Epístola do Bispo Alexander

aos Pastores da Diocese

da América do Sul

9 de outubro, 2004

Santo Apóstolo e Evangelista João o Teólogo

Reverendos Padres, Caros Irmãos em Cristo:

Ofereço aqui dois documentos que apareceram recentemente na Internet: 1) excertos de uma entrevista dada por nosso Bispo Gabriel de Manhattan da ROCOR para o repórter Ortodoxo russo Andrei Ryumin (datado 27 de Setembro), e 2) excertos do relatório do Metropolita Kirill de Smolensk e Kaliningrad feito por ele para o Conselho de Bispos da Igreja Russa do Patriarcado de Moscou em 3 de outubro.

Como as opiniões expressas pelo Bispo Gabriel são compartilhadas por muitos membros do nosso clero e leigos da nossa Diocese da América do Sul, elas merecem toda atenção. De outro lado, as palavras do Metropolita Kirill respondem a uma série de questões colocadas pelo Bispo Gabriel e mostram que as discussões que estão sendo mantidas pelos correspondentes Comitês de trabalho para a aproximação dos dois ramos da Igreja Russa estão prosseguindo no caminho certo.

Nesses dois documentos, eu ressalto certas frases e palavras. Eu alguns lugares eu pus esclarecimentos em letra menor. No final eu coloco meus próprios pensamentos sobre os temas levantados aqui.

Primeiro estão os excertos da entrevista do Bispo Gabriel, depois os excertos do relatório do Metropolita Kirill.

 

1. Excertos da entrevista do Bispo Gabriel

Andrei Ryumin: Vossa Graça, a Agência de Informação Ortodoxa "Russkaya liniya" está acompanhando de perto a longamente esperada aproximação das duas partes da Igreja Ortodoxa Russa, dividida no passado como resultado de inumeráveis pecados. Reconhecendo todas as dificuldades inerentes a tal aproximação, a "Russkaya liniya" por luz no assunto em suas publicações, para dar a nossos leitores uma idéia de todos os aspectos, para dar conhecimento aos leitores de todo o espectro de opiniões desse processo com a ROCOR. Permiti que nós humildemente peçamos que vós esclareçai para nossos leitores a situação presente. Podeis vós expressar a vossa própria atitude quanto ao processo de pacificação das duas partes da Igreja Ortodoxa Russa? Estais vós insatisfeito, ou o que aprovai? Como avaliais o trabalho dos Comitês das Igrejas formados para examinarem todas as questões e problemas que se constituem em obstáculo entre as partes da Igreja Ortodoxa Russa, e o progresso geral das conversas?

Bispo Gabriel: Como sabemos, os Comitês Conciliatórios da ROCOR e do PM já se encontraram pela segunda vez. É importante ressaltar que as imprensas cismática e não-eclesiástica distorcem propositadamente a verdade, chamando os comitês de "Comitês de Reunificação," enquanto nós estamos falando especificamente de reconciliar os nossos pontos-de-vista, o que é refletido no nome dos Comitês. Seja como for, as questões discutidas nos encontros nos preocupam nos preocupam sobremaneira, e as mais importantes para nós são a atitude para com a "Declaração" de 1927 do Metropolita Sérgio e o problema da participação do Patriarcado de Moscou no Conselho Mundial de Igrejas (World Council of Churches). Essas questões, nós sentimos, devem ser decididas antes de se iniciara as discussões sobre a comunhão orante. Aqui, eu quero enfatizar de novo que a imprensa hostil, explorando a ignorância dos seus leitores, diz que a comunhão orante já foi ostensivamente restabelecida. Isso não é verdade. No entendimento Ortodoxo, eclesiástico, comunhão orante não significa "estar um ao lado do outro," por exemplo, em frente de um ícone, mas serviço orante mútuo em frente ao Santo Altar, isto é, estando na Verdade, em unidade de mente. Tal testemunho em unidade de mente só se pode atingir com a concordância mútua em todas as questões onde há um entendimento diferenciado.

