa razão, apesar de todas as imperfeições das religiões pagãs, suas confissões na existência de um Deus Superior deduz que o ser humano é religioso por natureza. O ateísmo é antinatural, ele é um estado patológico da alma humana. Ele se origina de um estilo de vida pecaminoso e se torna arraigado através dos anos pelo modo de fixação das idéias ateístas.

Na Grécia, onde o politeísmo começou a afastar o monoteísmo aproximadamente 600 anos antes de Cristo, vemos uma sensível e forte resistência por parte dos pensadores daquela época — os filósofos. O primeiro deles, Xenofonte (570-466 a.C.) indignou-se contra aqueles que endeusavam animais e seus heróis legendários. Ele disse: "Entre deuses e homens existe um único Deus Mais Superior, o Qual não Se assemelha com eles nem espiritualmente, nem externamente. Ele é todo visão, todo pensamento, todo audição. Ele habita eterna e imutavelmente em um único lugar... Com Seu pensamento, Ele governa tudo sem dificuldade". Heráclito fala do Logos eterno, de Quem tudo recebeu a sua existência. De acordo com Logos ele significa Sabedoria Divina. (Os ensinamentos sobre Logos foram desenvolvidos por Filo no século I d.C.). Anaxágoras (500-427 a.C.) descreve Deus como a mais pura Razão, Onisciente (que tudo sabe) e Onipotente (que tudo pode). Essa Razão, por ser uma Essência Espiritual Onipresente (presente em todos os lugares) e Onipotente traz tudo em perfeita ordem. Deus criou o mundo do caos original (vazio obscuro e ilimitado que antecede e propicia a geração do mundo). Sócrates (469-399 a.C.) reconheceu que há um único Deus. Esse Deus é o início moral no mundo e a "Providência", isto é, Ele se preocupa com o mundo e com as pessoas. Platão (428-347 a.C.) lutando contra as crenças pagãs, exigiu que fosse excluído qualquer sinal de imperfeição, apreensão ou alteração do conceito de Divindade: "Deus, e não o homem, é a medida mais elevada de tudo". Para Platão, Deus (Demiurgo: designação dos filósofos platônicos para Deus) é o criador de tudo, o Artista do universo. Ele é o Espírito eterno, que muda a aparência da matéria de acordo com Seu pensamento. Existe um eterno e real mundo das idéias, o qual é por natureza inseparavelmente ligado a realidade verdadeira do homem. O cabeça desse reino das idéias eleva-se à Idéia do Bem, ou Deus, o Criador do universo infinito (escrito por "Timeu"). Platão sustentava que a alma humana é imortal. Aristóteles (384-322 a.C.) vê em Deus o início de todo o mundo, o começo do movimento do universo, "o Primeiro Ativador imutável", a fonte do movimento e da ação no universo. Ele é a Essência eterna, toda-perfeita, o início e o centro da ação, o movimento e a energia. Ele é inatingível, incompreensível, autocriador. Ele é a Razão Puríssima, "razão da razão", livre de qualquer materialidade e vivendo na mais intensiva atividade intelectual da própria-contemplação. "A realidade do pensamento é vida e Deus é essa realidade". De acordo com Aristóteles o mundo todo anseia por Deus, por um Ser amado como resultado de Sua perfeição. Arato da Cilícia, poeta do século III a.C., elevou a idéia da imagem de Deus no homem, dizendo: "somos verdadeiramente da Sua linhagem" (um raciocínio similar foi expressado pelo seu contemporâneo, o estóico de nome Cleanto) (At 17:28 e rodapé 28). Com isso, se pode presumir, que os filósofos insistindo na existência de um Único Ser sábio sobre o mundo, o Ser perfeito, influenciaram os atenienses a levantarem um altar ao "Deus desconhecido", o Qual foi mencionado pelo apóstolo Paulo no começo de seu célebre discurso no Areópago em Atenas (At 17:23).

Dessa maneira, as noções de alguns filósofos sobre Deus eram verdadeiras e profundas. Os próprios pensadores mais eminentes compreendiam que poderia haver somente um Deus verdadeiro. Deus é todo pensamento e possuidor da mais elevada sabedoria. Ele é o eterno, Absoluto transcendental, a primeira Razão de qualquer atividade e movimento no mundo. Para alguns filósofos predominou a idéia de Deus como o "Demiurgo" — o responsável pela existência do universo. Porém, eles não possuiam uma noção precisa sobre Deus como a encontramos na Bíblia, que é a noção de Deus como Criador, Que fez o mundo do nada. A principal falha de suas idéias filosóficas sobre Deus está em um Deus "frio", isto é, um Deus distanciado da terra como se Ele estivesse solitário em Sua própria vida interna contemplativa. A razão dessa idéia "fria" sobre Deus dos filófosos é devido ao fato deles não possuírem a prática espiritual pessoal: eles não experienciaram uma vida relacionada com as graças de Deus, uma vida que surge para a pessoa durante a evocação de dedicadas preces e orações (contudo, muitos Santos Padres tinham alta estima pelos antigos filósofos e até mesmo os denominaram de "cristãos antes de Cristo". A principal contribuição dos antigos filósofos gregos é por terem trabalhado e desenvolvido conceitos morais-religiosos e criado uma terminologia adequada, que ajudou os primeiros cristãos a se defenderem e os pais da Igreja a levarem adiante e a defenderem as verdades cristãs).

