Nossos protetores no Céu

 

Bispo Alexandre (Mileant)

Tradução: Elga Drizul

Digitação: Nicolai Abel Corino da Fonseca Neto

 

 

 

Conteúdo:  

A veneração dos santos pelos ortodoxos. As testemunhas da Verdade (Os sacrifícios dos mártires) Sacrifício dos monges (Reverendos) "Iuródstvo" por Cristo. Os santos na Igreja Ortodoxa.

 

 

 

A veneração dos santos pelos ortodoxos.

Durante o batismo, a pessoa recebe o nome em homenagem a um santo, que, a partir desse momento, passa a ser o seu protetor celeste. Cada um dos cristãos ortodoxos deve conhecer a vida do seu protetor celeste e recorrer a ele em oração, pedindo ajuda e orientação. Os nossos antepassados religiosos comemoravam o dia do seu santo — "o dia do anjo" — comungando e comemorando esse dia mais solenemente que o dia do seu aniversário.

Qual o sentido da veneração dos santos na religião ortodoxa? Será que esses santos que estão no Céu conhecem as nossas necessidades e dificuldades e se interessam por nós? Será que eles ouvem as nossas preces dirigidas a eles e procuram ajudar-nos? Será que devemos recorrer aos santos pedindo ajuda ou basta rezar somente a Deus? Os sectários, tendo perdido a tradição apostólica, não entendem a essência e o objetivo da igreja de Cristo e por isso negam a necessidade de rezar aos santos no céu. Nós vamos expor aqui um resumo do ensinamento Ortodoxo a esse respeito.

A veneração dos santos pelos ortodoxos emana da convicção que todos nós, os que estamos nos salvando e os já salvos, vivos e mortos, constituímos uma única família de Deus. A Igreja é uma grande sociedade que engloba o mundo vivível e o invisível. Ela é uma organização enorme, universal, construída sobre o princípio do amor, onde cada um deve zelar não somente por si, mas também pelo bem e salvação

De outras pessoas. Os santos — são aquelas pessoas que, durante a sua vida mais demonstraram o amor ao próximo.

Nós, ortodoxos, cremos que, quando um justo morre, ele não rompe a sua ligação com a Igreja, mas passa à sua região mais elevada, celeste — à Igreja triunfante. Tendo ido ao mundo espiritual, a alma do justo não pára de pensar, querer, sentir. Ao contrário, essas suas qualidades desabrocham aí ainda com maior intensidade.

Cristãos não ortodoxos modernos, tendo perdido a ligação com a Igreja Celestial-terrena, têm opiniões das mais contraditórias e confusas a respeito da vida após a morte. Alguns deles pensam que, após a morte, a alma adormece e é como se desligasse de tudo; outros — que a alma do homem, mesmo que continue a sua atividade após a morte, não se interessa mais pelo mundo que abandonou. Outros — que não se deve rezar aos santos por princípio, já que o cristão tem comunicação direta com Deus.

Qual o ensinamento das Sagradas Escritura a respeito dos justos que abandonaram o mundo terreno e a respeito do poder da oração deles? No tempo dos apóstolos, a Igreja era entendida como única família espiritual Celeste-terrena. O apóstolo Paulo escreveu aos cristãos recém-convertidos: "Vós vos aproximastes da montanha de Sião, da cidade do Deus vivo, da Jerusalém Celeste, das miríadas dos anjos, da assembléia festiva dos primeiros inscritos no livro dos Céus, e de Deus, juiz universal, e das almas dos justos, que chegavam à perfeição" (Hbr 12:22-23). Em outras palavras, vocês, tornando-se cristãos, entraram para a grande família e em contato íntimo com mundo celeste e com os justos que estão lá. As palavras de adeus do apóstolo Pedro aos cristãos da Ásia — "Mas cuidarei para que, ainda depois do meu falecimento, possais conservar sempre a lembrança dessas coisas" (2 Pe 1:15)testemunha claramente que ele promete continuar zelando por eles, mesmo depois da sua passagem para o mundo espiritual do além.

A antiga prática de recorrer aos santos mártires e aos santos pedindo ajuda baseia-se na consciência do contato vivo da Igreja Celeste-terrena e na crença na força da oração.

Nós sabemos que deus chamava de amigos não a todos, mas aos homens mais assíduos e devotos ainda durante a sua vida e os glorificava com dons do Espírito Santo e milagres. Assim, Cristo disse aos apóstolos durante a Última Ceia: " Vós sois Meus amigos, se fazeis o que vos mando .." (Jô 15:14-15) e "todo aquele que faz a vontade do Meu Pai que está nos céus, esse é Meu irmão, Minha irmã e Minha mãe" (Mt 12:50). A história Sagrada traz muitos exemplos da proximidade espiritual dos santos a Deus. Assim, por exemplo, Abraão pediu a Deus para ter misericórdia dos habitantes de Sodoma e Gomorra, e Deus estava pronto para atendê-lo, caso fossem encontrados lá pelo menos 10 justos. Em outra ocasião, Deus suspendeu o castigo ao Abimelec, rei de Gerara, atendendo às preces de Abraão (Gen 18, Gen 20). A Bíblia relata que Deus conversava com o profeta Moisés face a face "tal qual o homem conversa com seu amigo." Quando Marian, irmã de Moisés pecou e foi castigado com lepra, Moisés suplicou pelo perdão dela ao Senhor (Ex 33:11, Num 12). Pode-se trazer outros exemplos sobre a força especial das orações dos que agradam a Deus.

Os santos não encobrem Deus, nem diminuem a necessidade de recorrer a Ele, como nosso Pai Celestial. Pois os membros adultos da família não diminuem a autoridade dos pais quando juntamente com eles cuidam das crianças.

Mais ainda: nada deixa os pais mais felizes do que ver os irmãos mais velhos cuidando dos menores. Da mesma forma, o Pai nosso Celestial se alegra quando os santos rezam por nós e procuram ajudar-nos. Os santos tem uma fé mais forte que a nossa e estão mais próximos de Deus por causa da sua virtude. Por isso, vamos recorrer a eles, como a nossos irmãos mais velhos, que intercedem por nós aos pés do trono do Altíssimo.

É maravilhoso que os justos, ainda vivendo na terra, viam e conheciam muito do que não está ao alcance de pessoas comuns. Esses dons, eles devem tê-los mais evidenciados ainda, quando libertaram-se da carne efêmera e passaram para o outro mundo. O apóstolo Paulo, por exemplo, viu o que ocorria dentro da alma do Ananias; ao Elizeu foi revelado o ato ilegal do criado Giezi e, mais espantoso ainda, veio a saber as intenções secretas do rei da Síria, que ele transmitiu ao rei de Israel. Os santos, estando na terra, penetravam espiritualmente no mundo celestial e viam multidões de anjos, outros foram até considerados dignos de vislumbrar Deus (Isaías, Ezequiel), outros ainda foram levados ao terceiro céu, e lá ouviam palavras misteriosas, como por exemplo, o apóstolo Paulo. Ainda mais estando no Céu, eles são capazes de saber o que ocorre na terra ouvir os que clamam eles, já que os santos no Céu " são iguais aos anjos" (At 5:3); 2 Rein cap.4; 2 Rein 6:12; Lc 20:36). Da parábola de Cristo sobre o rico e o Lázaro, ficamos sabendo que Abraão, estando no Céu, podia ouvir os gritos do rico que sofria no inferno, apesar do "imenso precipício" que os separava. As palavras do Abraão: "teus irmãos tem Moisés e profetas, que os escutem" — mostram claramente que Abraão sabe da vida do povo judeu após a morte dele, sabe do Moisés e das suas leis, dos profetas e seus escritos. A visão espiritual das almas dos justos no céu é sem dúvida superior à que tinham na terra. O apóstolo escreve: "Hoje vemos como através de um vidro fosco, confusamente; mas, então veremos face a face. Hoje, conheço em parte; mas, então conhecerei totalmente, como eu conhecido" (1 Cor 13:12).

A proximidade dos santos ao trono de Deus e o poder da sua pelos que crêem, e que estão na terra, torna-se evidente no livro Apocalipse, onde o apóstolo João escreve: "Na minha visão ouvi também ao redor do trono, dos Animais e dos Anciãos, a voz de muitos anjos, em número de miríades de miríades e de milhares de milhares." A seguir, ele descreve a visão dos justos orando no Céu pelos homens, que pensam na terra: "Adiantou-se outro anjo e pôs-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro na mão. Foram lhe dados muitos perfumes, para que os oferecesse com as orações de todos os santos no altar de ouro, que está adiante do trono. A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos diante de Deus" (Apoc. 5:11; 8:3-4).

É grande o poder da oração! " Orai uns pelos outros, para serdes curados: a oração do justo tem grande eficácia" — ensinava o apóstolo Tiago (Tg 5:16). A oração pelos santos no Céu, orando por nós, demonstram o seu amor e zelo fraternos.