Essas questões não são simples, pois tanto quanto eu saiba, o Patriarcado de Moscou continua a defender sua atitude tradicional na questão do Metropolita Sérgio: aos seus olhos, ele permanece um certo tipo de "herói," que "salvou a Igreja." Eles não estão prontos para condenar — não o próprio Metropolita Sérgio — mas sim o fato ligado ao seu nome — a "Declaração" de 1927, que gerou com ela conseqüências fatais e lastimáveis para a Igreja. Nós sentimos que essa "declaração" deve ser oficialmente admitida como um erro. Nessa área parece que estamos "falando línguas diferentes." E eu não sei se os Comitês chegarão a um acordo ou não, se um compromisso será encontrado ou não, com um grau de oikonomia [a doutrina da "economia"], aceitável para a consciência eclesiástica. Então, resta para nós uma de duas coisas: nós admitirmos que as coisas não foram tão desesperadamente más como nós pensamos e escrevemos no passado, ou então os Bispos do Patriarcado de Moscou admitirem que a "Declaração" do Metropolita Sérgio foi um ato longe de "salvífico" para a Igreja, mas sim ao contrário, — ele foi ruinoso, errado.

Examinando o material do primeiro encontro, eu posso dizer que no curso do trabalho dos Comitês, nada de "terrível" aconteceu. Analistas e comentaristas estão alarmando o povo sem razão para isso. Ao mesmo tempo, até os próprios membros dos Comitês concordaram conosco pessoalmente, que há ainda as posições oficiais da ROC/PM, há o Patriarca, o ponto-de-vista do Sínodo, existem tantos livros e documentos que apareceram recentemente. O que o Patriarca disse em seu recente sermão no serviço do dia memorial do Metropolita Sérgio (Stragorodsky), durante a própria visita de nossa delegação, mais uma vez me convenceu que eles não podem, nesse momento, "acomodar" a rejeição da "Declaração" do Metropolita Sérgio. A mesma coisa pode ser dita sobre o ecumenismo.

Pergunta: Isto é, a condenação eclesiástica da "Declaração de 1927" e a retirada da condição de membro do Conselho Mundial de Igrejas são dois pontos de demanda incondicional por parte da ROCOR?

Bispo Gabriel: Sim, por certo. E eu espero que nosso Comitê insista firmemente nas nossas posições. Nossa Igreja se manteve firme nessas posições por muitos anos. Nós não podemos, como eu acentuei antes, falar de comunhão orante com o Patriarcado de Moscou até que essas questões estejam resolvidas.

Pergunta: Podeis apontar algum movimento positivo no curso dessas conversas? Por exemplo, na última sessão do Santo Sínodo da ROC/MP, houve uma decisão de encerrar todos os processos judiciais sobre propriedades com a ROCOR e não iniciar novos processos desse tipo. Pode ser isto considerada uma demonstração de boa vontade de parte do Patriarcado de Moscou para com o Sínodo dos Bispos no Exterior?

Bispo Gabriel: Sem dúvida, as negociações estão sendo conduzidas na direção correta, mas uma coisa é se falar sobre assuntos de propriedade, assuntos mundanos, e outra coisa é se falar sobre assuntos mais importantes, questões de princípio. Mas graças a Deus, tem sido demonstrada boa vontade nessa área—isso é bom, e nós aplaudimos. Afinal, nós todos lembramos como há não muito tempo atrás, nossa propriedade de igreja foi tomada na Palestina, e nós lembramos das tentativas de tomada que foram feitas na Alemanha e no Canadá. E é compreensível que esses episódios só tenham dado razão para o temor que já existia na maioria do nosso rebanho de nossa diocese quanto ao tema da possível reaproximação. Sim, deve-se admitir que a maioria da nossa diocese está agora desconfiada com o Patriarcado de Moscou, esclareça-se, falando condicionalmente, com a administração do Patriarcado de Moscou (nós não estamos falando das pessoas da igreja). A tomada de nossas propriedades só aumentou as suspeitas, porque muitos acreditam nos rumores de que o Patriarcado seguramente tomará posse de nossas igrejas. As pessoas não se esquecem que recentemente igrejas nossa foram tomadas à força, e que agora estão nos estendendo a mão em sinal de amizade.

Pergunta: De fato, a política delituosa de tomadas no anos do meio da década de 90 deu razão à propaganda que objetiva convencer o rebanho da Igreja no Exterior que no curso da "unificação" suas "igrejas serão tomadas." Essa propaganda tem sido disseminada por esses grupos não-canônicos que no passado romperam com a ROCOR. Poderíeis dizer algumas palavras sobre esses grupos?