As análises sobre o Ser Superior dos filósofos aqui apresentadas são também interessantes, porque elas mostram os limites sobre o conhecimento de Deus que o homem pode obter através de seus próprios esforços naturais (outras análises mais evoluídas sobre Deus entre os filósofos da idade média e contemporânea foram tomadas do cristianismo). Nós encontramos conhecimento mais puro e completo sobre Deus nas Escrituras Sagradas, onde aprendemos que Ele Se revelou às pessoas que O procuraram — os justos do Antigo e do Novo Testamento. Aqui, não é mais o fruto de reflexões abstratas e suposições, mas o esclarecimento direto de Deus compreendido pelos Santos como uma experiência espiritual ativa. Os Santos escreveram sobre Deus, aquilo que o Espírito Santo revelou aos seus espíritos. Por essa razão, nas Escrituras Sagradas assim como nas obras dos Santos cristãos não há especulações ou contradições, mas há uma concordância completa em tudo.

 

Os atributos de Deus:

como eles são explicados nas Escrituras Sagradas

e nos relatos dos Santos Padres.

As Escrituras Sagradas dão-nos uma elevada e unificada representação de Deus. Elas ensinam que Deus é único. Ele é o mais elevado, global e individual Ser; Deus é Espírito — eterno, bondoso, onisciente, justo, onipotente, onipresente, imutável, pleno e bem-aventurado. O Deus todo-poderoso não tendo necessidade de coisa alguma, criou do nada, através de Sua bondade, todo o mundo visível e invisível, inclusive os seres humanos. Antes da criação do mundo não existia nada, nem o espaço, nem o tempo. Um e outro surgiram juntos com o mundo. Deus, igual a um Pai amoroso, preocupa-se com o mundo como um todo e com cada ser por Ele criado — até mesmo com o menor de todos os seres. Ele dirige cada pessoa para a salvação eterna através de Seus caminhos misteriosos, porém, sem forçá-la, mas esclarecendo-a e ajudando-a a realizar suas boas intenções.

Nós vamos examinar agora, mais detalhadamente, vários atributos divinos mostrados nas Escrituras Sagradas e através dos Santos Padres da Igreja. Deus revela-se ao homem como um Ser completamente distinto do mundo físico, mais especificamente — como um Espírito. As Escrituras dizem: "Deus é Espírito e em espírito e verdade é que O devem adorar os que O adoram" (Jo 4:24). "Ora o Senhor é o Espírito e, onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade" (2Cor 3:17). Em outras palavras, Deus é destituído de qualquer tipo de materialidade, corpo ou forma, pois essas características são inerentes aos seres humanos e até mesmo aos anjos que revelam em si somente a "imagem" da espiritualidade de Deus. Deus é o mais elevado, mais puro e mais perfeito Espírito. Deus revelou-Se ao profeta Moisés como: "Eu sou Aquele Que sou" (Êx 3:14), como a mais pura, espiritual e elevada Existência. Na verdade, encontramos às vezes nas Escrituras Sagradas algumas passagens, as quais descrevem Deus simbolicamente como tendo membros semelhantes aos dos seres humanos: ouvidos, olhos, braços e outros, denominando isso de antropomorfismo (semelhante aos humanos). Essas expressões são usadas para maior clareza, a fim de nos ajudar a visualizar uma aparência. Elas são encontradas, na maioria das vezes, nas partes poéticas das Escrituras Sagradas. Com essas expressões, as Escrituras têm em mente as propriedades espirituais correspondentes de Deus, como por exemplo: ouvidos e olhos simbolizam Sua orientação e direção para tudo (onisciente); mãos e braços simbolizam Seu poder de realizar tudo (onipotência) e o coração representa Seu amor.

Para a consciência contemporânea não é nenhuma questão tradicional, imaginar Deus como um Espírito puro, contudo o difundido panteísmo em nosso tempo contradiz essa verdade ("Deus é tudo e tudo é Deus" — uma forma de Divindade que está espalhada por toda a natureza sem uma característica definida e inconsciente, como por exemplo, o Budismo e algumas religiões orientais baseadas nessa idéia). Por essa razão, até hoje em dia ouvimos durante o "Ritual da Ortodoxia" celebrado no primeiro domingo da grande quaresma (Páscoa): "Para aqueles que dizem, que Deus não é Espírito, mas corpo — anátema".

Deus é eterno. A existência de Deus é atemporal, uma vez que o tempo é simplesmente uma forma de existência finita e mutável. (O tempo é considerado como a "quarta" dimensão na relatividade física. De acordo com a cosmologia moderna, espaço e tempo não são entes infinitos. Eles surgiram com o mundo e desaparecerão juntos com ele. Eles apareceram pela vontade de Deus e podem desaparecer ou tornar-se algo completamente diferente do que eles são agora). Para Deus não existe passado, nem futuro, mas somente o presente. "No princípio, Senhor, fundaste a terra, e os céus são obra das Tuas mãos. Eles perecerão, mas Tu permanecerás; todos eles envelhecerão como veste. E como roupa os mudarás, e serão mudados; Tu, porém, és sempre o mesmo, e os Teus anos não terão fim" (Sl 101:26-28). Muitos Santos Padres ressaltam a diferença entre o conceito de "eternidade" e "imortalidade". Eternidade é a força vital, não tendo começo, nem fim. "O conceito de eternidade pode somente ser aplicado para uma única essência Divina sem começo, na Qual tudo é sempre o mesmo e está sempre no mesmo estado. O conceito de imortalidade é atribuído àquele a quem foi dada a existência e que não morre, como por exemplo, aos anjos e a alma humana. Eternidade no sentido verdadeiro aplica-se somente para a essência Divina" (São Isidoro Pelusiote). Nesse sentido mais expressivo é "Deus pré-eterno".