No Evangelho e em outros livros do Novo Testamento, achamos vários exemplos que testemunham sobre o poder da oração pelos outros. Assim, por exemplo, atendendo ao pedido do oficial do rei, o Senhor curou o filho dele, atendendo à súplica da mulher de Cananéia, a filha dela foi libertada do demônio; atendendo ao pedido do pai, o Senhor curou o filho dele endemoniado; atendendo ao pedido dos amigos — perdoou e curou o paralítico que desceram do telhado usando cordas; o criado de centurião romano foi curado pela fé do centurião. (Jo 4:46-53; Mt 15:21-23, Mc 9:17-25; Mc 2:2-25; Mc 8:5-13). Além disso, o Senhor fez a maioria das cura à distância.

Dessa forma, se as orações de pessoas comuns tem tamanha força, quanto mais as orações dos justos, perante o trono de Deus. "A confiança que depositamos Nele (o Filho de Deus) é esta: em tudo quanto Lhe pedirmos se for conforme a Sua vontade, Ele nos atenderá" — declara o discípulo amado do Cristo (1 Jo 5-14).

Eis porque a Igreja, desde os tempos mais antigos ensinava sobre a utilidade de recorrer em oração aos santos. Isso nós vemos, por exemplo, em antigas Liturgias e outros monumentos escritos. Na Liturgia do apóstolo Tiago nós lemos: "Lembremo-nos em particular da Virgem Santíssima, Mãe de Deus. Senhor, tenha misericórdia e perdoai-nos atendendo às preces Dela, puras e santas." São Cirillo de Jerusalém, explicando a Liturgia à igreja de Jerusalém, nota: "Durante a Liturgia, nós lembramos e citamos os que partiram, inicialmente os patriarcas, os profetas, os apóstolos, os mártires, para que, através da oração e interceder deles, o Senhor receba a nossa prece." São numerosos testemunhos dos pais e mestres da Igreja, principalmente a partir do século IV, a respeito da veneração dos santos pela Igreja. Mas, já no século II, existem testemunhos diretos escritos pelos antigos cristãos sobre a fé e oração dos santos no Céu pelos seus irmãos terrenos. Os que testemunharam o martírio e a morte do Santo Inácio (início do século II) dizem: "Tendo voltado para casa chorando, passamos a noite em claro. Depois, tendo adormecido um pouco, alguns de nós viram o Santo Inácio em pé, abraçando-nos, e outros o viram rezando por nós." Notas semelhantes com referência a orações e zelo dos mártires por nós são achadas em outros relatos da época de perseguição aos cristãos.

A certeza da santidade do falecido é confirmada por testemunhos especiais, tais como: martírio por Cristo, professar sem temor a sua fé, serviço abnegado à Igreja, dom de cura. Em especial, quando o Senhor confirma a santidade do falecido por meio de milagres realizados após a sua morte, a ser invocado em oração.

Além de ajuda por meio da oração, os santos nos ajudam a alcançar a salvação com o seu exemplo de vida. O conhecimento da vida dos santos enriquece o cristão com a experiência espiritual dos que, mais assiduamente que os outros, encarnavam o Evangelho na sua vida. Aí há tantos exemplos luminosos de fé viva, coragem, paciência. Sendo homens como nós e tendo vencido as maiores tentações, eles nos incentivam a prosseguir pacientemente e sem lamentação no nosso caminho da vida.

O apóstolo Tiago convoca os cristãos a imitar a paciência dos antigos profetas e de Jô (que muito sofreu), a ter a fé inabalável como a do profeta Elias. Apóstolo Pedro ensinava as mulheres cristãs a imitar a descrição e a obediência da venerável Sara, esposa do Abraão. O santo apóstolo Paulo cita os sacrifícios dos antigos justos começando com Abel e terminando com os mártires macabeus e conclama os cristãos a imita-los. Concluindo os ensinamentos sobre esse tema, ele escreve: "Desse modo, irmãos, cercados como estamos de uma tal nuvem de testemunhas, desvencilhemo-nos das cadeias do pecado. Corramos com perseverança ao combate proposto" (Tg cap. 5; 1 Pe 3:6; Hbr 12:1).

O Senhor dizia: "Não se acende uma luz para colocá-la debaixo da vasilha, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos Céus" (Mt 5:15-16). Os santos são estrelas brilhantes que nos indicam o caminho a seguir para o reino dos Céus.

Vamos dar valor à proximidade dos santos a Deus e recorrer a eles em busca de ajuda lembrando que eles nos amam e zelam pela nossa salvação. O conhecimento da vida dos santos é especialmente importante nos nossos dias quando, na vasta massa de "cristãos" de diversas tendências, ficou tão distorcido e diminuído o entendimento do ideal cristão.

 

 

 

As testemunhas da Verdade

(Os sacrifícios dos mártires)

Quando uma pessoa entra no templo Ortodoxo ela vai parar num ambiente especial, não terreno: imagens de anjos e de santos o rodeiam por todos os lados. No meio dessa plêiade, ela vê pessoas de diferentes nacionalidades, épocas, origens sociais, níveis culturais e formas de vida. Aqui há nobres e plebeus, ricos e miseráveis, com estudo e sem. Mas muitos deles tem algo em comum: eles partiram desse mundo de forma violenta — morreram por Cristo.

Nós os chamamos de mártires, mas a Igreja antiga os cham "MARTIS," termo grego que significa "testemunha." Queremos conversar aqui sobre o significado e o sentido do sacrifício do mártir.

A palavra "testemunha" no seu sentido usual significa "testemunha ocular" isto é, uma pessoa que viu e ouviu algo e fornece informações coerentes sobre isso. As decisões judiciárias devem basear-se nas testemunhas de defesa e de acusação. O que se exige da testemunha é que ela informe apenas o que observou diretamente e não suas próprias conclusões e suposições. A testemunha deve relatar somente fatos. O cristão torna-se "testemunha" da fé quando ele pela palavra ou pela sua vida testemunhe sobre a nova vida em Cristo, da qual ele tornou-se participante. Aqui, o objeto do testemunho vem a ser a experiência espiritual interior e não tanto a exterior.

A Sagrada Escritura chama o Senhor Jesus Cristo de "Testemunha fiel" (Apoc. 1:5; 3:14). Após Pentecostes, os Seus discípulos tornam-se testemunhas — os apóstolos de Cristo e os pregadores do Evangelho (Atos 1:8 e 1:22; 1 Pe 5:1; Apoc. 2:13 e 6:9).

O Senhor Jesus Cristo assim falou sobre o objetivo de Sua vinda na terra: "É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo que é da verdade ouve a minha voz." Jô 18:37; 8:32). A verdade, testemunhada pelo Filho de Deus encarnado, não era um ensinamento filosófico-religioso, abstrato, mas a revelação divina, que Ele ouviu do Seu Pai e viu no mundo espiritual de onde veio. Ele falava como quem conhece por experiência e ensinava a viver tal qual vivem os seres bem-aventurados no Reino do Seu Pai.

Aqueles que aceitavam o Seu testemunho, Ele ainda nesta vida temporária e de acordo com as suas condições, já iniciava na vida de bem-aventurança, dando-lhes a possibilidade de antegozar a alegria de contato com Deus, sentir a força vivificante e o calor da luz divina. As pessoas que tiveram o conhecimento por experiência da graça de Deus tornaram-se eles próprios testemunhas de Cristo — pela palavra e principalmente por sua conduta virtuosa na vida.

A experiência religiosa era particularmente perceptível para os discípulos do Cristo. Apóstolo João descreveu assim o que ele e outros apóstolos conheceram, convivendo com o Salvador.

"O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos olhos, o que temos contemplado e as nossas mãos tem apalpado no tocante ao Verbo da Vida — porque a vida se manifestou, e nós a temos visto; damos testemunho e vos anunciamos a vida eterna que estava no Pai e que se nos manifestou — o que vimos e ouvimos nós vos anunciamos para que também vós tenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com o Seu Filho Jesus Cristo. Escrevemo-vos essas coisas para que a vossa alegria seja completa" (1 Jo 1:1-4).

Caso Cristo pregasse apenas idéias abstratas, Seu ensino seria aceito com tranqüilidade e não provocaria uma divisão tão radical na sociedade, como a que nós observamos na história do cristianismo. As palavras de Cristo, tal qual uma luz fulgurante, penetram na alma em trevas do pecador, evidenciando-lhe a sua miséria moral e as feridas antigas da sua alma. Por isso, a fé em Cristo e a aceitação do Seu ensinamento levam invariavelmente à mudança de visão do mundo e às mudanças radicais no modo de vida. Essa mesma luz espiritual, penetrando cada vez mais profundamente nos labirintos da alma pecadora, derrama-se nela como bálsamo benéfico, curando as feridas e injetando na pessoa novas forças morais e inspirando-a para uma vida virtuosa.