Bispo Gabriel: Eu falarei somente daqueles que estão seriamente em erro. É uma situação triste: eles romperam com a Igreja no Exterior, cada um persistindo em sua opinião...E o cisma de Mansonville partiu-se agora em três grupos, um deles no Canadá, nominalmente chefiado pelo Vladika Metropolita Vitaly, outro na França onde o ex-Vladika Varnava vive, e o terceiro na Rússia: Vladika Lazar. Todos três — separadamente declaram que seu cabeça é o Metropolita Vitaly, enquanto entre eles, romperam, brigaram, tiveram uma queda. [quiçá o Metropolita Vitaly nem sabe que ele "chefia" três "igrejas" em conflito entre si, as três pretendendo estar sob o seu omoforion. Bp. Alexander]. A presente situação é o fruto do cisma que eles criaram. Para mim pessoalmente, e para muitos outros, é muito triste que eles tenham nos deixado, alegando razões que eu julgo infundadas, razões ditadas pelo orgulho humano, raiva, agitação momentânea. Se eles realmente se importassem com o destino da Igreja no Exterior inteira, eles tinham que ficar de qualquer modo, lutar pelas verdades que eles julgassem corretas, levantar suas vozes. Pois é absolutamente impossível lutar pela Verdade da Igreja estando fora de Igreja. Eu acho que eles deixaram os limites da Igreja sem nenhuma justificativa, criaram um cisma, uma hierarquia não-canônica — e agora, se fragmentaram por conta própria. E agora, o fato é que eles não podem ajudar com suas vozes de maneira benéfica à Igreja, tomando uma "posição" por assim dizer. O que eles conseguiram, criando um cisma? Nada!

Bem, agora, com respeito ao Metropolita Valentim de Suzdal, trata-se de uma pessoa ambiciosa que sempre lutou para subir, para criar alguma coisa par si próprio, e quando alguma coisa não estava indo de acordo com seu gosto, no início dos anos 90 ele nos deixou, depois voltou, e então nos deixou de novo...Tudo isso não é sério, basta que se olhe para quem ele está ordenando. Recentemente ele consagrou para o episcopado um homem que ele não conhecia, uma pessoa instável, e logo depois rejeitou essa pessoa...Isso causou um escândalo que os inimigos da Igreja de Cristo aproveitaram. Isso só confirma a natureza ruinosa do cisma que ele criou.

Todos esses "zelotes" deixaram os limites da ROCOR por diferentes razões, mas todos desejando a mesma coisa: Criar alguma coisa própria para si. Cisma é cisma, e para mim, pessoalmente, eu repito: é doloroso que eles tenham deixado o seio da Igreja. E agora — o que se pode dizer deles? Eles não estão mais na Igreja hoje em dia. E isso é compreendido até pelos mais radicais oponentes das negociações ROCOR/PM. Tudo mundo sente intuitivamente que as feridas da Igreja não são curadas por cisma. Cisma só dobra os ferimentos da Igreja.

Pergunta: Como eu entendo, Vladika, hoje há uma diferença de opinião dentro da Igreja no Exterior sobre a velocidade do processo de aproximação e, também há pessoas que sentem que em algum nível desse processo já seria possível estabelecer comunhão de igreja, comunhão Eucarística.

Bispo Gabriel: Você está certo, há pessoas que estão preparadas para começar com a comunhão de igreja agora, deixando as diferenças de lado. Eu sinto que eles estão errados. Nós devemos ter completa unidade de mente em tudo que se refere a questões de Fé. Eis porque, lendo o Credo, nós confessamos a fé em Uma Igreja. Mas se nós ainda temos diferenças, como nós ousaríamos ouvir durante a Liturgia as palavras: .".. para que em comunhão de espírito confessemos... "?

O seguinte deve ser ressaltado: muitas pessoas, deve-se dizer, a maioria de nosso rebanho, está vendo o processo de aproximação com alarme e medo — e ainda assim, todos, estou seguro, querem que a Igreja seja uma. Nisso não há conflito. A unidade da Igreja é necessária em bases apropriadas, e, antes de tudo, com a superação de todos os problemas e diferenças. Esse temor é baseado na pressuposição de que a unidade ocorrerá através do comprometimento por nossa parte de questões de princípio. Em minha opinião, essas são questões relacionadas com a participação no Conselho Mundial de Igrejas e com a atitude para com a "Declaração" de 1927. Como poderemos nos aproximar de Um Cálice sem superara essas diferenças? Se esses problemas forem resolvidos, Deus conceda — a Igreja Russa estará unida mais de uma vez; isso é o que nós queremos, e sempre quisemos.

 

2. Excertos do Relatório do Metropolita Kirill de Smolensk e Kaliningrad

Para o Concílio de Bispos da Igreja Ortodoxa Russa, 3 de Outubro, 2004, sobre Questões da Relação com a Igreja Russa no Exterior.