Deus é bondoso, isto é, Ele é infinitamente generoso. As Escrituras testemunham: "O Senhor é compassivo e misericordioso, paciente e de muita misericórdia" (Sl 102:8). "Deus é caridade" (1Jo 4:16). A bondade de Deus não se estende para uma região limitada da terra, nem Seu amor característico é dirigido para determinados seres, mas ela se estende para o mundo todo e para todos os seres que nele se encontram. Ele se preocupa carinhosamente com a vida e com a necessidade de cada criatura, não importa quão pequena ou insignificante elas possam parecer para nós. São Gregório o Teólogo diz: "Se fosse perguntado a nós: A quem vocês honram e a quem vocês reverenciam? A resposta está pronta: Nós reverenciamos o amor". Deus concede as Suas criaturas tantas bênçãos, quantas cada uma possa aceitar, de acordo com sua natureza e condição e na medida em que isso corresponde à harmonia geral do mundo. Deus dá Sua graça especial aos seres humanos. "Deus é como uma ave-mãe, que vendo seu filhote caído do ninho, voa até ele para ampará-lo e levantá-lo, e quando ela o vê em perigo de ser engolido por alguma cobra, ela o sobrevoa com lamentosos pios assim como a todos seus outros filhotes, não sendo ela capaz de ser indiferente à perda de nenhum deles" (Clemente de Alexandria). "Deus ama-nos mais que um pai, mãe ou amigo, ou mais que qualquer outra pessoa que nos possa amar e até mesmo mais que nós próprios podemos nos amar, porque Ele se preocupa mais com nossa salvação do que com Sua própria glória; e como prova desse amor Ele enviou ao mundo (em forma humana) Seu Filho Unigênito para sofrimento e morte e somente para nos abrir o caminho da salvação e da vida eterna" (João Crisóstomo). Se a pessoa não compreende toda a força da graça de Deus e isso ocorre várias vezes, significa que ela focaliza demasiadamente seus pensamentos e desejos no bem-estar terreno, porém a Providência Divina procura mostrar-nos, que não devemos valorizar tanto os bens terrenos e temporários e nos chama a conquistar para nossas almas o bem eterno.

Deus é onisciente. "Não há nenhuma criatura invisível na Sua presença mas todas as coisas estão a nu e a descoberto, aos olhos Daquele de Quem falamos" (Hebr 4:13). O rei David escreveu: "Os Teus olhos viram-me, quando era ainda informe" (Sl 138:16). A onisciência de Deus é simultaneamente visão e conhecimento direto de tudo, atual e possível, o presente, o passado e o futuro. A própria previsão do futuro é na verdade uma visão espiritual, porque para Deus o futuro é o presente. A previdência de Deus não impede o livre arbítrio de Suas criaturas, assim como a liberdade de nosso próximo não é violada pelo fato de nós vermos suas ações. A previdência de Deus com relação ao mal no mundo e nas ações dos seres livres é no entanto coroada pela previsão da salvação do mundo, quando "E, quando tudo Lhe estiver sujeito, então ainda o mesmo Filho estará sujeito Àquele que sujeitou a Ele todas as coisas, a fim de que Deus seja tudo em todas as coisas" (1Cor 15:28).

A Sabedoria de Deus é o outro lado de Sua onisciência. "Grande é o nosso Senhor, e grande o Seu poder, e a Sua Sabedoria não tem limites" (Sl 146:5). Os Santos Padres da Igreja seguindo a palavra de Deus, apontavam sempre para a grandeza da Sabedoria Divina com profunda veneração, quando se referiam à ordenação do mundo visível, dedicando a esse assunto obras completas, como por exemplo: Discussões sobre os 6 dias, isto é, sobre o processo da criação do mundo (São Basílio "O grande", São João Crisóstomo, São Gregório de Nissa). "Uma erva ou uma folha de relva é o suficiente, para você ocupar todo seu pensamento com a investigação, de que maneira ela foi criada" (São Basílio "O grande").

Deus é justo. Justiça é compreendida na palavra de Deus e na sua linguagem habitual de duas maneiras: a) como sagrada e b) como justiça na defesa do bem. Justiça como sagrada consiste não somente na ausência do mal ou do pecado, mas é a presença do mais elevado valor espiritual, ligado com a pureza e com a ausência do pecado. Justiça como sagrada é comparada à luz, e Justiça Divina é como a mais pura luz. Deus é "O Único Sagrado" por essência, por Sua natureza. Ele é a Fonte do sagrado para os anjos e para os seres humanos. A justiça de Deus é um outro aspecto de Sua benevolência. "E Ele mesmo julgará toda a terra com eqüidade; julgará os povos com justiça" (Salmo 9:9). "Que há de dar a cada um segundo as suas obras" (Rom 2:6). "Porque diante de Deus, não há acepção de pessoas" (Rom 2:11).

Como pode o amor Divino ser coordenado com a verdade Divina durante o julgamento rigoroso dos pecados e o castigo do pecador? Muitos Santos Padres da Igreja falaram abertamente sobre essa questão. Eles comparam a ira de Deus com a ira de um pai, que para fazer o filho desobediente voltar ao seu bom-senso, usa de medidas paternas punitivas, as quais ao mesmo tempo o entristece e o faz sofrer devido a irracionalidade do filho, sentindo compaixão por ele e pela angústia que lhe causou. Por essa razão a verdade de Deus é sempre a misericórdia e a misericórdia é a verdade, de acordo com a colocação: "A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se oscularam" (Sl 84:11).

