Quaresma -

Ao Preparo Para a Confissão / Comunhão

Padre Sérgio Metchev na 1a semana da Quaresma

Creio que o nosso grande problema é achar que a confissão seja uma obrigação nossa para cumprir uma vez por ano. Ao cumprí-la sentimos leveza e alegria. na verdade estamos confundindo o divino estado de graça com um sentimento corriqueiro de alegria.

Devemos entender que a confissão é um recurso com que Deus nos provê para nossa edificação espiritual, a edificação de nossa própria vida. A confissão é um sacramento entretanto nós o transformamos em momento de alegria corriqueira. Os Santos Pais da Igreja nos dizem que o verdadeiro arrependimento começa no momento que voce se confessou. O padre pede a intercessão de Deus para que envie o "Obraz" de arrependimento. E porque isso é necessário, já que a pessoa já se arrependeu? Porque a partir desse momento - a nossa confissão, absolvição e comunhão dá-se o início do verdadeiro arrependimento, que é a nossa verdadeira atitude de vida como cristãos - a de arrependimento. Se na vida somos pecadores mas almejamos o Reino de Deus, a nossa atitude deve ser de arrependimento durante a vida toda e diariamente, analisando a nossa consciencia e não uma vez por ano.

Os nossos Santos Pais da Igreja nos falam que o arrependimento vem somente com o sacramento da confissão e comunhão pois assim torna-se fácil policiar-nos e testar a nossa consciencia. A leveza que sentimos depois que comungamos significa a nossa purificação dos pecados, do grande emaranhado de nossos pecados. Quando conseguimos, com a ajuda de Deus nos libertar destes pecados então a graça divina vem a nós, quando então criamos condição de adentrar nossa alma purificada e assim podemos perceber qualquer novo pecado no qual incorremos. O homem enquanto imerso num caos de pecados nem tem condições de distinguí-los. Todos nós estamos apegados aos nossos pecados "inseparáveis e favoritos." Estes devem ser os primeiros a se combater.

Os Santos Pais da Igreja nos falam que o caminho para a purificação da alma é o de cultivar em si uma aproximação com Deus. Ao comungarmos sentimos alívio e leveza, estamos próximos a Deus, então falamos - "dever cumprido" e achamos que tudo foi finalizado. Não é assim, caros irmãos e irmãs, até aí pouco foi feito.

Deus nos deu tudo e nos redimiu. A Salvação é pertinente a Deus e homem juntos. Na minha jornada eu vou trilhando meu rumo, caminho e tropeço e Deus me ampara e guia. Como posso chegar a Deus, viver n'Ele se realmente almejo isso? Os Santos Pais nos falam que a oração é a união e vida do homem com Deus. E é aqui que está o nosso ponto fraco. Pergunto eu: você reza? Me respondem "não tenho tempo, pois de manhã estou com pressa e de noite já morto de cansaço." Porque então veio se confessar se voce não quer aceitar o que a Igreja te oferece, se a graça do sacramento recebida como benção misericordiosa é transformada em mero agradável estado de espírito momentaneo. Se voce dedica 7/8 horas ao sono, 16/17 horas ao trabalho será que para Deus voce não teria tempo? Então o seu cristianismo é falso.

Os Santos Pais da Igreja nos falam como é importante viver em Cristo, sempre estar em comunhão com Deus. Rezar de manhã e a noite. Se temos 10 horas para o nosso trabalho certamente podemos ter 10 minutos para Deus. De fato, é dificil rezar quando os olhos estão fechando de sono, mas podemos rezar antes, uma hora antes de dormir e continuar depois os afazeres. Deixe a oração mais breve para reza-la antes de deitar-se. É precisco entender que qualquer atividade nossa tem que ser abençoada por Deus e ao inicia-la pedimos a Sua ajuda, cada um de nós dentro de suas possibilidades, nem que seja "Deus tenha piedade de mim." Que seja breve a oração, pense que disso (ajuda de Deus) depende o sucesso da nossa oração da manhã e da noite. Se temos uma sincera intenção de viver em Cristo, Deus irá nos ajudar.