Um tema especial a ser considerado pelo presente Concílio é a mudança significativa ocorrida recentemente na nossa relação com a Igreja Russa no Exterior.

Como é bem conhecido, desde da eleição de Sua Santidade Patriarca Alexy II de Moscou e Toda a Rússia, novas oportunidades surgiram para aproximação com a Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia, que rapidamente foram tomadas como vantagem por Sua Santidade e pela Hierarquia da Igreja Ortodoxa Russa. Por exemplo, numa carta aberta de Sua Santidade o Patriarca de 17 de outubro de 1991, que teve grande importância, foi afirmado: "As correntes externas do ateísmo militante, que nos amarraram por muitos anos, caíram. Nós estamos livres, e isso cria a base para diálogo." O objetivo desse diálogo foi descrito como o restabelecimento de unidade canônica em testemunho e oração com a preservação da autonomia da Igreja no Exterior [toda ênfase é minha. Bp. Alexander. Infelizmente, Vladika Metropolita Vitaly imediatamente rejeitou a oferta do Patriarca Alexy II. E assim, os lamentáveis conflitos entre as duas partes da Igreja Russa começaram a ocorrer. Como resultado, nós perdemos a elevada autoridade moral que nós tínhamos entre os fiéis da Rússia e inconscientemente a jogamos nas mãos dos inimigos da Ortodoxia e da Santa Rússia. Bp. Alexander].

Tentaremos descrever com brevidade as diferenças que foram vistas no início dos anos 90 como obstáculos primários para o restabelecimento de relações entre o Patriarcado de Moscou e a Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia.Basicamente, esses problemas foram causados pela situação política anterior que envolveu a Rússia e determinou sua atitude para com esses países onde a Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia realizava o seu trabalho.

Nos anos 20 e 30 do século XX a Igreja Russa esteve em completo isolamento, e os contatos com o exterior eram mínimos. O Metropolita Elevferii (Bogovavlenskii) escreveu: "Parece que entre o Patriarcado e a Igreja no Exterior uma lacuna instransponível que não permite que se pode sequer imaginar qualquer contato pessoal. Aqueles no exterior não têm outra escolha do que aceitar ocasionais pedaços de notícias."

O governo da URSS perseguia uma política de completa destruição da Igreja dentro do pais e o enfraquecimento daquelas partes encontradas na imigração. Documentos de arquivo confirmam que São Thikon foi procurado com freqüência para depor ou excomungar da Igreja bispos do exterior.

No período pós-guerra a possibilidade de diálogo foi complicada pelas condições da "guerra fria," quando o Patriarcado de Moscou e a Igreja no Exterior se encontravam em lados opostos da "cortina de ferro," que dividiu o mundo em dois sistemas opostos.

Deixando de lado a retórica política do passado, pode-se dizer que existiram os seguintes problemas canônicos, que, do ponto-de-vista do Patriarcado de Moscou, precisavam ser resolvidos para a superação de nossa divisão:

  1. A questão do status canônico da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia e o Sínodo de Bispos vistos à luz da ukase de Sua Santidade o Patriarca Thikon, do Santo Sínodo, e do Concílio Eclesiástico Supremo da Igreja Ortodoxa Russa sobre a separação da Autoridade Eclesiástica Suprema no exterior. Essa ukase foi confirmada por atos subseqüentes da Hierarquia do Patriarcado de Moscou, incluindo sanções canônicas, suspensão de celebrar impostas sobre grupos de bispos do exterior. [As "sanções" mencionadas aqui pelo Metropolita Kirill contra a Igreja no Exterior foram impostas pelas autoridades ímpias, e por essa razão não têm peso. Elas deveriam simplesmente ser ignoradas, como sempre fizemos. Bp. Alexander].
  2. Rejeição pelos hierarcas da Igreja Russa no exterior da legalidade canônica dos atos Conciliares e de outras decisões muito importantes da hierarquia da Igreja Ortodoxa Russa, atestadas por uma série de documentos. Em várias colocações, dúvidas foram expressas sobre a presença da Divina Graça na Igreja Ortodoxa Russa e nos mistérios realizados nela. [Dúvida sobre a presença da graça na Igreja da Rússia, apesar de expressa por vários membros da Igreja no Exterior, nunca foi afirmada pelo Concílio de Bispos ou pelos Concílios de toda Diáspora da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia. Bp. Alexander].
  3. A comunhão Eucarística na qual a Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia existe, formalmente, de qualquer modo, com grupos não-canônicos que se separaram por várias razões de outras Igrejas Ortodoxas Locais, alguns ativos nos territórios canônicos das Igrejas da Bulgária, România e Grécia. Recentemente esses grupos tentaram expandir sua atividade no nosso território canônico e no território do patriarcado da Geórgia. [Ai de nós! Fomos capazes de criar grupos cismáticos e estamos em comunhão canônica com igrejas cismáticas. Bp. Alexander].
  4. A presença entre o clero da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia de pessoas que deixaram o clero do Patriarcado de Moscou e de outras Igrejas Ortodoxas Locais que não estão em sanção canônica. [Somos culpados disso também! Bp. Alexander].
  5. Finalmente, desde o começo dos anos 90 há o agudo problema da existência de dioceses e paróquias paralelas estabelecidas pela Igreja Russa no Exterior no território canônico do Patriarcado de Moscou. [Disso nós somos culpados também. Durante esses anos, eu cai num desfavorecimento temporário precisamente porque eu fui contra a criação de nossas paróquias e dioceses na Rússia. Nesse tempo, eu propus um Concílio de Toda Rússia com a participação da Igreja no Exterior e resolver conjuntamente os problemas da Igreja Russa. Bp. Alexander].