O sagrado e a verdade de Deus estão intimamente ligados entre si. Deus chama a todos ao Seu Reino para a vida eterna, porém, no Reino de Deus não pode entrar nada impuro e por essa razão o Senhor purifica-nos com castigos como atos de repreensão pelo amor que Ele tem por nós, pois um tribunal de justiça aguarda-nos, um tribunal que é temível para nós. Como poderíamos entrar em um reino sagrado e de luz e como nos sentiríamos nesse reino, sendo impuros e obscuros e não tendo dentro de nós o sagrado e nenhum valor espiritual ou moral favorável?

Deus é onipotente. "Porque Ele disse, e foi feito; mandou, e foi criado" (Sl 32:9), assim o autor do salmo expressa-se sobre a onipotência de Deus. Deus é o Criador e o Provedor do mundo. Ele é o Todo-Poderoso. "Bendito seja o Senhor Deus de Israel; é só Ele que faz maravilhas" (Sl 71:18). Se Deus suporta o mal e os maus no mundo, não é porque Ele não pode destruí-los, mas é porque Ele concedeu aos seres espirituais o livre arbítrio e os orienta, a fim de que eles pela vontade própria rejeitem o mal e sejam mobilizados para o bem. (Considerando as questões ocasionais com relação ao que Deus "não pode" fazer, é necessário explicar, que a onipotência de Deus estende-se a tudo que é do anseio de Seus pensamentos, de Sua bondade e de Sua vontade).

Deus é onipresente. "Para onde irei a fim de me subtrair aoTeu espírito? E para onde fugirei da Tua presença? Se subo ao céu, Tu lá estás; se desço ao inferno, nele Te encontras. Se tomar asas ao romper da aurora, e for habitar no extremo do mar ainda lá me guiará a Tua mão, e me tomará a Tua direita" (Sl 138:7-10). Deus não tende a qualquer limitação de espaço, mas Ele penetra em tudo por Si só. Além disso, Deus como um Ser simples (indivisível) está presente em todo lugar não somente com uma parte de Si e não apenas com Sua força, mas Ele está presente com todo Seu Ser, enquanto que ao mesmo tempo não se une com aquilo, no qual Ele está presente. "Deus penetra em tudo, não Se une com nada e nada penetra Nele" (João Damasceno).

Deus é imutável. "Toda a dádiva excelente e todo o dom perfeito vem do alto e descende do Pai das luzes, no Qual não há mudança, nem sombra de vicissitude" (Tg 1:17). Deus é perfeição, e como cada mudança é um sinal de imperfeição, ela não pode ser admitida no Ser perfeito. O que não se pode dizer sobre Deus, é que Nele ocorra qualquer tipo de processo de crescimento, mudança de aparência, evolução, progresso ou qualquer coisa desse tipo. A imutabilidade de Deus não é uma imobilidade ou isolamento Consigo Próprio. Sua imutabilidade, Seu Ser é vida, cheio de força e ação. Deus Próprio em Si é vida e a vida é Sua existência.

Deus é pleno e bem-aventurado. Essas duas palavras têm significado semelhante. Pleno é uma palavra eslava e não pode ser compreendida como "satisfeito consigo mesmo". Ela significa o domínio de tudo, o tesouro absoluto, a plenitude de todas as graças. "Deus, que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo Ele o Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos pelos homens, nem é servido pelas mãos dos homens, como se necessitasse de alguma coisa, Ele que dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas" (At 17:24-25). Desse modo, o Próprio Deus apresenta-se como a fonte de toda a vida, de todo o bem. Todas as criaturas recebem Dele graças.

O apóstolo Paulo chama Deus de "bem-aventurado" por duas vezes em sua carta "A qual é segundo o Evangelho da glória de Deus bem-aventurado, o qual me foi confiado" (1Tim 1:11). "A qual mostrará, a seu tempo, o bem-aventurado e o único poderoso, o Rei dos reis e Senhor dos senhores" (1Tim 6:15). A palavra "bem-aventurado" não deve ser entendida como Deus tendo tudo em Si-mesmo é indiferente aos sofrimentos no mundo por Ele criado, mas deve ser comprendida como todos os seres recebem Dele e Nele suas bem-aventuranças. Deus não sofre, mas é misericordioso. "Cristo sofre como um mortal" (cânone de Páscoa) não pela Sua Divindade, mas pela Sua humanidade. Deus é a Fonte da bem-aventurança, Nele está a plenitude da alegria, a satisfação e o prazer para todos aqueles que O amam, como é dito no Salmo 15:11 " Mostraste-me as sendas da vida, a plenitude da alegria comTua presença, as eternas delícias a Tua destra".

Uma coisa deve ser observada, que as Escrituras Sagradas e os Santos Padres da Igreja falam primeiramente dos atributos de Deus e não da essência atual de Deus. Os Santos Padres falam raramente e apenas indiretamente sobre a natureza de Deus, explicando que a essência de Deus é "Una, Simples e Descomplicada". Mas essa simplicidade e essa falta de complexidade não é um todo indiferente ou vazio, mas ela contem em si a plenitude de Seus atributos. "Deus é um mar de essência, imensurável e ilimitado" (São Gregório o Teólogo). "Deus é a plenitude de todas as qualidades e perfeições em sua forma mais elevada e infinita" (São Basílio "O grande"). "Deus é simples e descomplicado. Ele é todo sentimento, todo espírito, todo pensamento, toda mente e toda fonte de todas as graças" (Irineu de Lion).