Também me perguntam - "como é que eu posso rezar se não tenho 'clima' para isso ou se não estou com vontade? Como é que eu vou rezar se estou com a alma empedrecida?" Sejamos honestos, qualquer trabalho que fazemos, ora fazemo-lo com alegria e vontade, ora com desanimo e sacrifício, mas, com algum esforço podemos nos absorver pela atividade e tornamo-nos diligentes mesmo se pouco antes estávamos desanimados e lerdos. O mesmo ocorre com as nossas orações. Fracos e pecadores que somos não conseguimos estar sempre em estado de constante fervor com Deus. Que isso não seja motivo para intimidar-nos, lembrem-se da viuva que que deu duas moedas, o que era tão pouco, mas que Deus aceitou pois era tudo o que ela possuia. Por isso não se preocupem porque falta vontade de rezar, pela ausencia de contrição. Se realmente queremos alcançar isso, vamos dizer a Deus: Senhor aqui estão minhas duas moedas, me ajude. Se voce, durante algum serviço pesado e com roupas sujas, recebe visita inesperada de seus pais que vem de longe, voce pára para tomar banho e trocar de roupa ou corre do jeito que está para recebe-los? É exatamente isso que Deus espera de voce.

Em cada minuto de nossa vida a nossa atitude deve ser a de almejar o caminho para Deus. Aos que vieram hoje, (aqueles que se confessam uma vez por ano), eu lhes peço que, após receberem a absolvição e a Santa Comunhão, que comecem uma verdadeira vida espiritual a partir desta Quaresma. Para aqueles que nem procuraram tentar, e para aqueles que fizeram tentativas e tropeçaram, que recomeçem novamente.

Voce que é médico, funcionário, operário ou dona de casa, tudo isso deve ser encarado como secundário. Em primeiro lugar pense que voce é cristão e viva em Cristo e santifique sua vida com Cristo. Lembre-se de que o arrependimento é um assunto para uma vida toda e que diariamente é necessário conferir a nossa consciencia e procurar aprimorar-se. Devemos direcionar-nos para Deus da maneira como estamos agora e não procurar momentos especiais para nos enlevar e ofertar nosso esforço.

Desejo a todos voces que quando estiverem em paz com Deus, depois de se confessarem e comungarem, que seja este momento o início para um novo caminho, para uma lembrança do que Cristo fez por nós, para o aprendizado da oração, do arrependimento e a consciencia de seus pecados não somente na hora da confissão mas em cada momento de nossa vida terrena. Amém.

 

Orações típicas da Quaresma

Tropário de penitência: (canta-se todos os domingos).

"Abre-me as portas da penitência, Senhor, Fonte de vida, pois desde a aurora, meu espírito que leva o templo de meu corpo todo manchado de pecado está voltado para Teu Templo santo! Em Tua infinita bondade, purifica-me por Tua doce misericórdia. Aplana-me o caminho da salvação, ó Mãe de Deus! Pois sujei minha alma com pecados infames dissipando minha vida na negligência. Por Tua intercessão, salva-me de toda impureza! Quando medito, miserável, sobre a multidão de minhas más ações fico aterrorizado ao pensar no temível dia do Julgamento. Porém confiando em Tua bondade misericordiosa, chamo a Ti, como David: Tem piedade de mim, ó Deus segundo Tua imensa misericórdia!

Oração do 1º dia de Quaresma:

"Comecemos alegremente o Tempo do jejum e lancemo-nos no combate espiritual, guardemos nossa alma do mal e purifiquemos nossa carne. Jejuemos de toda paixão assim como de alimento, e que nossas delícias sejam as virtudes do Espírito. E que praticando-as com perseverança e amor possamos todos nós conseguir ver a venerável Paixão de Cristo, e, no júbilio espiritual, a Santa Páscoa."

Oração de Quaresma de São Efrem o Sírio:

Esta oração é lida duas vezes no fim de cada ofício de Quaresma, de segunda a sexta (não é dita sábado e domingo, pois os ofícios destes dois dias não seguem a ordenação de Quaresma, como veremos abaixo). Ela é dita uma primeira vez, fazendo-se uma prostração após cada súplica. Depois inclinamo-nos doze vezes dizendo: "O Deus, purifica-me, pecador:" Enfim repetimos toda a oração com uma última prostração no fim.

Por que essa oração tão curta e tão simples ocupa um lugar tão importante nos ofícios da Quaresma? É que ela enumera de forma muito feliz todos os elementos negativos de nossos pecados e positivos do arrependimento, e de alguma maneira constitui um lembrete para nosso esforço pessoal de Quaresma. Este esforço visa antes de tudo libertar-nos de certas doenças espirituais fundamentais que impregnam nossa vida e que nos colocam praticamente na impossibilidade até de começarmos a nos voltar para Deus.