De parte da Igreja Ortodoxa Russa for a da Rússia, existiram, como regra, as seguintes condições para o restabelecimento de contato com o Patriarcado de Moscou:

  1. A condenação pela Igreja Ortodoxa Russa da Declaração do Metropolita Sérgio de 1927, e também o curso político representado nesse documento, incluindo compromisso com autoridades ateístas.
  2. A rejeição do ecumenismo pelo Patriarcado de Moscou, significando a forma de contato com Cristãos não-Ortodoxos ou mesmo representantes de religiões não-Cristãs nas quais são encontrados sinais de apostasia da pureza da Ortodoxia. Esse requerimento foi colocado pela primeira vez no último quarto do século XX, e nos últimos anos assumiu importância principal na consideração do assunto de superação de divisões.
  3. A glorificação pela Igreja Ortodoxa Russa dos Novos Mártires e Confessores da Rússia, especialmente da Família Real. Essa demanda foi ouvida depois de 1981, quando a hoste de Novos Mártires foi glorificada pela Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia.
  4. Podem esses problemas ser vistos como obstáculos reais para o restabelecimento da unidade da Igreja hoje?

    Comecemos com a última questão. A transformação fundamental de nosso país, visto pelo nosso povo como um dom de Deus enviado como resposta às orações dos Novos Mártires, resultou em que a Igreja Ortodoxa Russa ganhou completa liberdade. Imediatamente, a coleta e estudo de documentação e outras evidências dos trabalhos martíricos dos fiéis filhos da Igreja durante p período da perseguição ateísta começou. O Concílio Milenar de Bispos da Igreja Ortodoxa Russa de 2000 acrescentou os Novos Mártires e Confessores à grande hoste de santos, e também canonizou o Tsar e a Família Real. É importante destacar que entre os Novos Mártires glorificados estão muitos que não participaram do curso eclésio-político do Metropolita, e depois Patriarca Sérgio.

    As Atas do Concílio Milenar sobre a canonização dos Santos foram vistas pelos Bispos da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia com "especial esperança e gratidão ao Senhor nosso Deus," como pode ser lido na Resolução do Concílio de Bispos da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia realizado mais tarde naquele ano. o documento também menciona que uma das principais razões da divisão entre a Igreja Russa no Exterior e o Patriarcado de Moscou, pela misericórdia de Deus, tinha sido então fundamentalmente eliminada.

    Viremos agora para a questão da Declaração de 1927. A hierarquia da Igreja Ortodoxa Russa atestou mais de uma vez para o fato de que a "Declaração" é vista agora como um documento meramente histórico que perdeu sua validade. O Concílio de Bispos da Igreja ortodoxa Russa em 1990 estabeleceu que: "Nós... não nos sentimos, de modo algum, amarrados... pela declaração de 1927, que permanece para nós como um marco daquela trágica época na história de nossa Pátria. Nós não idealizamos esse documento, reconhecendo inclusive sua natureza coercitiva." Numa entrevista dada para o jornal Izvestia em 1991, Sua Santidade o Patriarca Alexy disse:

    "A declaração do Metropolita Sérgio, por certo, não pode ser considerada voluntária, pois, enquanto suportava terrível pressão, ele tinha que afirmara coisas que estavam longe da verdade para salvar vidas de pessoas. Hoje podemos dizer que há mentiras misturadas em sua declaração... A Declaração não coloca a Igreja na correta relação com o estado, de fato faz o oposto, ela destrói aquela distância que numa sociedade democrática deve existir entre a Igreja e o estado." [ênfase minha — Bp. Alexander].