Os Santos Padres ressaltam que as multiplicidades dos atributos de Deus em vista da simplicidade do Ser é o resultado de nossa incapacidade de encontrar uma maneira simples para observar o que é Divino. Em Deus, um atributo é a faceta do outro. Deus é justo, isto significa que Ele é onisciente, onipotente, bom e bem-aventurado. A infinita simplicidade de Deus é semelhante à luz do sol, que se revela nas várias cores do arco-íris.

Os Santos Padres e as orações litúrgicas usam predominantemente na identificação dos atributos de Deus expressões gramaticalmente organizadas na forma negativa, usando as partículas "não" ou o prefixo "des". No entanto, temos que lembrar uma coisa, que essa forma negativa indica a "negação de limitações", como por exemplo, "não desconhecendo" ― significa "conhecendo". Dessa maneira, isso contém a afirmação da ilimitabilidade de Sua perfeição.

Além disso, nossos pensamentos falam sobre Deus 1) ou de Seu contraste para com o mundo, como por exemplo, Deus é Sem Começo, enquanto que o mundo teve um começo; Deus é eterno, enquanto que o mundo é temporário; 2) ou das ações de Deus no mundo e Seu relacionamento para com Suas criaturas (Criador, Provedor, Misericordioso, Juiz Justo).

Mesmo que nós ressaltemos os atributos de Deus, não conseguimos dar uma definição precisa para compreendê-Lo. Semelhante definição é em essência impossível, porque em qualquer definição há uma indicação de limites e portanto uma indicação de incompletude. Para Deus não há limites, portanto, não pode haver uma definição da compreensão de Deus. "Pois até mesmo a compreensão é uma forma de limitação" (São Gregório o Teólogo).

 

O mistério da Santíssima Trindade.

Os conceitos de unidade e dos mais elevados atributos de Deus não esgotam por si próprios a totalidade dos ensinamentos cristãos sobre Deus. A fé cristã nos introduz no mais profundo mistério da vida interior de Deus. Ela apresenta o Deus Único em essência e como uma Trindade em Três Pessoas. O conceito de "Pessoa" está limitado à idéia de "individualidade" e "consciência" da personalidade. Já que Deus é Único em Sua essência, então todos Seus atributos como eternidade, onipotência, onipresença e outros pertencem de igual forma a todas as Três Pessoas da Santíssima Trindade. Em outras palavras, o Filho de Deus e o Espírito Santo são eternos e onipotentes, assim como é Deus o Pai.

A verdade da Tri-unicidade (Trindade) de Deus representa um atributo de destaque do cristianismo. Não apenas as religiões mais comuns desconhecem essa verdade, mas não há clareza e nem uma revelação direta dessa verdade sobre a Trindade nos ensinamentos do Antigo Testamento. Nele existem simplesmente primeiras noções, gráficos, indicações ocultas, que só podem ser completamente compreendidas sob a luz do Novo Testamento, o qual revela com clareza completa os ensinamentos da Santíssima Trindade. Assim, por exemplo, são os dizeres do Antigo Testamento, testemunhando a pluraridade de Pessoas na Divindade: "Façamos o homem a Nossa imagem e semelhança" (Gên 1:26). "Eis que Adão se tornou como um de Nós, conhecendo o bem e o mal; agora, pois, (expulsemo-lo do paraíso), para que não suceda que ele estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente" (Gên 3:22). "Vinde, pois, desçamos, e confundamos de tal sorte a sua linguagem, que um não compreenda a voz do outro" (Gên 11:7). Aqui, Deus apropria-Se do rígido plural. Há um outro exemplo bíblico quando da narração sobre Deus onde os Três aparecem como Um. Por exemplo, quando Deus apareceu a Abraão na forma de três homens (anjos). Abraão conversando com os três utiliza a forma singular (cf. Gên 18:1-3). Essa aparição de Deus a Abraão serviu como tema para o famoso Rublev pintar o ícone da Santíssima Trindade.

O ensinamento sobre a Santíssima Trindade é a base sobre a qual é construída a fé cristã. Todos os agradáveis lados das verdades do cristianismo sobre a salvação, como a santidade, a bem-aventurança e a felicidade do ser humano podem sómente ser aceitos com a condição de nós acreditarmos nos Três-hipostáticos Seres da Santíssima Trindade, já que todas essas grandes bênçãos são dadas a nós através da atividade recíproca e conjunta das Três Pessoas Divinas. São Gregório o Teólogo diz: "O perfil de nossos ensinamentos é único e simples. Ele é como uma verdade gravada numa pedra, compreensível a todos: Essas pessoas ― sγo fiéis adoradoras da Trindade". A grande importância e o significado central do dogma da Santíssima Trindade esclarece a preocupação, pela qual a Igreja cristã sempre protegeu esse significado com vigilante e intenso esforço de pensamento e com o qual ela sempre defendeu sua fé das várias heresias, esforçando-se em fornecer sempre a mais precisa definição desse significado.

"Com efeito, são três os que dão testemunho no céu: o Pai, o Verbo e o Espírito Santo, e estes três são uma só coisa. E são três os que dão testemunho na terra: o espírito, a água e o sangue, e estes três são uma mesma coisa" (1Jo 5:7-8). Nessas poucas palavras está explícita a essência do ensinamento cristão sobre a Santíssima Trindade. Mas apesar da forma simples e resumida o dogma da Trindade contém um dos mais profundo, incompreensível e misterioso segredo da Revelação de Deus. Por mais que nós exercitemos nossa mente, somos completamente incapazes de compreender, como três Pessoas Divinas independentes (que não são forças, atributos ou fenômenos) e completamente iguais em dignidade Divina podem constituir um único e indivisível Ser.