E a medida que o homem vai se purificando e aperfeiçoa-se moralmente ele vem a conhecer por experiência a graça de Deus. Perante a sua visão espiritual abrem-se novos horizontes, ele começa a entender mais profundamente a ess6encia da vida espiritual, a futilidade e a falsidade do meio circundante, ele começa a ver com mais clareza a que aspirar e como agir. Tendo a experiência pessoal de quanto a vida em comunhão com Deus pode ser melhor e mais alegre, comparada com o vazio e as trevas em que ele permanecia antes, o homem anseia tornar essa comunhão mais plena e perfeita. O Reino de Deus torna-se para ele realmente um "tesouro que não tem preço" (Mt 13:44), pelo qual ele está disposto a sacrificar tudo, inclusive a própria vida.

Mas, infelizmente, nem todos são capazes de ver a luz, nem todos acham dentro de si forças para abandonar os hábitos pecaminosos, negar-se as vantagens materiais pela renovação da alma. Dos relatos do Evangelho nós vemos que, desde o primeiro dia da pregação de Cristo, a sociedade humana começou a dividir-se em dois blocos: aqueles que aceitavam alegremente o ensinamento de Cristo e aqueles que o rejeitavam. Além disso, esses que rejeitavam, freqüentemente não apenas ignoravam passivamente o ensinamento do Salvador, mas levantavam-se contra ele com indignação e até ódio. Jesus Cristo explicou da seguinte forma essa circunstância: "Todo aquele que faz o mal, odeia a luz e não vem à luz para que as obras dele não sejam reprovadas, porque são más. Porque todo aquele que age de acordo com a verdade vem à luz, para que as obras dele sejam visíveis, já que são feitas em Deus" (Jo 3:20-21). Em outras palavras, o ensinamento do Salvador possui a propriedade de revelar a real inclinação da pessoa, suas preferências e aspirações secretas. A pessoa que até então permanecia num estado espiritual como que neutro, tendo ouvido a pregação do Evangelho não pode permanecer indiferente em relação a ela: ou torna-se discípulo ou inimigo do Cristo.

O ódio crescente ao Cristo por parte dos escribas e líderes religiosos do povo judeu finalmente eclodiu e eles caluniaram-No à morte e conseguiram do Pilatos a Sua crucificação. Assim, a primeira Testemunha da fé (Apoc.1:5), veio a ser o primeiro Mártir pela fé. Mas, pela Sua ressurreição.

Ele venceu o comandante da mentira e da morte, o demônio e com isso, convenceu a todos que, no final, a verdade e a vida triunfarão.

A ressurreição do Salvador e a descida do Espírito Santo foram aqueles acontecimentos marcantes que definitivamente convenceram os apóstolos da verdade de tudo que Jesus Cristo ensinava e eles, como testemunhas oculares dos acontecimentos do Evangelho, resolveram dedicar a sua vida à divulgação da fé em Cristo. Eles entendiam a sua pregação exatamente como testemunho da vida bem aventurada que eles receberam em Jesus

Cristo. E, da mesma forma como durante a vida terrena do Salvador, o Seu ensinamento atraia alguns e repelia a outros, assim em todos os séculos vindouros, propagando-se pelos diversos países, a sociedade se divide em dois blocos. "Vim trazer não a paz, mas a espada. Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre o filho e a mãe ... Os inimigos do homem serão as pessoas da sua própria casa" (Mt 10:34-35).

O primeiro que sofreu por sua fé foi arqui-diácono Stefano, que foi apedrejado pelos judeus fora dos muros de Jerusalém logo após a descida do Espírito Santo. Com o passar do tempo, os apóstolos e discípulos do Cristo sofreram pela fé, em diversos países e nas mais diferentes circunstâncias. Parece que o apóstolo João foi o único que morreu de morte natural, sendo isso uma recompensa a ele pela sua corajosa vigília dos pés da cruz do Salvador.

Nero (54-68 a), foi o primeiro imperador romano que instituiu uma perseguição maciça e sistemática aos cristãos. Os apóstolos Paulo e Pedro sofreram em Roma no seu governo. Os cristãos eram jogados no circo aos animais ferozes que os devoravam ou eram cobertos com breu e acesos como tochas humanas para iluminar a cidade.

O Santo Justino Filósofo, escrito do século II, que também terminou a sua vida como mártir, ilustra no seguinte relato, como o cristianismo dividiu a sociedade na sua própria base — na família. Na cidade, onde ele morava — escreve o Santo Justino — uma mulher pagã tornou-se cristã. Seu marido, pagão, ficou bravo com ela por isso e queixou-se dela ao juiz local. Prevendo, que nada de bom a aguardava, a mulher conseguiu um adiamento da sua ida ao juiz, para cuidar do seu patrimônio. Enquanto ela tratava de por em ordem os seus negócios, o seu marido apresentava ao juiz, um certo Ptolomeu, que conforme ele soube, tinha ensinado a fé cristã à sua mulher. Ptolomeu foi interrogado durante o julgamento e quando ele admitiu que pertencia à religião cristã, foi condenado à morte pelo juiz. Então, os dois dos presentes ao julgamento protestaram, que um homem decente é condenado à morte pelas suas convicções religiosas. O juiz perguntou se os que protestavam eram cristãos também. Quando eles responderam afirmativamente, o juiz os condenou também à morte. Assim, enquanto preparava-se o caso contra a esposa-cristã, três outros cristãos pagaram com sua vida. Finalmente, a esposa foi julgada e condenada à morte.

E tudo começou, como explica o Santo Justino quando ela, tendo se tornado cristã não queria mais participar de perversões sexuais do seu marido, considerando-as pecaminosas.(segunda apologia do Justino ao Senado de Roma). Apesar de serem conhecidos nominalmente apenas alguns milhares de mártires, na realidade esse número atinge muitas dezenas de milhões.

A perseguição aos cristãos nunca cessou por completo, apenas se acirrava ou se acalmava e migrava de uma região para outra. Alguns períodos na história foram particularmente difíceis para os que acreditavam. Nos primeiro três séculos da era cristã, as perseguições aos cristãos eram lideradas principalmente pelos imperadores romanos. Após um período relativamente calmo, uma nova onda de perseguições sangrentas é promovida pelos árabes muçulmanos nos séculos VII — IX; nos séculos XIII — XVIII são substituídos pelos turcos. Não se pode deixar de notar o contraste e o método de propagação do cristianismo e da fé muçulmana. Os apóstolos vinham às pessoas pregando amor; eles estavam cheios de mansidão e freqüentemente tornavam-se vítimas dos incrédulos. Os muçulmanos, desde o primeiro dia do surgimento da sua religião disseminavam-na a ferro e fogo. E, finalmente, na primeira metade do nosso século os ateus — comunistas cometem terríveis atrocidades contra os que crêem. Com isso, cada nova onda de perseguição torna-se mais cruel e com maior derramamento de sangue que a anterior. A Sagrada Escritura profetiza perseguições ainda piores antes do fim do mundo.

Dessa forma, a guerra contra a fé cristã atravessa toda a história do Novo Testamento. Como explica a Sagrada Escritura, o seu líder é o próprio espírito decaído, o dragão primitivo que se considera o rei desse mundo.

Mas, tendo fisicamente sofrido por Cristo, as Suas testemunhas não pereceram. Ao contrário, eles, assim como Cristo, espiritualmente venceram e agora reinam com Ele no Céu.(Apoc. 3:21)

As circunstâncias da morte de cada mártir da fé são individuais. O que há de comum entre eles é que o Senhor Jesus Cristo e aquela vida bem aventurada que eles receberam no cristianismo tornaram-se o mais importante para eles. "O cristão dá a sua vida pela fé mais rapidamente do que o pagão um pedaço de manto, por todos os deuses" — escreveu Origeu (carta para Celsius 7:39, 182-215 ano).

Renegar Cristo e Seu ensinamento significava rejeitar o que há de mais precioso para eles — privar-se de Deus e da vida eterna. Abaixar a cabeça perante o mal e a mentira, pelo prolongamento da sua mísera existência na terra — era tido como uma terrível tragédia.

O martírio cristão, pela sua essência, difere da auto-aniquilação dos fanáticos. O fanatismo é apego cego a uma idéia. Os fanáticos são capazes de dar a sua vida para provar algo aos outros, como por exemplo, os monges budistas se auto incineravam a fim de chamar a atenção da sociedade para problemas do seu país. O cristianismo proíbe o suicídio como um grande pecado. "Se vos perseguirem numa cidade, fugi para outra" (Mt 10:13), ensinava o Senhor. Os mártires sofriam não para provar algo mas porque não queriam privar-se da vida cheia de graça espiritual que receberam em Jesus Cristo. A vida eterna no Céu era para eles mais valiosa que a efêmera vida física.

"Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro" diz o apóstolo Paulo (Fil. 1:21). Ele instruía os cristãos a aceitar com alegria as perseguições por Cristo como honra e motivo para uma maior recompensa no Paraíso: "A vós é dado não somente crer em Cristo, mas ainda por ele sofrer" (Fil. 1:29)

O Senhor Jesus Cristo sabia que muitos dos Seus seguidores haveriam de passar por enormes provações e os preparava para o martírio, dizendo: "Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. Cuidai-vos dos homens. Eles vos levarão aos seus tribunais, e açoitar-vos-ão com varas nas suas sinagogas ... Digo-vos, meus amigos, não temais aqueles que matam o corpo e depois disto nada mais podem fazer ... digo-vos, todo que me reconhecer diante dos homens, o Filho do homem o reconhecerá diante anjos de Deus. Mas quem me negar diante dos homens, também será negado diante dos anjos de Deus ... Quando fordes presos, não vos preocupeis nem pela maneira com que haveis de falar, nem pelo que haveis de dizer; porque o Espírito Santo vos inspirará naquela hora o que deveis dizer ... O irmão entregará seu irmão à morte. O pai, seu filho. Os filhos levantar-se-ão contra seus pais e os matarão. Sereis odiados de todos por causa do Meu nome, mas aquele que perseverar até o fim será salvo. Não se vendem cinco pardais por um asse? No entanto, nem um só deles passa desapercebido diante de Deus. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais pois! Mais valor tendes que numerosos pardais" (Mt 10:16-42; Lc 12:2-12 e 21:12-19).

Ao ver a fé inabalável dos cristãos, a enorme coragem com eles iam para o sofrimento e a morte, muitos pagãos se convenciam da veracidade da pregação cristã e se convertiam. São justas as observações de Tertuliano (escritor do sécu- lo III), que "O sangue dos mártires é a semente de novos cristãos."

Assim, os cristãos-mártires nos testemunham sobre valores eternos, sobre a riqueza espiritual e sobre a vida real. Tendo abandonado este mundo de tribulações, atualmente eles estão em pé, perante o trono do Todo Poderoso em alegria indescritível, como foi visto pelo apóstolo João.

"Uma grande multidão que ninguém podia contar de toda nação, tribo, povo e língua conservavam-se em pé diante do trono de diante do Cordeiro de vestes brancas e palmas na mão ... Esses são os sobreviventes de grande tribulação: lavaram as suas vestes e aloejaram no sangue do Cordeiro. Por isso, estão diante do trono de Deus e O servem dia e noite no Seu templo. Aquele que está sentado no trono os abrigará em Sua tenda. Já não terão fome, nem sede, nem sol ou calor algum os abrasará porque o Cordeiro que está no meio do trono será o seu pastor e os levará às fontes das águas vivas e Deus enxugará toda lágrima de seus olhos" (Apoc. 7:9-17)

Os mártires de Cristo testemunham, com o seu sacrifício, sobre a realidade dos valores espirituais, sobre a existência da outra vida que é incomparavelmente melhor que a nossa. Eles nos convocam para lutar corajosamente contra o mal, amar a Deus e convencer-se pessoalmente sobre como é maravilhoso te-Lo dentro da alma. Que Deus nos dê, pelas orações dos santos mártires, fé inabalável e coragem, necessários para atingirmos o ponto seguro do Reino Celeste.

 

 

 

Sacrifício dos monges

(Reverendos)

Existem pessoas que se dedicam totalmente à ciência, à arte, à política ou a outra atividade que se ama. Por que? Porque essa é a vocação deles. Essas pessoas contribuem para o progresso dessas modalidades de ciência e cultura às quais se dedicam. Por outro lado, existem pessoas que são atraídas não tanto pelo progresso intelectual ou exterior, mas pelo atingimento de perfeição interior. Eles aspiram à virtude e com este objetivo tornam-se monges ou monjas.

A vida no mundo pouco ajuda ao aperfeiçoamento espiritual, antes dificulta-º Como explica o evangelista João, a vida da sociedade está envenenada pelo triplo mal: "Tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida." Por isso: "Não ameis o mundo nem as coisas do mundo" — ensinava ele (1 Jo 2:15). A vida monástica tem como objetivo libertar o homem do mal, que reina no mundo: da concupiscência da carne — pelo caminho da castidade e abstinência, da concupiscência dos olhos (isto é, da paixão pelas riquezas e gozos materiais), pelo caminho de renúncia ao patrimônio individual, e da soberba — pelo caminho de obediência ao orientador espiritual. Atingindo o mal na sua raiz, a vida monástica coloca o homem no caminho direto da perfeição espiritual.

A palavra monge em russo "monah" provém da palavra grega "só." Monge significa quem vive solitário. Os mosteiros surgiram como moradias solitárias e longínquas do mundo. A vida monástica difere do modo comum de vida das pessoas no mundo; daí vem a denominação "ÍNOC (em russo)" isto é, "outro" homem.

Há muitas maneiras de se atingir o Reino dos Céus e o Evangelho apresenta ao homem grande liberdade na escolha do modo de vida: basta evitar o mal e fazer o bem. No entanto, àqueles que sentem vocação para um modo de vida mais perfeito, o Senhor diz: "Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-Me ... Se quiseres ser perfeito vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-Me! Há castos por amor do Reino dos Céus. Quem puder compreender, compreenda. Qualquer um de vós que não renuncia a tudo que possui, não pode ser meu discípulo" (Mt 16:24 e 19:12-21; Lc 14:26-33). Aqui estão as principais condições que constituem os votos (promessas a Deus quando se ingressa na vida monástica).

A atração por um modo de vida especial surgiu ao mesmo tempo que o cristianismo. De acordo com o reverendo Cassiano (Século IV), os primeiros monges foram os discípulos do Evangelista Marcos, que foi o primeiro bispo na Alexandria (Egito). Eles se retiravam para os mais distantes locais da cidade, onde levavam um modo de vida especial, elevado, de acordo com as regras ditadas pelo Santo Marcos. Filon, um historiador judeu, contemporâneo dos apóstolos e que vivia na Alexandria, descreve a vida de certos Ferapeutas, que se retiraram para os subúrbios de Alexandria, exatamente da maneira como foi retratada pelo reverendo Cassiano a vida dos primeiros monges e chama as suas habitações de mosteiros.

Há informações que, na Síria, a vida monástica já existia no tempo dos apóstolos. A reverenda Eudoquia que viveu no ano 96 aD na cidade Síria de Iliopol, durante o reinado de Trajano, foi convertida ao cristianismo pelo reverendo German, que era abade do mosteiro masculino onde viviam 70 monges. Ela própria, após a conversão, retirou-se para um mosteiro, onde viviam 30 monjas.

Apesar de pouca informação documental, não há dúvidas que a vida monástica tinha surgido já no século dos apóstolos. É difícil admitir que naquele tempo de grande ardor espiritual não houvesse cristãos que seguissem os ensinamentos do apóstolo Paulo sobre a castidade (virginidade), que foi exposto na Epístola aos Coríntios. (1 Cor. cap. 7). O exemplo vivo para esses virgens sempre foram e serão o próprio Senhor Jesus Cristo, a Virgem Maria, o profeta João Batista, o discípulo amado e virgem apóstolo João, apóstolo Paulo, apóstolo Tiago, irmão do Senhor e primeiro Bispo de Jerusalém e muitos outros.

Eis a origem da vida monástica, qual é a sua nascente espiritual, que exemplos elevado seguem os monges.

Exatamente dessa forma explica o surgimento da vida monástica o reverendo Aba Dorofeu que escreve: "Eles (os cristãos) entenderam que, estando no mundo, não podem aperfeiçoar-se convenientemente na virtude e optaram por um modo especial de vida, uma disciplina especial de passar o tempo, uma forma de ação especial, ou seja, a vida monástica; e começaram a abandonar a sociedade e a viver nos desertos, jejuando e em vigília, dormindo no chão nu e passando por diversos sofrimentos voluntários renunciando completamente a pátria e parentes, renunciando aos bens e ao patrimônio. Em suma, eles se crucificaram para o mundo."

Nas antigas comunidades monásticas, a principal atenção era dispensada às atividades espirituais tais como: oração, jejum e meditação a respeito de Deus e o mundo espiritual. Mas também o trabalho físico era considerado indispensável para diversificar as atividades, já que dava meios para sobrevivência e possibilidade de exercer a caridade.

No início do Século IV, surge no Egito um movimento espontâneo para a vida monástica. Com o ingresso na igreja de pagãos, que mesmo no cristianismo continuavam a ocupar-se apenas com o mundano, houve um enfraquecimento do rigor da vida cristã, o que levou os cristãos mais zelosos a sair das cidades e das aldeias para o deserto, para passar a vida lá, longe das tribulações do mundo, empenhados em sacrifícios de renúncias voluntárias, orações e reflexões a respeito de Deus. No meio desses ascetas, o primeiro lugar é ocupado pelo reverendo Antonio O Grande.