    Sem nos limitarmos a essas afirmações, nossa Igreja livremente e sem qualquer coerção descreveu as normas da relação igreja-estado, baseada na palavra de Deus, no testemunho de muitos séculos de Tradição da Igreja, incluindo, em parte, a experiência dos Novos Mártires cultivada pela Igreja na era das perseguições nas mãos do regime totalitário sem Deus. Muitos falaram do significado histórico do "Conceito Social Básico da Igreja Ortodoxa Russa" quando esse documento foi inicialmente adotado pelo Concílio Milenar dos Bispos em 2000. Depois se tornou claro: o significado do "Conceito Social Básico" está também no fato de que essa expressão dos ensinamentos da Igreja abriu novas oportunidades para a aproximação com a Igreja no Exterior. "A Igreja," afirma o documento, " preserva lealdade para com o estado, mas acima desse requerimento de lealdade está a lei de Deus... se o estado forçar os fiéis Ortodoxos a apostatar Cristo e Sua Igreja, e também para atos pecaminosos em detrimento da alma, a Igreja deve recusar obediência ao estado," diz o terceiro capítulo do "Conceito Social Básico."

    A voz livre da Igreja, ouvida especialmente clara nesse documento Conciliar, nos dá a oportunidade de ver a declaração sob uma nova luz. Enquanto entendendo completamente que o caminho de relação com o estado escolhido em 1927 foi baseado no desejo de preservar a possibilidade de existência legal da Igreja, o Concílio de Bispos da Igreja ortodoxa Russa decretou que esse curso não foi de acordo com as verdadeiras normas de relação igreja-estado. A época do aprisionamento da Igreja chegou ao fim. Dessa maneira, o problema em nossa relações com a Igreja no Exterior — que durou por muitos anos — foi por todos os intentos e propósitos removido. Isso foi essencialmente reconhecido pelo Concílio de Bispos da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia em 2000. Durante as conversas recentes, tornou-se muito claro que o capítulo "Igreja e Estado" no "Conceito Social Básico da Igreja Ortodoxa Russa" é visto pelos dois lados como um fiel reflexo dos ensinamentos da Igreja. Declarações por autoridades da Igreja, de ambos os lados, feitas no passado sob condições externas que eram extremamente não-hospitaleiras para a Igreja contradizendo essas normas não podem de modo nenhum ser vistas por nós como ações tendo qualquer validade para a Igreja.

    Examinemos agora a questão das relações com os heterodoxos. Antes de tudo deve ser dito que representantes de nossa Igreja que participam de diálogo com Cristãos de outra fé, nunca foram guiados pela intenção de criar uma religião sincrética e nunca viram as organizações inter-Cristãs como uma espécie de super-Igreja. Eles nunca aceitaram a assim chamada "teoria dos galhos." Nossos contatos na área inter-Cristã tiveram como seu objetivo principal testemunhar a Ortodoxia. Também, é válido notar que nas condições de brutal controle por parte do estado ateísta, esses contatos representaram a oportunidade real de contrabalançar a pressão do estado provendo para a Igreja entrada na área internacional.

    Ainda deve ser admitido que participação em atividades inter-igrejas, com exaustivo controle do estado, gerou um caráter de elite, permanecendo opaco para a Igreja para a maioria de seus membros. Não se pode ignorar também que de fato alguns participantes em conferências ecumenistas, através de suas publicações — igualmente controladas — criaram uma imagem distorcida da Igreja Ortodoxa Russa em seus contatos inter-Cristãos. Tudo isso serviu como tentação que criou no lado da Igreja no Exterior, mas também dentro da nossa própria Igreja, desconfiança e suspeita para com os contatos inter-Cristãos.