Os Santos Padres da Igreja aproximaram-se inúmeras vezes dessa não abrangente, profunda e elevada verdade através de seus pensamentos iluminados por Deus. Eles usaram diferentes comparações em suas tentativas de esclarecê-la e trazê-la mais próxima à compreensão de nossa mente limitada, tomando um ou outro dos fenômenos circundantes da natureza ou da estrutura espiritual do ser humano como exemplo: 1) o sol, a luz e o calor ("Luz da Luz" no Credo); 2) a fonte, a chuva e o rio; 3) a raiz, a árvore e os galhos; 4) o pensamento, os sentimentos e o desejo. (São Cirílo, o santo igual aos apóstolos, instrutor dos eslavos, em 869 d.C., em um debate sobre a Santíssima Trindade com os muçulmanos apontando para o sol disse: "Veja, no céu encontra-se um círculo iluminado e dele nasce a luz e o calor que é emitido. Deus Pai como o disco solar é sem começo ou fim. É Dele que nasce o Filho de Deus, como a luz nasce do sol e como o calor que vai do sol junto com os raios de luz, assim procede o Espírito Santo. Cada um de nós consegue diferenciar separadamente o disco solar, a luz e o calor, mas o sol é um único no céu. Assim é a Santíssima Trindade: três Pessoas Nele, mas um único e indivisível Deus".

Todas essas comparações que facilitam a assimilação do mistério da Santíssima Trindade, parecem, no entanto, a mais fraca alusão à natureza do Ser Superior. As comparações usadas para esclarecimento desse assunto tão elevado, deixam-nos com uma sensação de insuficiência, desigualdade e incompreensão do mistério. Elas não conseguem retirar o véu da incompreensibilidade do mistério dos ensinamentos sobre o Deus Trino, que reveste o intelecto humano.

Com relação a esse assunto uma estória instrutiva foi preservada pelo conhecido mestre da Igreja ocidental — Santo Agostinho. Ele, certa vez, concentrado em seus pensamentos sobre o mistério da Santíssima Trindade e rascunhando um plano para escrever sobre o tema, partiu para uma praia à beira mar. Lá, ele viu um menino pequeno, brincando e escavando um buraco na areia. Aproximando-se do menino ele perguntou: "O que você está fazendo?" O menino respondeu sorrindo: "Eu quero despejar o mar nesse buraco". Santo Agostinho então compreendeu: "Será que eu não estou fazendo a mesma coisa que esse menino, tentando compreender o mar infinito de Deus com meu intelecto?"

Do mesmo modo, o grande Santo universal e bispo Gregório, que por seu talento aprofundou-se com seus pensamentos até mesmo nos mais profundos mistérios da fé e que foi honrado pela Igreja com o nome de Teólogo, escreveu a respeito de si mesmo: que ele fala sobre a Santíssima Trindade mais vezes do que ele respira e confessa sua insatisfação perante a todas as comparações dirigidas à compreensão do dogma da Trindade. Ele dizia: "Tudo que eu examinei com meu pensamento de todas as formas e variáveis, eu não consegui chegar perto do verdadeiro significado do Ser Deus".

De modo que, o ensinamento sobre a Santíssima Trindade é o mais profundo e incompreensível mistério da fé. Todos os esforços para fazê-lo compreensível e assimilá-lo dentro dos padrões habituais de nosso pensamento tradicional são em vão. São Atanásio "O grande" observa: "Aqui está o limite daquilo que os Querubins ocultam com suas asas".

No entanto, apesar de todas essas incompreensibilidades os ensinamentos sobre a Santíssima Trindade têm um significado moral importante para nós, e evidentemente por essa razão esse mistério é gradualmente revelado às pessoas. De fato, ele eleva a idéia de monoteísmo, coloca-o em uma base sólida e elimina aquelas importantes e invencíveis dificuldades, que antigamente surgiam no pensamento humano. Vários pensadores da antiguidade pré-cristã elevando-se à compreensão de unicidade no Ser Supremo, não podiam solucionar a questão, sobre como e onde exatamente revela-se a vida e atividade desse Ser por Si-próprio além de sua relação com o mundo. Assim, para eles a Divindade identificava-Se com o mundo (o panteísmo), ou apresentava-Se sem vida, fechada em Si mesma como um líder imóvel e isolado (o deísmo) ou tornava-se algo temível e austero sobre o mundo (o fatalismo). O cristianismo revela nos ensinamentos sobre a Santíssima Trindade, que nos Três-hipostáticos Seres na (Trindade) e além de sua relação com o mundo manifesta-se uma infinita plenitude de uma vida interna misteriosa. De acordo com a citação de um antigo mestre da Igreja (Pedro Crisológue), Deus é Único, mas não só. Nele há uma distinção de Pessoas, vivendo Uma com a Outra em associação contínua. "Deus o Pai não nasce e não procede de outra Pessoa. O Filho de Deus nasce do Pai pré-eternamente e o Espírito Santo procede do Pai pré-eternamente". Nessa associação mútua das Pessoas Divinas é onde existe a sagrada vida interna da Divindade, a qual antes de Cristo estava oculta atrás de uma cortina impenetrável.