O Santo Antonio nasceu na metade do século III no Egito. Aspirando a uma solidão completa, ele habitou as ruínas da antiga fortaleza na margem leste do Nilo. Aí ele viveu durante 20 anos em total solidão, jejuando e submetendo-se a diversas privações. Com o tempo, muitos souberam dele e começaram a visitá-lo e alguns quiseram até mesmo morar próximos a ele, para sob sua orientação, levar uma vida de asceta semelhante. Assim um círculo de discípulos-ascetas. (ano 305).

O Santo Antonio não ditava regras detalhadas a respeito da vida monástica, mas explicava, em aspectos gerais, o caminho pelo qual pode-se atingir a perfeição moral. Assim, com o exemplo da sua própria vida, ele os ensinava a renunciar aos bens materiais, completa lealdade à vontade de Deus, oração ininterrupta, reflexões solitárias sobre Deus, esforço físico. O reverendo Antonio fundou a modalidade de monges-eremitas. De acordo com a ordem estabelecida por ele, os ascetas, sob a orientação de um ancião (aba, pai), viviam sós em cabanas ou cavernas e submetiam-se aos sacrifícios solitários. Essa comunidade de ascetas chamava-se "LAVRA."

Mas ainda durante a vida do reverendo Antonio, surgiu uma outra modalidade de vida monástica — com habitação coletiva. Os ascetas, reunindo-se em comunidade sob a direção de aba passavam a vida juntos em um ou vários alojamentos, seguindo regras comuns. Esse tipo de comunidade chamava-se mosteiro. O fundador do modo de vida monástica com habitação coletiva foi o reverendo Pahomi O Grande (ano 348).

O Santo Pahomi também nasceu no Egito. Ao prestar o serviço militar, ele, durante uma incursão teve a chance de conhecer a caridade cristã e desejou tornar-se um cristão, e,ao final do serviço militar foi batizado. Tendo tomado conhecimento da vida de asceta no deserto de Fivaid, Pahomi escolheu para os futuros sacrifícios um lugar solitário, próximo ao Rio Nilo, conhecido por Tavenna. Aí, o reverendo Pahomi teve a idéia de fundar a vida monástica — com habitação coletiva. Numa das ilhas do Nilo, ele organizou um mosteiro, no qual os que desejavam podiam trabalhar e viver juntos.

Em breve, a notícia dos feitos de Pahomi atraiu para ele muitos discípulos, tantos que o mosteiro construído porlel não conseguia abrigar mais todos os que queriam, e ele foi obrigado a fundar alguns outros mosteiros novos, próximos uns dos outros, às margens do Rio Nilo, onde sua irmã foi morar.

Nos mosteiros fundados por ele, Pahomi introduziu regras definidas de cohabitação de monges. Esse foi o primeiro estatuto monástico. Toda comunidade de monges dividida por Pahomi em 24 classes, de acordo com o nível de desenvolvimento espiritual, achava-se sob a direção de um aba comum. Cada mosteiro tinha os seus líderes que se chamavam de abades e superiores. Eles submetiam-se ao aba principal e relatavam-lhe sobre o estado de seus mosteiros. Nos mosteiros, havia ainda ecônomos com auxiliares que cuidavam da parte administrativa. Os líderes deviam ser modelos de vida monástica para os outros irmãos. Sob a orientação de seus líderes os monges deviam passar a vida orando, lendo livros de conteúdo espiritual, principalmente as Sagradas Escrituras e trabalhando. A missa coletiva realizava-se duas vezes ao dia — de dia e à noite. Os monges reuniam-se na igreja atendendo a um sinal convencional, discreta e silenciosamente, liam as Sagradas Escrituras, rezavam as orações, cantavam os salmos. Aos domingos, comungavam. Além disso, os monges deviam rezar individualmente antes de dormir e após acordar. Após a oração ou a missa, o abade conversava com os irmãos sobre a vida cristã. Os monges ocupavam o seu tempo livre das orações e do trabalho lendo, nas suas celas. Os livros, eles os recebiam da biblioteca do mosteiro, das mãos do ecônomo.

Os monges aravam a terra, cultivavam pomares, trabalhavam, com os metais, nos moinhos, nas sapatarias, marcenarias, produziam tecidos e teciam cestas de vime. Eles saiam para o trabalho em fila e em silêncio, seguindo o abade.

O silêncio era preconizado a todo instante. Todas essas obrigações os monges deviam cumprir com obediência incondicional. Sem a permissão dos superiores ninguém podia sai do mosteiro e nem mesmo iniciar um novo trabalho. Todos os monges vestiam roupa a mais simples e idêntica para todos, a roupa de baixo era de linho — uma túnica sem mangas, a de cima — era de couro, na cabeça — usava-se um chapeuzinho de crina e sandálias nos pés. Essa roupa nunca era tirada, nem mesmo durante o sono. Os monges de Pahomi não tinham camas, havia assentos entre duas paredes; era permitido estender apenas uma esteira por baixo. Os monges levantam bem antes do amanhecer. Alimentavam-se de pão, azeitonas, queijo, legumes e frutas. Aos sábados e domingos era oferecido jantar. Todos comiam juntos e em silêncio.

No estatuto de aba Pahomi, o desprendimento material é um dos votos mais importantes para os monges. Àquele que ingressa na comunidade dos monges não é permitido trazer ao mosteiro nenhum bem material, nem mesmo as roupas civis. Essas roupas eram doadas aos pobres. O trabalho, executado por um ou outro irmão não lhe pertencia e sim á comunidade. Todo o necessário para a subsistência os monges recebiam dos recursos comuns ao mosteiro. Os ecônomos administravam a distribuição de comida e roupa, que eram produzidos no mosteiro ou comprados fora com os recursos recebidos pela venda dos artefatos produzidos pelos monges. Para que essas regras fossem cumpridas, Pahomi determinou que os que ingressavam na comunidade deveriam ser aceitos somente após um ano de teste.

Durante a vida do reverendo Pahomi, a comunidade de monges fundada por ele atingiu a cifra de 7000 monges, e 100 anos após sua morte — 50.000 monges. Ambas as modalidades de vida monástica, a de monges-eremitas e a de monges com habitação coletiva logo se espalharam por todo o Egito e por outros países. Assim, Amon fundou a comunidade dos habitantes do deserto, no Monte Nitri com o deserto aos seus pés, o Macário do Egito — no deserto de Skit, onde viveram muitos ascetas notáveis Ilarion, o discípulo favorito do Antonio, levou o modo de vida monástico para a sua pátria, Palestina, onde fundou um mosteiro perto de Gaza. A partir daí, esse modo de vida se espalhou por toda a Palestina e Síria.

São Vassili O Grande fez viagem pelo Egito e Palestina e, tendo conhecido lá a vida monástica, disseminou esse modo de vida na Capadóquia (na Ásia Menor, hoje Turquia), tando masculino como feminino. O estatuto que ele deu aos seus monges logo espalhou-se pelo Oriente e tornou-se Geral. No século V, todo o Oriente estava coberto por mosteiros. Dos ascetas do século V são notáveis: Isidoro Polusiot, Simão Stalpnic (do Pilar), Efimii, Savva e muitos outros.

Santo Simão, que nasceu na Síria, passou muitos anos rezando, sem descer de cima do pilar, suportando fome e intempéries. Ele fundou uma modalidade de ascetismo — "stolpnichestvo" (stolp — pilar). Efimii, começou a vida no deserto ainda com 8 anos de idade. Efe fundou muitos mosteiros na Palestina e introduziu neles regulamento de missas.

Além de "stolpnichestvo," no século V surgiu ainda uma outra modalidade de ascetismo, na morada dos insones. O monge Alexandre organizou o mosteiro, no qual as missas eram rezadas ininterruptamente, dia e noite. Studio, um cidadão rico de Constantinopla que gostou disso, construiu em Constantinopla um mosteiro semelhante convidou para lá a comunidade dos insones. Esse mosteiro recebeu o nome de "Studiiski."

No século VI viveram ascetas admiráveis: Simão Iurodivi, que se submeteu ao sacrifício de "iuródstvo" por Cristo e que atingiu a plenitude da serenidade (sem paixões) e João Lestvichnic (da escada), que durante muitos anos se empenhou no Monte Sinai e escreveu um poema, conhecido com nome de "Lestvitza" (escada), no qual ilustrou os degraus da subida espiritual para perfeição moral; no século VII — Alipio Stolpnic, asceta que passou mais de 50 anos no pilar. No final do século VIII e no início do IX, o representante da vida monástica austera foi Fedor Studit, um conhecido defensor da veneração dos ícones. Do seu mosteiro, célebre pelo rigor da vida monástica, saíram muitos ascetas religiosos pro exemplo, no século IX — Nicolau, que foi submetido a torturas por venerar os ícones, Ioaniki — que era célebre pelo Dom de vidência e outros.

No século IX, surgiram os habitantes do deserto no Athos. São eles — São Pedro (Séc. XI), que viveu como asceta aí por mais de 50 anos na solidão e Santo Afanásio (Séc. X), que organizou um mosteiro no Monte Athos, no qual logo surgiram muitos ascetas.