A doença fundamental é a preguiça. Ela é aquela estranha apatia, aquela passividade de todo nosso ser, que sempre nos puxa para baixo, e que constantemente nos persuade de que nenhuma mudança é possível e conseqüentemente nem desejável. É, de fato, um cinismo profundamente arraigado que, a todo convite espiritual, responde: "Para quê? E que desta forma faz de nossa vida um apavorante deserto espiritual. Esta preguiça é a raiz de todo pecado, porque ela envenena a energia espiritual na própria fonte.

A consequëncia da preguiça é o desencorajamento (1). É o estado de acidia (2) - que todos os Padres espirituais encaram como o maior perigo para a alma. A acidia é a impossibilidade no homem de reconhecer qualquer coisa de bom ou positivo; tudo é levado para o negativismo e o pessimismo. É verdadeiramente um poder diabólico em nós, pois o diabo é basicamente um mentiroso. Ele mente para o homem a respeito de Deus e do mundo; ele enche a vida de escuridão e negação. O desencorajamento é o suicídio da alma, pois quando o homem está possuído por ele, torna-se absolutamente incapaz de ver a luz e desejá-la.

O domínio (3). Por mais estranho que possa parecer, é precisamente a preguiça e o desencorajamento que enchem nossa vida do desejo de dominar. Ao viciar completamente nossa atitude diante da vida, e tornando-a vazia e desprovida de sentido, eles nos obrigam a procurar compensação em uma atitude radicalmente falsa para com os outros. Se minha vida não está orientada para Deus, se não busca os valores eternos, inevitavelmente ela se tornará egoísta e centrada em mim mesmo, o que quer dizer que todos os outros seres se tornarão meios a serviço da minha própria satisfação. Se Deus não é o Senhor e Mestre da minha vida, então eu me torno meu próprio senhor e mestre, e centro absoluto de meu universo, começo a avaliar tudo em função das minhas necessidades, das minhas idéias, dos meus desejos e dos meus julgamentos. Desta maneira, o espírito de dominação vicia minha relação com os outros em sua base; procuro submetê-los a mim. Ele não se exprime necessariamente na exigência efetiva de comandar ou de dominar os outros. Pode também tornar-se indiferença, desprezo, falta de interesse, de consideração e de respeito. É bem a preguiça e o desencorajamento, uma desta vez em relação aos outros; o que completa o suicídio espiritual com um assassínio espiritual.

E para terminar-a vã loquacidade. De todos os seres criados, somente o homem foi dotado do dom da palavra. Todos os Padres vêem nisto o "selo" da imagem divina no homem, pois o próprio Deus se revelou como Verbo (Jo 1:1). Mas pelo próprio fato de ser o dom supremo, o dom da palavra é o supremo perigo. Pelo fato de ser a própria expressão do homem, sua forma de realização, ela é a ocasião de sua queda e de sua auto-destruição, de sua traição e de seu pecado. A palavra salva, e a palavra mata; a palavra inspira, e a palavra envenena. A palavra é instrumento de verdade, e a palavra é instrumento de mentira diabólica. Tendo um extremo poder positivo, ela tem, no entanto, um terrível poder negativo. Verdadeiramente, é um poder criativo, positivo ou negativo. Desviada de sua origem e seu objetivo divinos, a palavra se torna . Ela é de grande auxílio à preguiça, ao desencorajamento, o espírito de domínio, e transforma a vida em inferno. Ela se torna a própria potência do pecado.

Eis então os quatro pontos negativos visados pelo arrependimento; são os obstáculos que devem ser eliminados; mas somente Deus pode fazê-lo. Daí a primeira parte de nossa oração de Quaresma; este grito do fundo de nossa impotência humana. Depois a oração passa aos objetivos positivos do arrependimento, que são também em número de quatro.

A castidade. Se não se reduzir este termo a sua acepção sexual, como frequentemente se faz de forma errônea, a castidade pode ser considerada como a contraparte positiva da preguiça. A tradução exata e completa do termo grego "sofrosyni" e do russo "tselomoudryiê" deveria ser "total integridade." A preguiça é antes de tudo dispersão, fracionamento de nossa visão e energia, incapacidade de ver o todo. Seu oposto é então justamente a integralidade. Se pelo termo de castidade nós habitualmente designamos a virtude oposta à depravação sexual, é que o caráter partido de nossa existência manifesta-se, mais do que em qualquer outro aspecto, no desejo sexual, esta dissociação do corpo da vida e do controle do espírito. Cristo restaura em nós a integridade, e o faz dando-nos a verdadeira escala de valores, levando-nos de volta a Deus.