O cristianismo ensinou através do mistério da Trindade, não apenas a honrar e a venerar a

Deus, mas também a amá-Lo. O cristianismo deu ao mundo através desse mistério em particular a encantadora e importantíssima idéia de que Deus é infinito e perfeito Amor.

O rigoroso e seco monoteísmo dos ensinamentos de outras religiões (judaísmo e islamísmo) por não se elevar à idéia inalterável da Trindade Divina, não pode por essa razão elevar-se à verdadeira compreensão do amor como característica dominante de Deus. O amor por sua mera essência é inconcebível sem uma união ou relacionamento. Se Deus é Uno, em relação a quem seria revelado o Seu amor? Ao mundo? Mas o mundo não é eterno. Como poderia o amor Divino ser expressado na eternidade antes de existir o mundo? Além disso, o mundo é limitado e o amor de Deus não pode revelar-se em toda sua infinitude. O mais elevado amor exige um objetivo mais elevado para sua completa revelação. Mas onde ele está? Sómente o mistério do Deus Trino fornece respostas para essas questões. Ele revela que o amor de Deus nunca esteve inativo, sem se revelar: As Pessoas da Santísima Trindade vivem Umas com as Outras em contato contínuo de amor desde a eternidade. "O Pai ama o Filho, e pôs todas as coisas na Sua mão" (Jo 3:35, 5:20; Mt 3:17, 17:5 e outros). O Filho diz de Si: "Mas é preciso que o mundo conheça que amo o Pai e que faço como Ele me ordenou" (Jo 14:31). As palavras breves e expressivas de Santo Agostinho são profundamente verdadeiras: "O mistério da Santíssima Trindade cristã é o mistério do amor Divino. Você vê a Santíssima Trindade, se você vê o amor".

O conceito de Deus como Amor é baseado nos ensinamentos sobre a Santíssima Trindade. Todos os ensinamentos morais cristãos são fundamentados nesse ensinamento, cuja essência consiste na lei do amor.

Em nosso humilde reconhecimento da impossibilidade da compreensão do mistério da Santíssima Trindade devemos aceitá-lo com a máxima fé e de tal modo que essa verdade não se torne algo externo e isolado em relação a nós, mas que ela penetre na mais íntima profundeza de nosso espírito, tornando-se propriedade total de nossa alma e o guia da fonte de força de nossa vida. Assim, deveria ser em essência a aquisição de outras verdades cristãs, pois o cristianismo não é uma teoria abstrata, mas um novo renascimento da vida!

Nota: Os antigos ensinamentos ortodoxos sobre as características individuais do Pai, Filho e Espírito Santo são distorcidos pela Igreja Católica Romana com a criação do ensinamento à respeito da origem do Espírito Santo do Filho, ocasionando, portanto, a questão do filioque. A primeira menção desse relato provém do século VI, da Espanha. No século IX o papa Leão III na cidade de Nicéa em Constantinopla aprovando pessoalmente esse ensinamento, proibiu, no entanto, o acréscimo das palavras "e do Filho" no Credo, onde se diz, que o Espírito Santo "procede" do Pai. Apesar disso, alguns séculos mais tarde as palavras "e do Filho" foram, contudo, estabelecidas no Credo Católico Romano. A Igreja Ortodoxa nunca concordou com esse acréscimo, porque o ensinamento sobre a procedência do Espírito Santo do Filho é ausente nas Escrituras Sagradas, era desconhecido pela Igreja da antiguidade e apresenta-se como uma invenção humana. Essa distorção da fé cristã é um dos mais sérios obstáculos para a aproximação da Igreja Católica Romana com a Igreja Ortodoxa. Os protestantes herdaram esse ensinamento dos católicos romanos, dos quais eles se separaram no século XVI.

 

 

A revelação da perfeição Divina

através de Jesus Cristo.

Há 2.000 anos atrás aconteceu um grande milagre e um mistério de devoção foi revelado: o Deus onipotente vivendo na mais inacessível glória veio ao mundo na Pessoa de Seu Filho Unigênito e Se tornou homem. O Filho de Deus ocultou a glória de Sua natureza Divina sob o abrigo de um corpo humano, de tal modo, que Ele não Se tornou uma pessoa das cinzas. Assim, o invisível tornou-se visível, o desconhecido tornou-se acessível a nossos conhecimentos e o inatingível tornou-se atingível.

Jesus Cristo disse a Seus contemporâneos: "Quem Me vê, vê também o Pai" (Jo 14:9). Quais atributos Divinos foram revelados às pessoas, que viram e se relacionaram com o Filho de Deus? Elas viram os atributos naturais a Deus — Sua onipotência e onisciência. A vida terrena do Salvador foi acompanhada por uma infinidade de milagres. Para Ele não existiam doenças incuráveis; a natureza inanimada obedecia imediatamente Sua palavra Divina; os anjos serviam-No com temor como a um Soberano; os demônios fugiam Dele temerosos assim como escravos culpados; até a implacável morte e o inferno absoluto rendiam-se a Ele, libertando seus prisioneiros ao céu. Todos os atos de Sua onipotência Divina foram realizados aos olhos de todos e deixaram uma indelével impressão na história da humanidade. A consciência da realidade dos discípulos de Cristo era tão forte em seus encontros com o Criador, que todos eles dedicaram suas vidas à pregação pelo mundo da alegre nova sobre a vinda de Deus a terra. São João o Teólogo escreveu: "O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos, o que apalparam as nossas mãos relativamente ao Verbo da vida, porque a vida se manifestou e nós a vimos, e damos dela testemunho, e vos anunciamos a vida eterna, que estava no Pai e nos apareceu" (1Jo 1:1-2).