A vida monástica russa atingiu enormes proporções, começando com o reverendo Antonio e Feodossi Kievo Pecherski e terminando com os notáveis anciãos de Optin; atingiu também grande desenvolvimento espiritual. Infelizmente, não há possibilidade de descrever aqui a história do desenvolvimento e da vivência espiritual dos monges russos.

Nada na vida pregressa pode servir de obstáculo ao ingresso na vida monástica, porque a vida monástica consiste no arrependimento, e o mosteiro é o sanatório. Aquele que ingressa no mosteiro, encontra-se inicialmente em fase de teste com a intenção de definir, o quanto séria e sincera é a intenção de dedicar-se à vida monástica. No caso do abade do mosteiro convencer-se da sinceridade do irmão que ingressou no mosteiro, ele o abençoa para usar sotaina com cinto e "skufia" (sotaina é uma roupa longa, negra, com mangas; skufia é um chapeuzinho em forma de cone). O futuro monge chama-se noviço e sua principal obrigação é aprender a obedecer o seu pai espiritual.

Cumprindo com dedicação as tarefas que lhe forem impostas, o noviço deve mostrar toda a sua paciênciae humildade — virtudes fundamentais do monge. "A obediência está acima do jejum e da oração" — diz um provérbio monástico. Isso porque a obediência, baseada na paciência e na humildade, serve para arrancar o principal mal da alma humana — o orgulho e também o amor-próprio de onde provem todas as paixões.

Quando o noviço, passado um certo tempo, provar com o seu bom comportamento, a sinceridade da sua aspiração à vida monástica, ele pode submeter-se a um ritual. Ele ainda não faz os votos, mas normalmente recebe um novo nome e recebe a batina que pode usar sobre a sotaina e kamilavka (barrete de clérigo). Batina é uma roupa longa, negra, com mangas largas que se usa sobre a sotaina; kamilavka — é uma chapéu que se alarga em cima. Para ingressar nessa primeira etapa preparatória para a vida monástica existe um ritual específico que se chama "Ritual para vestir a batina e kamilavka."

"O solteiro cuida das coisas que são do Senhor, de como agradar ao Senhor; o casado preocupa-se com as coisas do mundo, procurando agradar à sua esposa" (1 Cor 7:32-34). O Senhor disse ao jovem que procurava a vida eterna: " Se queres ser perfeito, vai, venda os teus bens e dê-os aos pobres." Baseando-se nessas frases, os monges renunciam a todo e qualquer patrimônio, a fim de que nada sirva de obstáculo para alcançar a perfeição espiritual.

"Será que o monge deve preocupar-se em não ser ele mesmo roubado? Já que a única coisa que ele tem é o seu corpo coberto por farrapos. Que os outros que pouparam muito dinheiro tomem mediadas de proteção. Todo o meu patrimônio resume-se a Deus: ninguém pode roubar esse tesouro. Quanto ao resto, podem levar tudo de mim; a minha situação é a mais segura, tudo do que sou dono eternamente estará comigo. O Senhor é meu quinhão. Além do Senhor nada quero Ter: quando eu rezo no altar, tenho roupa e comida, com isso estou satisfeito e seguirei pobre atrás da cruz para encaminhar-me sem obstáculos ao encontro com o Senhor no Céu" diz o Santo Grigori Teólogo.

A maioria dos santos procede dos monges e isto é natural, já que a meta da vida monástica é a perfeição espiritual. Os santos que são também monges são chamados de "prepadobnii (em russo)" — reverendos — em sinal de que eles, mais do que os outros, assemelham-se a Cristo. Torna-se monge aquele que sentiu que tudo na vida é futilidade, aquele que quer libertar-se das prisões e aproximar-se de Deus. O caminho da vida monástica é o caminho em linha reta — o caminho mais curto entre dois pontos — entre o homem e Deus.

No meio monástico surgiu a riquíssima literatura espiritual. Para a maioria dos homens do mundo ela é "matemática superior." Os estados espirituais descritos na literatura são inacessíveis para pessoas que vivem a vida do mundo. No entanto, alguma coisa nesta literatura de ascetas á acessível para todos os que procuram Deus. Os russos gostavam de ler tais livros como: "Amar o bem" — obra em 5 volumes em que estão expostos os ensinamentos dos ascetas da antigüidade; "Lestvitza" (escada) de João, o superior do convento do Monte Sinai; "A batalha invisível" do reverendo Nicodin Sviatogoretz; "Ensinamentos úteis para a alma" do aba Dorifeu; os ensinamentos dos anciãos Varsonofi e João; os relatos sobre antigos ascetas em "Levsaic" do bispo Palladio Elenopolski e no "Campo espiritual" do beato João Mosha. Mais acessíveis ao leitor atual as cartas do bispo Inácio Brianchaninof, os ensinamentos dos anciãos de Optin, a conversa do reverendo Serafim Sarovski com Motovilov.

A Rússia pré-revolucionária estava coberta por mosteiros. A sua influência sobre o hábitos e costumes do povo, sobre a cultura e a história russa é enorme. Dentro das paredes das santas moradas os romeiros russos obtinham a renovação espiritual, paz, forças para a luta contra o pecado. Aqui eles se inspiravam em um ideal de vida. Os mosteiros eram os centros de saneamento de todo o país.

 

 

 

"Iuródstvo" por Cristo.

"Iuródstvo" por causa do Cristo é um dos sacrifícios mais difíceis e pouco compreendidos a palavra "iuródstvo" significa loucura(bezumie-em russo). Alguns justos, sendo perfeitamente normais por natureza e até muito inteligentes, fingiam-se de loucos para um sacrifício maior. No decorrer da história, "iuródstvo" provocava dois tipos de reação nos homens. Em alguns provocava ira e repugnância de tal forma que eles enxotavam os "iuródivi," batiam neles e riam deles. Outros sentiam simpatia e atração involuntária por eles.

Como explicava o reverendo Serafim Saróvski o sacrifício de "iuródstvo" exige uma coragem especial e força espiritual e ninguém, sem o chamado de Deus, deve tomá-lo, senão ele corre o risco de "desandar" e tornar-se um falso "iuródivi." O cristianismo ocidental atual não pode entender nem avaliar o sacrifício de "iuródstvo" voluntário.

A expressão "iuródivi (louco) por causa do Cristo" inicialmente foi usada pelo apóstolo Paulo, em relação a ele mesmo, dizendo: "Nós somos loucos por causa do Cristo." Na epístola aos Coríntios, ele explica que a pregação sobre Deus-homem crucificado vem a ser loucura para os homens deste mundo: " A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas para os que foram salvos, para nós é uma força divina" (1 Cor 1:18). "Já que o mundo, com sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura de sua mensagem" (1 Cor 1:21). Os cristãos, por causa da sua fé em Deus-homem crucificado, aos olhos dos que não crêem, parecem "iuródivi" (loucos). Os homens, cegos pela sabedoria da carne, como por exemplo os antigos escribas, ousaram afirmar até de Jesus Cristo que "Ele delira" (João 10:20)! No interrogatório, perante o proconsul Festo, esse declarou diretamente ao grande apóstolo Paulo: "Estás louco, Paulo! O teu muito saber tira-te o juízo" (Atos 26:24).

"Iuródstvo" por Cristo, como uma forma especial de sacrifício, surgiu na metade do século IV, no Egito, simultaneamente com vida monástica. "Iuródstvo" pode ser examinado de 2 lados. Do lado objetivo — é uma vocação divina nesse mundo de pecado. Do lado subjetivo é um sacrifício muito difícil: "caminho estreito" no qual o homem se posiciona para atingir a perfeição espiritual.

Por que Deus convoca alguns justos para tal estilo de vida "vexatório"? Para entender isso deve-se ter em conta que a vida da sociedade humana está completamente envenenada pelo mal — nela há tanta falsidade, mentira, hipocrisia, avareza, orgulho, deslealdade e outros vícios. Freqüentemente, sob a máscara da virtude, erudição e nobreza, as pessoas ocultam os mais pecaminosos sentimentos e intenções. Elas elogiam com vontade as virtudes pequenas e ilusórias, mas odeiam o bem verdadeiro. Um bom exemplo desse tipo de pessoas vemos nos escribas judeus dos tempos de Cristo. Vendo a sua incapacidade de aceitar o Seu ensinamento, o Senhor Jesus Cristo certa vez, exclamou: "Eu bendigo, Pai, Senhor do Céu e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos" — isto é, às pessoas simples e humildes.(Mt 11:25).

Como sabemos das Sagradas Escrituras, às vezes o Senhor, com estranhas palavras e atitudes de seus eleitos desvendava a astúcia dos fortes desse mundo. Servindo a Deus, às vezes até grandes profetas como Isaias, Jeremias e Ezequiel fingiam-se de loucos. Por trás de suas frases, aparentemente sem sentido e estranhas atitudes ocultavam-se elevada sabedoria e previsão de acontecimentos futuros. Veja por exemplo: (Isaias 8:3; Jeremias 13:11-9; 18:1-4; 19:1-4; 20:2-10; 27:2; 28:6; Ezequiel 4:1-15; 5:1-4; 12:2-7; 24:3-5).