    A esse respeito importância especial é dada ao documento "Princípios Básicos da Atitude da Igreja Ortodoxa Russa para com os não-Ortodoxos" adotado pelo Concílio Milenar dos Bispos em 2000. Nesse documento, baseado nas tradições da Igreja, as normas de nossa participação nas relações inter-Cristãs estão traçadas. Deve ser também enfatizado que essas normas foram formuladas pela Igreja sem embaraço por envolvimento governamental. Esse documento confirma claramente a qualidade única da Igreja e a "teoria dos galhos" é rejeitada. Ele estabelece que a Igreja Ortodoxa, como preservadora da Tradição e dos dons cheios-de-graça da Antiga Igreja tem como sua "tarefa primária, por isso, em suas relações com as confissões não-Ortodoxas... dar contínuo e persistente testemunho que conduzirá a verdade expressa nessa Tradição a se tornar compreensível e aceitável." Eu estou convencido que o que é afirmado nesse documento Conciliar em essência coincide inteiramente com a atitude da Igreja no Exterior para com esse problema, representantes da qual, em outros tempos, participaram ativamente desses contatos inter- Cristãos. A questão se a Igreja Ortodoxa Russa permite qualquer comunhão litúrgica com os heterodoxos não teve qualquer atenção particular no "Princípios Básicos," já que para nós essa questão não era um problema: nossa rejeição disso é inteiramente aparente. [Isto é, a Igreja do PM rejeita por princípio a comunhão litúrgica com não-Ortodoxos, em completo acordo com nossos cânones eclesiásticos. Bp. Alexander].

    Acreditou-se desde o início, de ambos os lados, que no processo de aproximação é necessário que se aja de maneira a evitar prejuízos e não infligir novas machucaduras um lado no outro. Não há espaço para vitórias táticas unilaterais nesse caminho, não deveria e não pode haver vencedores e perdedores. É especialmente importante que nós cheguemos a um acordo para caminharmos avante na consideração das realidades eclésio-administrativas que se desenvolveram no século XX.

    Por propósitos práticos, foi decidido formar comitês que devem preparar os textos correspondentes.

    U evento importante no caminho da unidade foi a visita do Chefe da Igreja no Exterior, o Metropolita Lauro, em maio último. Essa visita teve grande simbolismo: pela primeira vez o Chefe da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia visitou oficialmente nosso país, e se encontrou com Sua Santidade o Patriarca de Moscou e Toda a Rússia. O Metropolita Lauro foi acompanhado por um grande número de clérigos. Nossos convidados do exterior oraram em serviços Patriarcais e fizeram peregrinação para lugares santos da Rússia. A atmosfera da visita foi muito calorosa e gregária, e essa foi uma grande contribuição dos arquipastores, tanto dos que participaram dos encontros em Moscou quanto daqueles que receberam amorosamente nossos convidados em suas dioceses.

    A visita teve grande sentido prático. Foi obtida uma decisão no início dos trabalhos conjuntos pelos Comitês no diálogo estabelecido no último dezembro. e foram formulados tópicos concretos que demandaram estudos conjuntos. Foi proposto que os Comitês conversassem sobre:

    1. Princípios da relação Igreja-Estado de acordo com os ensinamentos da Igreja.

    2. As correspondentes tradições da Igreja na relação da Igreja Ortodoxa com comunidades não-

    Ortodoxas, e também com organizações inter-confessionais.

    3. O status da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia como uma parte auto-governada da Igreja

    Ortodoxa Russa .

  5. Condições canônicas para o estabelecimento da comunhão Eucarística.

Documentos preparados pelos Comitês devem ser apresentados para considerações da hierarquia do Patriarcado de Moscou e da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia.

Os Comitês iniciaram os seus trabalhos conjunto e já tiveram dois encontros: em Moscou e em Munique. Documentos conjuntos foram concordados sobre uma série de assuntos que foram determinados durante a visita de maio do Metropolita Lauro. Sobre isso mais será dito pelo Arcebispo Inocente de Korsun, o Presidente do Comitê do Patriarcado de Moscou nas discussões com a Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia em seu relato. Vladika Inocente também apresentará para o Concílio considerações sobre os documentos preparados pelos Comitês. De minha parte, eu só gostaria de comentar sobre a atmosfera em que essas conversas têm sido mantidas. Eu fui capaz de senti-la eu mesmo, porque eu encontrei com freqüência os participantes dos encontros e mantive contato próximo com eles. As conversas foram mantidas numa atmosfera calma e amigável. Sente-se a pureza de motivos dos participantes, assim como a ausência de qualquer sinal de outros objetivos que não aqueles colocados. Ambos os lados estão lutando firmemente para atingir entendimento mútuo, sem abandonar os seus princípios. O Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa tomou uma decisão baseado nas conclusões do primeiro encontro em Moscou, na qual bispos que realizam suas obrigações fora do nosso território canônico devem desenvolver atividades conjuntas com seus irmãos bispos da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia de todas as maneiras possíveis. Foi decidido ir adiante na rejeição de iniciar processos e encerrar aqueles que estão em curso, e nas instâncias em que conflitos não possam ser resolvidos, os assuntos devem ser encaminhados aos Comitês. Espera-se que uma decisão similar seja adotada pelo Sínodo dos Bispos no Exterior.