O primeiro fruto maravilhoso desta integridade ou castidade é a humildade; Ela é acima de tudo a vitória da verdade em nós, a eliminação de todas as mentiras em que vivemos habitualmente. Somente a humildade é capaz de verdade, é capaz de ver e aceitar as coisa como elas são e, portanto, de ver Deus, Sua majestade, Sua bondade e Seu amor em tudo. É por isso que nos é dito que Deus dá graça ao humilde e resiste ao soberbo.

A castidade e a humildade são naturalmente seguidas pela paciência. O homem "natural" ou "decaído" é impaciente porque, cego sobre si mesmo, tende a julgar e condenar os outros. Tendo apenas uma visão fragmentária, incompleta e errônea de todas as coisas, julga tudo a partir de suas idéias e seus gostos. Indiferente a todos, exceto ele mesmo, quer que a vida dê certo aqui mesmo e neste minuto. A paciência, aliás, é uma virtude verdadeiramente divina. Deus é paciente não porque Ele é "indulgente," mas porque Ele vê a profundidade de tudo o que existe, porque a realidade interna das coisas que, em nossa cegueira, nós não vemos, está desnudada diante Dele. Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais nos tornamos pacientes e mais refletimos este respeito infinito por todos os seres, que é a qualidade própria de Deus.

E enfim, o coroamento e fruto de todas as virtudes, de todo crescimento e de todo esforço, é a caridade (amor), este amor que, como já dissemos, só pode ser dado por Deus, este dom que é o objetivo de todo esforço espiritual, de toda preparação e de toda ascese.

Tudo isso se encontra resumido e reunido na súplica que conclui a oração de Quaresma e na qual pedimos para "ver minhas próprias faltas e não julgar a meu irmão." Pois, finalmente, há apenas um perigo: o do orgulho. O orgulho é a fonte do mal, e todo mal é orgulho. Contudo, não me basta ver minhas próprias faltas, pois até esta aparente virtude pode se transformar em orgulho. Os escritos espirituais estão cheios de advertências contra as formas sutis de pseudo - devoção que, na verdade, sob aparência de humildade e auto-acusação, pode conduzir a um orgulho verdadeiramente diabólico. Mas quando nós "vemos nossas faltas" e "não julgamos nossos irmãos," quando, em outras palavras, castidade, humildade, paciência e amor são uma coisa só em nós, então e somente então, o último inimigo - o orgulho - está destruído em nós.

Após cada súplica da oração, nós nos prostramos. Este gesto não é limitado à oração de Santo Efrem, mas constitui uma das características de toda a oração litúrgica quadragesimal. Aqui, entretanto, seu significado aparece melhor. No longo e difícil esforço de recuperação espiritual, a Igreja não separa a alma do corpo. O homem inteiro, em sua queda, desviou-se de Deus; o homem inteiro deverá ser restaurado; é o homem todo que deve voltar para Deus. A catástrofe do pecado reside precisamente na vitória da carne - o animal, o irracional, a paixão em nós - sobre o espiritual e o divino. Mas o corpo é glorioso, o corpo é santo, tão santo que o próprio Deus "se fez carne." Assim, a salvação e o arrependimento não são desprezo ou negligência do corpo, mas restauração dele em sua verdadeira função enquanto expressão da vida do espírito, enquanto templo da alma humana que não tem preço. O ascetismo cristão é uma luta, não contra o corpo mas por ele. Por esta razão, o homem todo - corpo e alma - se arrepende. O corpo participa na oração da alma, da mesma forma que a alma ora pelo corpo e no corpo. As prostrações, sinais psicossomáticos do arrependimento e da humildade, da adoração e da obediência, são portanto o rito quadragesimal por excelência.

(N da T) Em francês, o termo que corresponde à "dissipação" da Tradução portuguesa da oração é "découragement."

Acidia - "SF. Abatimento de corpo e do espírito, moleza, frouxidão, acedia" (Novo dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).

Em francês, "sede de dominação" (N da T).

A Grande Quaresma - AS

Go to the top


Folheto Missionário número P3

Edição da Igreja da Proteção de Nossa Senhora.

Copyright (c) 2000 and Published by

Holy Protection Russian Orthodox Church

2049 Argyle Ave. Los Angeles, California 90068

Editor: Bishop Alexander (Mileant)

 

(quaresma_p.doc, 03-06-2000)