Mas, convocando os "iuródivi," o Senhor com isso não escraviza a vontade do homem. Os "iuródivi" tomavam para si esse sacrifício incomum não apenas pela obediência, mas também pela sua sede de virtude. A mais difícil paixão com a qual o homem deve lutar vem a ser a soberba. Muitos santos que superavam com relativa facilidade as paixões físicas comuns lutaram com o orgulho e a vaidade até o seu último sopro de vida. " A vaidade regozija-se com todas as virtudes" — dizia o reverendo João da Escada.

Rejeitando o bom senso e diariamente sofrendo insultos, os "iuródivi" por causa do Cristo com isso cortavam o orgulho pela raiz. Entre eles, os mais conhecidos são os santos: André, Procópio Ustuijski, Vasili Beato, Paraskeva Diveevskaia.(Os dias em que são lembrados: 15 de Outubro, 21 de Julho e 15 de Agosto pelo novo calendário). Eles, não satisfeitos com a falta de patrimônio e da vida familiar, rejeitavam a mais importante característica humana — o uso comum da razão e voluntariamente tomavam para si o aspecto de homens que não conhecem medida, nem a decência e nem tem o sentimento da vergonha.

"Iuródstvo" — é uma máscara que as pessoas especialmente chamadas para isso colocam em si. É sabido que, no momento certo, os "iuródivi" tiravam essa máscara perante algumas pessoas e então deixavam-nos impressionados com sua inteligência e talento. Pelagueia Diveevskaia, "iuródivaia" que o reverendo Serafim abençoou para este sacrifício, durante a confissão voltava ao seu estado normal, e o padre recém nomeado ficou profundamente impressionado pela sua força intelectual e espiritual. Também tiravam a máscara do "iuródstvo" o Santo André "iuródivi" por Cristo, quando conversava com o seu discípulo Epifânio, que mais tarde tornou-se um eminente bispo.

No ambiente quotidiano, fingindo ser loucos, os "iuródivi" por Cristo eram submetidos a insultos incessantes e eram rejeitados por todos. Vivendo no meio da sociedade eles não eram menos solitários do que os que viviam nos desertos. Tendo rejeitado toda e qualquer propriedade, todo o conforto e bens materiais, livres de todos os laços terrenos, não tendo moradia fixa e submetendo-se a todos os imprevistos da vida sem teto, eram como se fossem seres do outro mundo.

Com tudo isso, os "iuródivi" conservavam o espírito elevado, sem cessar elevavam os olhos da mente e do seu coração ao Senhor, permanentemente ardendo em espírito perante Ele. Alcançando grande humildade e pureza espiritual, os "iuródivi" por Cristo tornavam-se especialmente eleitos de Deus e recebiam Dele dons de clarividência e milagres. Às vezes eles faziam atos de amor ao próximo que são impossíveis para outras pessoas. Não tendo vergonha de falar verdade diretamente a qualquer pessoa, eles com suas palavras ou atos incomuns denunciavam e golpeavam pessoas injustas, freqüentemente fortes e poderosas ou consolavam pessoas piedosas e tementes a Deus. Os "iuródivi," na maioria das vezes, circulavam nos locais mais pervertidos da sociedade com o objetivo de corrigir essas pessoas e salvá-las e conseguiam colocar muitos desses párias no caminho do bem. Estando próximos a Deus, eles, com suas orações freqüentemente salvavam os cidadãos das desgraças que os ameaçavam e livravam-nos da ira de Deus.

Além de toda a dificuldade, o feito de "iuródstvo" também exigia dos santos ascetas elevada sabedoria para transformar a sua desonra em glória de Deus e moralidade para o próximo, não permitindo no visível nada de pecaminoso, no aparentemente indecente nada que tente ou magoe os outros.

 

 

 

Os santos na Igreja Ortodoxa.

A Igreja Ortodoxa venera a Virgem Maria como "mais venerável que os querubins e incomparavelmente mais gloriosa que os serafins," acima de toda criatura. A igreja vê Nela a Mãe de Deus que intercede perante o Filho por toda a humanidade, e reza a Ele incessantemente por intercessão. O amor e a veneração da Mãe de Deus é a alma da religiosidade ortodoxa, seu coração que aquece e dá vida a todo o corpo. O cristianismo ortodoxo é a vida em Cristo e convívio com a Sua Mãe Imaculada, a fé em Cristo como Filho de Deus e da Mãe de Deus, o amor a Cristo que é inseparável do amor à Mãe de Deus. A Igreja Ortodoxa invoca numa única respiração o Nome santíssimo Jesus junto com o dulcíssimo nome Maria (como nos ícones da Mãe de Deus, Ela está representada com o Menino Jesus), e não Os separa em seu amor. Quem não venera Maria, não conhece também a Jesus, e a crença em Cristo, que não inclui a veneração da Mãe de Deus é uma outra crença, um outro cristianismo comparado com o da igreja. O protestantismo vem a ser esse outro cristianismo, que na sua essência profunda está ligado à estranha e incompreensível insensibilidade pela Mãe de Deus, o que se evidenciou inicialmente com a Reforma e o que mais o diferencia do cristianismo tanto ortodoxo como católico é essa ignorância dogmática da Mãe de Deus. Por isso, o entendimento da encarnação de Deus aqui perde toda a sua plenitude e força. A encarnação de Deus no corpo de homem está ligada à santificação e glorificação da natureza humana apenas exteriormente, somente para humilhar-se, na qualidade de obediência ativa e passiva para, com esse preço de humilhação e com essa obediência, absolver o homem perante Deus sem violação da justiça "in actu forense." De acordo com o ensinamento protestante, o fato de Deus assumir a forma humana apenas vem a ser um meio de expiação, que tornou-se necessário em conseqüência do pecado, o que faz a Virgem Maria tornar-se apenas um instrumento para isso, inevitável mas exterior, que coloca-se de lado e se esquece, ao cessar a necessidade. Exatamente esse esquecimento da Mãe de Deus faz a diferença no protestantismo, que às vezes chega até a infância (sugere, por exemplo, que Ela poderia Ter tido mais filhos do José, e indo por esse caminho, até negar o ilibado nascimento do Senhor). Mas a Igreja nunca separou a Mãe do Filho, A Que encarnou do Encarnado e reverenciando a natureza humana do Cristo, reverencia-O na pessoa de Sua mãe, da Qual Ele tomou essa parte humana e Que representa todo o gênero humano, toda a humanidade. A Virgem Maria é uma flor do paraíso que floresceu na árvore de toda a humanidade. Nela se manifestou a santidade que era permitida ao homem até depois do pecado original, apesar de, evidentemente, com ajuda da graça de Deus, na igreja do Antigo Testamento. É se a Igreja do Antigo Testamento era o centro da vida bem aventurado de toda a humanidade antes de Cristo, a genealogia da Mãe de Deus — genealogia do Cristo é o centro dessa santidade e toda a missão da Igreja do Antigo Testamento era educar, conservar e preparar a humanidade santa, digna de receber o Espírito Santo, isto é, Anunciação, na pessoa da Virgem Maria, a Qual portanto não é apenas o instrumento, mas condição direta e positiva para encarnação de Deus, a seu lado humano.

A Igreja Ortodoxa não compartilha o dogma católico de 1854 sobre o nascimento ilibado da Mãe de Deus no sentido de não incluí-la no pecado original, durante o nascimento. Isso iria distanciá-la do gênero humano, e Ela não poderia servir para a tomada da humanidade pelo Senhor. Mas, a Ortodoxia não admite nenhum pecado pessoal na "Imaculada." A ligação da Virgem Maria com o Seu Filho não acaba com o Seu nascimento, mas continua na mesma medida em que Nele se uniu inseparavelmente a natureza divina com a humana. Na Sua infinita humildade a Mãe de Deus em geral permanece à sombra durante o trabalho terreno do Senhor, sombra da qual Ela sai somente durante a permanência aos pés da Cruz na Gólgota. Com o Seu sofrimento materno ela acompanha o Filho no caminho para a Gólgota e compartilha a Gólgota com Ele. Ela também é a primeira que co-participa da Sua ressurreição. A Virgem Maria vem a ser o centro invisível, mas real da Igreja apostólica, Nela — o mistério do primeiro cristão, assim como do Evangelho (mensageiro do Espírito Santo) do João, adotado por Ela como filho perante a Cruz. Tendo experimentado a morte natural como ser humano, Seu corpo não sofreu corrupção (deterioração), mas, pela crença da Igreja, foi ressuscitada após 3 dias pelo Seu Filho e permanece em Seu corpo glorioso à direita Dele, no Céu, como Rainha Celeste.