 

Minha Opinião a Respeito dos Assuntos Acima.

Em sua entrevista, o Bispo Gabriel expressa uma noção muito valiosa, a de que os problemas da Igreja não são resolvidos através de cisma. Os cismas sempre conduzem a uma posterior fragmentação dos grupos que o iniciaram e a sua destruição mútua. Todo mundo tem o direito de defender seu ponto-de-vista — com a condição de preservar respeito pela opinião de seu irmão em Cristo, sem insultá-lo ou perturbá-lo. Mais ainda se nós não estivermos argumentando sobre dogmas de fé, mas avaliando ações de indivíduos, deixemos então o julgamento final para Deus que conhece os corações dos homens.

O discurso do Metropolita Kirill para o recente Concílio de Bispos havido em Moscou traça um significativo caminho em direção a responder as questões postas pelo Vladika Gabriel na entrevista acima. As explicações do Metropolita Kirill sobre "Sergianismo" e ecumenismo correspondem genericamente ao que costumamos dizer sobre esses assuntos.

Eu quero lembrar mais uma vez que a composição da Igreja da Rússia, que foi recentemente emancipada do regime sem-Deus, é tão complicada e auto-contraditória, que não se pode esperar que ela tenha unidade de mente em todas as questões. Ainda assim, as discussões que têm havido sobre questões de princípio — tanto no exterior quanto na pátria — têm seu lado positivo, no que elas ajudam as pessoas de boa vontade a verem mais claramente a verdade. "E até importa que haja entre vós heresias, para que os que são sinceros se manifestem entre vós." Escreveu o Apóstolo Paulo (I Co. 11: 19).

Eu acredito que o tempo e a graça de Deus irão curar a Igreja Russa de outras feridas nela infligidas pelo estado ímpio. Oremos por isso!

Levando em conta que a Igreja Russa una foi dividida por razões externas, de força, e não pelo ensinamento da fé, dever-se-ia pensar que assim que o estado sem-Deus tivesse caído, ambas as partes da Igreja Russa poderiam ter concordado em mutuamente não excluírem a comunhão litúrgica, especialmente naqueles casos em que as circunstâncias fossem hospitaleiras (por exemplo, em peregrinações ou dias de festa). Pois nossos primeiros Hierarcas no exterior não teriam dúvidas em abraçar a Igreja em nossa Pátria, e assim aceitar clérigos que viessem de lá fazendo parte de suas fileiras, e aqueles leigos que tivessem sido batizados lá teriam sido admitidos nos Mistérios eclesiásticos em igrejas no exterior.

Em tais condições, deve-se pensar, o processo de aproximação entre as partes da Igreja Russa, feita em pedaços teria começado com um tom mais calmo e meditativo. Assim, logo depois da Perestroika, ambas as partes da Igreja Russa teriam concordado em não processar uma à outra, nem brigar por propriedades, mas numa atmosfera amistosa discutir problemas existentes. A sabedoria popular diz: "É melhor uma má paz do que uma boa guerra." Aproximando-se uma da outra com boa vontade, nós teríamos evitado os erros e injurias que uma parte fez para a outra estando com raiva.

Com relação ao lado administrativo da aproximação das nossas Igrejas, eu sinto que essa questão não deve ser forçada, que é melhor manter o status quo. A questão da unidade administrativa da Igreja Russa eu deixaria para a Divina Providência. Se nós pudermos trabalhar amigavelmente nos campos de colheita de Cristo, juntos cuidar da salvação de almas humanas, então a questão da estrutura administrativa seria de importância secundária.

Eu chamo todos vós, meus caros irmãos, para orar para Deus para que Ele conduza nossa Igreja pelos Seus sapientíssimos caminhos. A coisa mais importante: peço a todos vós para não ofenderem, não brigarem, não se afastarem para grupos de canonicidade duvidosa, mas para permanecerem em unidade eclesiástica.

Que Deus abençoe a todos vós, meus caros.

Com amor em Cristo,

+ Bispo Alexander