As pessoas que tiveram um relacionamento com Cristo, viram Nele, além da Sua onipotência Divina, alguma coisa muito valiosa para si com relação à moral, que foram as Suas qualidades espirituais e santidade. Na vida terrena do Salvador foi revelada às pessoas uma visão completa de Suas virtudes: Sua sensibilidade, compaixão, altruísmo (não egoísta), humildade, paciência, coragem, obediência ao Pai, compromisso com a verdade, pureza absoluta, santidade e principalmente Seu Amor ilimitado. Os apóstolos mencionam continuamente a compaixão de Cristo, o Seu compadecimento pela aniquilação humana. São João o Teólogo conclui: "Nisto conhecemos o amor de Deus: em ter dado a Sua vida por nós; igualmente nós devemos também dar a vida pelos nossos irmãos" (1Jo 3:16).

O apóstolo Paulo sentindo a força do amor de Cristo, assim ele descreve as características dessa virtude: "A caridade é paciente, é benéfica; a caridade não é invejosa, não é temerária; não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre. A caridade nunca há de acabar, mas as profecias passarão, as línguas cessarão e a ciência será abolida" (1Cor 13:4-8).

Assim, Cristo monstrou ao mundo com Sua vida e atos a perfeição moral de Deus e nos deu a oportunidade de compreender, que a imagem e semelhança de Deus existe no homem, para que nós nos esforçemos por ela.

 

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Em resumo, Deus é o Ser Espiritual mais elevado, a Quem tudo pertence e sem o Qual nada é concebível. Ele não tem começo e nunca terá fim, existindo acima de qualquer tempo e espaço. Ele está em todo lugar ao mesmo tempo, penetrando tudo, mas nada pode penetrá-Lo. Ele é o começo, a continuação e a vida de tudo que existe. Ele é infinitamente bom e ao mesmo tempo é infinitamente justo. Ele não necessita de nada. Ele, em Sua bondade, preocupa-se com todo o mundo visível e invisível e dirige a vida de cada ser humano para a salvação. O caminho para o conhecimento de Deus e das bênçãos eternas é revelado às pessoas através do Filho Unigênito de Deus.

O homem contemporâneo, com sua enorme bagagem de todos os tipos de conhecimento, pouco sabe e pouco pensa sobre Deus. Tudo é direcionado, como se fosse de propósito, para o homem desviar seus pensamentos do mais importante ― de Deus e da eternidade, negando-lhe o relacionamento vivo com o Criador. Disso, vem nossa preocupação permanente, nossa decepção contínua e nossa tristeza espiritual. Um esforço voluntário é indispensável a nós, para afastarmos as preocupações a um segundo plano e voltarmos nosso rosto para Deus e enxergarmos Sua luz. Então, através do relacionamento com Ele sentiremos Sua proximidade e bondade, veremos Sua mão guiando nossa vida e aprenderemos a reverenciar Sua vontade. Assim, Deus tornar-Se-á gradativamente para nós, o que há de mais importante em nossa vida — a fonte de nossa força, paz e alegria; o objetivo de nossa existência. Ele se tornará nosso Pai e nós ― Seus filhos.

 

 

 

Oração a Deus.

Ó Senhor! Teu nome é Luz: ilumina minha alma, obscurecida pelas paixões. Teu nome é Misericórdia: não deixe de ser misericordioso para comigo. Teu nome é Força: fortaleça-me que estou fraco e caído. Teu nome é Paz: pacifique a minha alma irrequieta. Teu nome é Amor: faça-me digno de Teu dedicado amor!

 

 

Ode a Deus.

Ó Tu, infinito no espaço,

Vivo no movimento de tudo,

Na corrente do tempo eterno,

Sem imagem, mas em três faces da Divindade!

Espírito onipresente e único,

Aquele, Que não tem lugar nem porque

Aquele, o Qual ninguém pode alcançar,

Aquele, Que Consigo a tudo preenche,

Envolve, em tudo vive, a tudo protege,

Aquele, Que nós chamamos de Deus!

Inexplicável, Inatingível!

Eu sei, que para a minha alma

Os pensamentos são insuficientes

Até para tentar desenhar a Tua sombra.

Mas se é um dever homenageá-Lo,

Aos mortos enfraquecidos é impossível

Homenageá-Lo a não ser

Deles em Tua direção elevarem-se,

Perdendo-se na infinita diferença entre um e outro

E chorar lágrimas de agradecimento.

Derjavin (1743-1816).

Quão sagrado é Deus.

Quão sagrado é nosso Senhor no Sião,

Impossível descrever em palavras,

Ele é imenso em Seu trono nos céus,

Nos cantos terrenos é grande.

Em todo lugar Senhor, Tu és saudado

De dia, de noite, Teu brilho é igual.

Tu com o sol, ilumina os mortos,

Tu nos ama Deus, como filhos,

Tu com refeições nos alimenta,

E constrói cidades altíssimas,

Tu aos moribundos, Deus encontra

E em Tua graça alimenta.

Senhor! Que em Tua moradia

Cheguem nossas vozes,

E nosso canto perante Ti

Seja puro como o orvalho!

A Ti em nossos corações erguemos altares,

A Ti, Senhor, cantamos e saudamos.

M.M. Kheraskov 1723-1807

F

olheto Missionário número P46

Copyright © 2002 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Editor: Bishop Alexander (Mileant)

(god_p.doc, 09-20-2002)

 

 

Edited by

Date

Maria Felix dos Santos

9/20/2002