Um lugar importante na religiosidade Ortodoxa é ocupado pela veneração dos santos. Os santos vem a ser os nossos protetores nos céus e os que rezam por nós e por isso vem a ser membros vivos e ativos da Igreja terrena, a batalhadora. Sua presença benéfica na Igreja, que aparece externamente nos ícones e nas relíquias, circunda-nos como se fosse uma nuvem de oração da glória de Deus. Essa nuvem não nos separa do Cristo, mas aproxima-nos Dele, une-nos a Ele. Não são intermediários entre Deus e os homens, mas nossos amigos, que rezam conosco e nos ajudam a servir Cristo e a conviver com Ele.

A base dogmática para a veneração dos santos consiste exatamente nessa ligação. A Igreja é o corpo de Cristo e os que se salvam na Igreja recebem a força e a vida de Cristo, divinizam-se, tornam-se "deuses pela graça de Deus," eles próprios vem a ser cristos em Jesus Cristo. Apesar do destino humanos se determinar definitivamente apenas no Juízo Final, no entanto, no assim chamado juízo preliminar, que ocorre após a morte de cada pessoa, torna-se clara a pré-destinação para a glória e a coroa da santidade. Ela já brilha na fronte de santo de Deus, até mesmo durante a sua vida, já que o juízo é apenas a revelação evidente do seu real estado. " A vida eterna" em Deus inicia-se ainda aqui, nas ondas do tempo, que tem a profundidade da eternidade, mas, ao sairmos desse mundo, ela torna-se ponto inicial determinante da existência.

A Ortodoxia não vê como base para tal glorificação o fato dos santos terem méritos especiais perante Deus, sacrifícios devidos e os além de devidos, pelos quais poderiam ter direito de receber recompensa merecida de Deus e que eles poderiam compartilhar com os carentes. Os santos são os que, pela sua fé viva e seu amor ativo tornaram real em si mesmos a sua semelhança divina e dessa forma manifestaram fortemente a imagem de Deus e com isso atraíram para si a graça de Deus em abundância. Nesse processo de purificação do coração pelo sacrifício da alma e do corpo consiste o caminho da salvação de cada homem, no qual Cristo vive: " Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim" (Gal 2:20), pela palavra do Senhor: " Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra e Meu pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos Nossa morada" (Jo 14:23). Nesse caminho da salvação há diferenças quantitativas entre as pessoas, que passam a qualitativas, que tornam-se determinantes para o destino eterno do homem. Atrás dessa soleira já se realiza a sua salvação, como decidida autodeterminação e inicia-se o crescimento em graça individual conforme o seu tipo de individualidade espiritual. A santidade é tão varia como as individualidades humanas. A santidade sempre tem em si um caráter criativo individual.

A santidade significa, antes de mais nada, uma saída do estado de incerteza para a vitória com o que liberam-se forças para o amor ativo, o amor na oração. Os santos podem ajudar-nos não pela força da abundância de seus méritos, mas pela força da liberdade espiritual no amor, conseguida com seus sacrifícios. Ela dá-lhes a força de interceder perante Deus em oração e também no amor ativo às pessoas. Deus permite aos santos, da mesma forma como aos anjos do Senhor, realizar a Sua vontade na vida dos homens com ajuda ativa, apesar de geralmente invisível. Eles são as mãos de Deus, com as quais Deus realiza as Seus atos. Por isso, é dado aos santos, mesmo atrás de fronteira da morte, realizar atos de amor não na qualidade de sacrifício para a sua própria salvação, que já está conseguida, mas na verdade para auxílio na salvação de outros irmãos. E o tamanho da força dessa participação ativa corresponde ao tamanho do espírito e à grandiosidade do seu sacrifício: " ... uma estrela difere da outra na claridade" (1 Cor 15:41)

Como a Igreja fica sabendo do mistério do julgamento de Deus, que glorifica os santos? Em outras palavras, como se processa a glorificação dos santos? Respondendo objetivamente a essa pergunta deve-se dizer que de uma ou outra maneira isso torna-se evidente para Igreja porque há o testemunho de vários sinais especiais, que são diferentes em diversos casos (milagres, incorruptibilidade das relíquias, e o principal — a ajuda perceptível cheia de graça). O poder da Igreja com o seu ato apenas testemunha essa evidência, que é caso de conhecimento do concílio da Igreja e torna legal a veneração de santos. Essa glorificação (local ou universal) de fato precede a canonização legal, que apenas a confirma. Na Ortodoxia para esse ato não se instituiu uma forma acabada de canonização, como a que existe no catolicismo. Ela é realizada por um ato, sujeito ao poder da igreja universal ou local. A santidade não se esgota na Igreja, que conhece os santos eleitos em todos os tempos da sua existência. O reverendo Serafim Sarovski vem a ser o maior santo dos novos tempos na Igreja russa. Inúmeros mártires e os que professavam a fé em Cristo, torturados e mortos nos tempos de perseguição pela fé na Rússia moderna, iniciando em 1917, que não teve nada de semelhante na história, com seu sangue glorificou o Senhor, mas a sua santidade ainda permanece oculta e a glorificação de muitos deles será futuramente. O futuro também revelará novas formas de santidade, que correspondem à vida da época atual e cremos coroará com aura de santidade também o trabalho criador do homem em nome de Cristo.

Por força de veneração dos santos, também se veneram as suas relíquias, por exemplo, os restos mortais. Às vezes, a incorruptibilidade (a não deterioração) se reverencia como sinal de santidade (e o contrário). No entanto, essa incorruptibilidade não é considerada uma regra e não é imprescindível para a glorificação na santidade. Apesar disso, as relíquias dos santos, caso se conservem incorruptas (o que não é regra geral), são objeto de respeito especial; parte das relíquias se coloca no "antimins," sobre o qual se realiza a Liturgia (como forma de relembrarmos que na Igreja primitiva, a Liturgia se realizava sobre as relíquias dos mártires). A veneração dogmática das relíquias (no mesmo nível dos ícones dos santos) se baseia na crença de uma ligação especial entre o Espírito Santos e os restos mortais do santo, que nem mesmo a morte destrói. A morte limita a sua força em relação aos santos, cuja alma não abandona completamente o corpo, mas tem uma presença especial espiritual benéfica nas suas relíquias, até mesmo na sua mínima parte. As relíquias já são o corpo glorificado antes da ressurreição geral, apesar de ainda esperar por ela. Elas são semeljantes ao estado do corpo do Senhor na sepultura, o qual, apesar de morto, abandonado pela alma, não estava abandonado pelo Seu espírito Divino, mas ainda aguardava a sua ressurreição.

Os santos, no seu conjunto encabeçado por Mãe de Deus e João Batista representam a Glória de Deus na criação humana, neles se manifesta a Sabedoria. Esse pensamento se expressa no verso que constitui o "prokimen" dos santos nas missas: "maravilhoso é o Deus nos Seus santos, Deus de Israel." "Levanta-se Deus na assembléia divina: entre os deuses profere o Seu julgamento" (Salmo 81:1).

Mas essa glória da criação de Deus não consiste apenas do mundo humano, mas também do mundo angelical, não apenas "terra," mas também "céu." A Igreja Ortodoxa prega o ensinamento sobre os anjos cuja veneração é praticamente igual à veneração dos santos. Os anjos, da mesma forma como os santos vem a ser os que intercedem orando pelo gênero humano, e a eles recorremos nas nossas orações. Mas essa proximidade não afasta a difernça existente entre o mundo das forças espirituais e o gênero humano. Os anjos constituem ma parte especial da criação, a qual, no entanto, está conectada ao gênero humano. Os anjos, da mesma forma como os homens, trazem em si a imagem de Deus. A sua plenitude, no entanto, é própria somente do homem, já que ele, tendo um corpo físico, torna-se parte de tos o mundo terrestre, que ele possui segundo foi instituído por Deus. Os anjos, sendo desprovidos do corpo físico, não possuem o seu mundo próprio, mas a flata da natureza própria é compensada para eles pela proximidade a Deus e a vida Nele.

Na Ortodoxia existe o costume de, durante o batismo, dar o nome em homenagem a santos cristãos, que se chamam de anjos da pessoa em questão (o dia do "onomástico" também é chamado de dia do anjo). Esse uso da palavra mostra que o santo e o anjo-da-guarda se aproximam tanto no seu serviço ao homem que até são chamados pelo nome comum. Quando ocorre uma mudança no estado espiritual, que é como se fosse um novo nascimento, muda-se também o nome, por exemplo, quando se toma o hábito de monge, a pessoa passa à proteção de um outro santo.

A veneração de santos anjos e dos santos na religião Ortodoxa cria uma atmosfera de família espiritual repleta de amor e paz. Essa veneração não pode ser separada do amor a Cristo e ao Seu corpo — a Igreja.

 

 

 

 

Folheto Missionário número P35

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Redator: Bispo Alexandre Mileant

 

(saints_b_alexander_p.doc, 07-25-2002)

 

 

 

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